A força de vontade vai fazer da Vanise a veterinária que ela sonha em ser. É uma guerreira. A imagem que estampou a capa do jornal A Hora dessa quinta-feira é o retrato nú e cru daquilo que virou o ensino gaúcho. A Vanise Greiner mora em Boqueirão do Leão, e para acessar o conteúdo das aulas ou trocar uma mensagem com os professores, se vale da Ganasha, a égua que lhe dá carona até encontrar sinal de internet.
Agora pergunto? Quantas Vanises temos? Quantos pagam o preço? Quantos ficam pelo caminho e nem encilham o cavalo?
Pois é. Desde o ano passado sustento que as escolas deveriam ser, junto com as atividades econômicas, as primeiras a voltarem. Mas não. O Rio Grande do Sul está literal e fatalmente abrindo mão do ensino. Escola presencial só é essencial desde essa semana, quando o governador Eduardo Leite sancionou o projeto que torna o ensino infantil e das primeiras séries do fundamental como essenciais. Precisa de projeto para tornar a educação uma área essencial. Triste. Muito triste.
Enquanto outras nações e até mesmo estados da federação preservam o ensino e dobram esforço para manter as escolas abertas, no Rio Grande do Sul mal falamos no assunto. Parece superado. “Isso é surreal”, disse ontem o presidente do Sinepe, Bruno Eizerick, em entrevista à Rádio a Hora. É surreal mesmo. Quantas Vanises vão sobrar até decidirmos que lugar de aluno é na escola e não na frente do computador ou do celular? Ou no caso da Vanise, em cima do cavalo?
O drama do comércio e a trapalhada da Justiça
Decisões judiciais monocráticas e arbitrárias têm despertado revolta e ira na sociedade. Isso, somado à falência de negócios e ao adoecimento mental, coloca o estado à beira de confrontos físicos. Está na hora de juízes saírem do aquário e sentirem o cheiro e o drama das ruas e dos pagadores de impostos que sustentam seus salários.
Quando o juiz Paulo Eugênio Couto Terra suspendeu a cogestão no apagar das luzes da sexta-feira retrasada, ele incendiou um caldeirão no Estado e transformou um drama em ira. Não foi apenas uma decisão errada. Foi também irresponsável.
Explico: os lojistas e prestadores de serviços aguentaram, no osso do peito, três semanas de atividades fechadas (sem contar os setores que estão impactados o ano inteiro). Só entravam nas lojas os boletos e as contas a pagar, e nada de receita. Daí o governador Eduardo Leite, pressionado por todo lado, devolveu a cogestão aos municípios e liberava os comerciantes a abrirem as suas portas na segunda-feira, dia 22. Horas depois, o juiz decidiu, monocrática e arbitrariamente, suspender a cogestão e, por consequência, decretar mais uma semana de lojas fechadas.
A revolta tomou conta de empresários estado afora.
Organizaram múltiplos grupos de redes sociais e anunciavam desobediência civil. Sustentavam que abririam o comércio mesmo se a lei os proibisse. Menos mal que a Procuradoria Geral do Estado conseguiu derrubar a decisão e as lojas puderam ser abertas dentro da lei.
Mas o problema não termina aqui. Ou melhor, ele só começa.
Quando comerciantes de todos os municípios gaúchos se articulam e decidem não cumprir as ordens e percebem que não haveria fiscalização tradicional suficiente, uma mini-guerra civil está por estourar. Ou alguém duvida que confrontos ocorreriam na segunda passada? E aqui está o lado irresponsável do juíz Eugênio.
Nem um, nem dois, nem 100. Milhares de lojistas estavam decididos a não cumprir a decisão judicial. Estavam dispostos a pagar o preço. E essa revolta tem nome e sobrenome: desobediência civil. E essa, por consequência, nos conduz para um cenário de conflito, de briga. De guerra. E de guerra, já basta a pandemia.
Espero, verdadeiramente, que o recado tenha chegado onde precisava. O Judiciário não pode mais se dar ao luxo de tomar decisões esdrúxulas, desconexas e que só aumentam a tensão e o pânico que invadem corações e mentes desde o ano passado.
Ainda bem que a mobilização de abrir o comércio a qualquer preço neste sábado foi perdendo força. O momento não é de rupturas nem de conflitos. É de diálogo e de empatia. Mas vamos combinar, o bom senso precisa vir de todos os lados, especialmente de quem tem o poder de decidir sobre a maioria. E no Judiciário, já basta de trapalhadas.