Para driblar a falta de internet e conseguir acessar os conteúdos do ensino remoto, Vanise Greiner, 11, vai a cavalo estudar na casa de familiares. A paixão por animais estimula a estudante a superar os desafios do ensino a distância.
Vanise é aluna do 7° ano, da escola estadual Serafim Schmidt, no interior de Boqueirão do Leão. “Quero estudar para ser veterinária. Sempre gostei muito de cavalgar e aproveito para fazer os trabalhos da escola”, conta a jovem. Na localidade onde mora, não há sinal de internet, nem mesmo conexão por dados móveis das operadoras de telefonia.
Para obter sinal 3/4G no celular, somente em pontos mais elevados. “Esse sinal serve apenas para acessar o WhatsApp e tirar alguma dúvida com os professores. Quando preciso assistir aulas no ambiente virtual, vou até a casa dos meus tios que têm internet via satélite”, explica a estudante.
A disciplina na qual Vanise enfrenta maiores dificuldades é Artes. “São trabalhos difíceis de fazer sem o material adequado disponível na escola. Tento fazer da melhor forma possível, mas não sou boa nos desenhos”, comenta.
O pai da estudante fez orçamentos para instalar um sistema eficiente de internet. “É um investimento alto, na faixa de R$ 1,2 mil, mas se torna essencial, pois não sabemos quanto tempo ainda vai durar a pandemia”, revela Vitore Greiner, 47.
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Estudante de Boqueirão precisa percorrer trajeto a cavalo para conseguir acesso a internet (Foto: Felipe Neitzke)
Com a ajuda dos vizinhos
Situação semelhante é enfrentada pelo aluno Carlos Muller, 17. O galpão da propriedade em Picada Santa Clara é o melhor lugar para enviar os trabalhos da escola aos professores. E lá que fica o receptor do sinal de internet que é cedido pelos vizinhos. Sem um wi-fi em casa, é com a ajuda deles que o estudante tem acompanhado as aulas da Escola Estadual de Ensino Médio Santa Clara desde o ano passado.
Quando chove, o sinal é mais fraco e algumas vezes é necessário ir até o potreiro para enviar as atividades da semana pelo celular. Outro vizinho também ofereceu o porão de casa para o estudo do menino. Mesmo assim, o sinal não é constante e nem sempre Carlos consegue ficar conectado nas aulas em ambiente virtual. “Temos sorte das aulas serem gravadas, qualquer coisa podemos assistir depois”, comenta o aluno.
Para entregar as tarefas, Carlos costuma tirar fotos, mas quando é necessário gravar vídeos ou áudios, o envio pode demorar horas. Mesmo com as dificuldades, o estudante não deixa de entregar os trabalhos e, no ano passado, ganhou um prêmio da escola pela dedicação.Com
o apoio do pai, Milton Muller, 62, o menino criou uma rotina de estudos e busca não deixar as atividades para a última hora. “Eu não consigo ajudar muito nos estudos, mas sempre digo que ele tem que se dedicar e que nós temos que dar esse tempo. Quando tem prova eu digo que ele pode fazer as tarefas e não precisa ir para a roça comigo. Quero poder dar o melhor ao meu filho, e o estudo ninguém tira dele”, reforça o pai.
Diversidade nas escolas
Adotado de maneira emergencial pela necessidade de distanciamento social, o ensino remoto tem evidenciado as desigualdades existentes entre as redes pública e privada de educação no Estado. Uma pesquisa divulgada pelo Comitê Popular Estadual de Acompanhamento da Crise Educacional no Rio Grande do Sul na metade do ano passado apontou que 59% dos alunos das escolas estaduais dizem ter um computador em casa e apenas 20% possuem internet através do celular.
Neste cenário, conseguir atender as 86 escolas e aproximadamente 19,3 mil alunos que são compreendidos pela 3ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) em um modelo de ensino híbrido ou virtual é um desafio para a educação do Vale.
Com a impossibilidade da volta às aulas, uma das prioridades da coordenadoria neste momento é a amplitude de acesso às tecnologias digitais para garantir as aprendizagens essenciais do ano letivo.
A 3ª CRE ofereceu neste período as formas de trabalho por meio do Google Classroom, materiais digitais em pendrive e, para aqueles sem acesso a dispositivos eletrônicos, são disponibilizadas salas com computadores no ambiente escolar, respeitando os protocolos de distanciamento e com horários agendados. Mas em função da bandeira preta, o atendimento é feito apenas de forma online.
A rede estadual também adquiriu dispositivos como os chromebooks durante este período. Cerca de 940 professores da região da 3ª CRE já receberam o material e serão distribuídos ainda cerca de 260. Segundo a coordenadoria, outra preocupação do ensino estadual é encontrar formas de garantir a retomada do vínculo dos alunos com a escola e o desenvolvimento das aprendizagens essenciais, verificando possíveis defasagens e considerando as dificuldades de acesso de alguns estudantes.
Para amenizar o problema
“Acho que a nossa maior dificuldade é pela diversidade das escolas estaduais. Temos escolas onde os alunos possuem acesso à internet e equipamentos, mas outras não”, acredita Sandra Ahlert, diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Moinhos, em Estrela.
Ela conta que os professores têm se adaptado ao ensino remoto e hoje, além das plataformas para postagens das atividades, os materiais também são compartilhados em grupos de WhatsApp. O uso do aplicativo teve boa aderência entre as famílias, mas um dos problemas é o prazo de entrega, que nem sempre é cumprido.
“Muitas famílias nos explicam que os dados móveis haviam acabado e que precisavam de uma nova recarga para conseguir nos enviar os trabalhos. Mas no geral, a maioria tem conseguido participar das atividades”, conta a diretora. Ela também afirma que muitas crianças não possuem acesso a um celular e esperam os pais chegarem do trabalho para fazer o tema.
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Entre as ações para contemplar alunos sem internet, está a elaboração de materiais que podem ser retirados pelas famílias (Foto: Arquivo Pessoal)
Antes da bandeira preta, as famílias iam até a escola para buscar materiais impressos e depois devolver as atividades feitas pelos alunos. Segundo a diretora, o corpo docente já está preparando cadernos e outros materiais para entregar às crianças assim que a situação melhorar no município. Outra iniciativa dos professores neste período é o envio de vídeos sobre os conteúdos ensinados.
“A escola faz falta na vida do estudante. Não podemos dizer que ela é um local mais seguro do que a casa para o próprio aluno, mas a escola faz falta na perspectiva sócio emocional, a questão de grupo, de coletivo, desse crescimento do ser humano que vive em sociedade”, enfatiza Sandra.