Pandemia amplia pobreza

Situação das famílias

Pandemia amplia pobreza

Dados do CadÚnico mostram um total de 5410 cadastros em dezembro do ano passado. Destes, 1526 são famílias em situação de extrema pobreza

Pandemia amplia pobreza
Daniela é responsável por uma das 5410 famílias inscritas no CadÚnico (Foto: Bibiana Faleiro)
Lajeado

Moradora do bairro Campestre, Daniela da Rocha Rodrigues, 32, perdeu o emprego no início do ano passado. Ela passava por um problema de saúde e, em seguida, veio a pandemia.

Ela cria dois filhos ao lado do marido que trabalha como prestador de serviços para garantir uma boa refeição em casa. Desde o ano passado, a demanda de trabalho diminuiu e a família sofreu com a desestabilidade financeira.

“O que tem nos ajudado é o auxílio do Cras. Eu venho aqui a cada dois meses para receber um rancho de alimentos que nos tira do sufoco por uns bons meses”, conta Daniela. A família é inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) desde 2008, quando nasceu o primeiro filho.

Além de receber auxílio na renda e na aquisição de alimentos, Daniela conseguiu outros benefícios por meio do cadastro, como desconto na compra dos óculos de grau. “A gente sabe que não é barato, e fazendo um óculos normal hoje dá em torno de 600 reais, com a ajuda do Cras eu paguei somente R$ 120, com armação e tudo”, conta.

Extrema pobreza

A família dela é uma das 5410 inscritas no Cadastro Único até dezembro do ano passado. Esse número representa um aumento de 604 inscrições entre maio de 2019 e dezembro de 2020. No período, o município contabilizou um total de 1526 famílias em situação de extrema pobreza, que recebem até R$ 89 por membro familiar no mês.

Este é um cenário que preocupa os dois Centros de Referência de Assistência Social (Cras) de Lajeado. Segundo a coordenadora do Cras Espaço da Cidadania, Fátima Luciane Leal, essa situação é um reflexo de uma soma de fatores. “Já vínhamos de uma crise social, econômica e política, de instabilidade socioeconômica e houve um agravamento em virtude da pandemia, já que muitas famílias perderam empregos ou tiveram salários reduzidos nesse período”, acredita Fátima.

Ela explica que o Cras trabalha com o acompanhamento das famílias baseado na construção de um Plano de Acompanhamento Familiar (PAF), onde há um conjunto de objetivos a serem alcançados, com o propósito de superar as vulnerabilidades. O Cras também busca promover oficinas e estimular a autonomia financeira e social dessas famílias por meio dos recursos recebidos do governo.

Algumas entidades também fazem doações e as cestas básicas são distribuídas com um processo de revezamento entre as famílias, que recebem os alimentos a cada dois meses. “Nosso foco é atender famílias em situação de vulnerabilidade social e são prioritários no atendimento os beneficiários que atendem os critérios de participação de programas de transferência de renda e benefícios assistenciais e pessoas com deficiência ou pessoas idosas que vivenciam situações de fragilidade”, explica Fátima.

Para se inscrever no Cadastro Único, é preciso que uma pessoa da família se responsabilize por prestar as informações de todos os membros da família, chamada de Responsável pela Unidade Familiar (RF). Ela deve ter pelo menos 16 anos e, preferencialmente, ser mulher.

“O Brasil está entrando em uma depressão estrutural”

O sociólogo Renato de Oliveira falou sobre a situação.

• Como você avalia esse cenário do aumento da pobreza?
Esse aumento tende a se agravar. Pessoas que possuem ocupação em serviços gerais, por exemplo, são, na maioria dos casos, serviços que dependem da transferência de renda das classes médias para estas pessoas. Se elas estão perdendo essas ocupações, é porque a classe média também está perdendo renda. Portanto não podemos falar apenas de um aumento dos níveis dessa pobreza visível, porque há um empobrecimento geral da sociedade. Antes já tínhamos sinais de esgotamento de um ciclo econômico no Brasil que, por muitos anos, ficou dependente dos commodities. Não houve políticas de fortalecimento do setor industrial e o setor de serviços não qualificou. Foram tomadas medidas econômicas que acabaram concentrando as rendas no Brasil. Para cada indivíduo que tem capacidade de investir, que monta uma fábrica, existem 10 que fazem investimentos improdutivos e portanto não geram empregos e rendas. A pandemia agravou tudo isso. O Brasil está entrando em uma depressão estrutural.

• Qual é o problema de ter tantas famílias nessa situação?
Além da fome, das doenças e de todos os problemas que atinge as pessoas em nível de pobreza, também tem o ponto de vista social que implica no aumento dos índices de violência. Para um jovem cuja família está em estado de extrema pobreza e que não vê nenhuma perspectiva de resolver a situação no curto prazo, que está passando fome, é muito fácil se envolver com o tráfico. Além disso, muitas dessas pessoas não veem a sociedade como solidária com a situação de pobreza. Não há políticas públicas para algum alívio dos seus problemas e é cada por si. O envolvimento com crime é muito fácil, porque além de ser uma saída para ter o que comer, também é uma resposta para um sentimento de revolta com a sociedade que nem sempre é consciente.

• O que é necessário para reverter a situação?
Primeiro o governo deveria adotar uma política coerente para o enfrentamento da pandemia, isso significa encarar seriamente o confinamento social. Tentar fazer o possível para correr atrás do prejuízo da vacinação e retomar os teste massivos de contaminação da covid. No plano da economia, deveria ter um programa emergencial de empregos para as pessoas nessas situações. Empregos em obras públicas, e ter estrutura de garantia sem tirar dos pobres para dar aos mais pobres. Tem uma série de possibilidades na economia, taxação do capital financeiro, de grandes fortunas, mudar o sistema tributário sobre ganho de capital, tudo isso criaria condições para melhorar os efeitos econômicos da pandemia. Mas não vejo uma melhora a curto prazo, porque as condições que levaram as pessoas para estas situações não mudaram.

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