“No momento em que tiramos a língua de um povo, a cultura desse povo morre”, acredita Luiz Agostinho Radaelli, 66. Para não deixar o talian morrer – e consequentemente a história dos colonizadores italianos no Vale – o técnico agrícola aposentado fundou uma rádio totalmente falada no dialeto italiano.
O fascínio pela imigração surgiu muito antes, ainda na década de 80. Guiado pelos questionamentos “da onde vim?” e “quem sou?”, Radaelli iniciou uma pesquisa sobre os descendentes em certidões, livros e até cemitérios. Desde 1984, o trabalho foi compartilhado em colunas de jornais no talian – a primeira delas no Correio Riograndense de Caxias do Sul.
Com o avanço da internet, o morador de Lajeado percebeu a possibilidade de difundir ainda mais os conhecimentos. A ideia da rádio web Talian Brasil foi criada com ajuda dos filhos e voluntários.
Primeiro programa rodou no dia 29 de abril. A data foi escolhida estrategicamente para coincidir com os 140 anos da chegada de Ângelo, bisavô de Radaelli, no porto do Rio de Janeiro. “Depois de todas essas décadas, a língua trazida pelos antepassados segue viva por aqui”, comemora.
Simples, mas eficaz
Estruturada na residência de Radaelli, em Lajeado, a emissora web tem poucos computadores, um microfone e uma mesa de áudio. A Talian Brasil conta com 13 rádios que fornecem conteúdos para a programação rodada 24 horas por dia. Cerca de 30 pessoas também atuam de forma voluntária.
A rádio tem apoio da Obras Materiais de Construção e Fruteira Degasperi, além da hospedagem do site feita pela Maer Informática. “Muitas vezes é preciso colocar mais recursos para manter a rádio. Mas é meu passatempo, faço porque gosto”, justifica.
Embora a estrutura seja simples, a rádio web ganha repercussão mundial com ouvintes em países como Estados Unidos, China e da própria Itália. Em quatro anos de atividades, foram quase 47 mil acessos no site.
Radaelli classifica o elogio dos ouvintes omo a principal gratificação. “Tem pessoas da Itália que afirmam que falamos o talian melhor do que lá. Idosos que dizem se recordarem do ‘nono’ quando nos ouvem. Isso tem mais valor que o dinheiro”, afirma.
Em 2021, a Rádio Talian Brasil recebeu homenagem da Asolapo Itália, entidade internacional que se dedica a valorizar as atividades culturais, artísticas e literárias em inúmeros países.
Música, poesia e cultura
O acervo da Talian Brasil conta com mais de 2,5 mil músicas. Apenas cerca de 100 delas são cantadas em português. Entre as canções mais famosas, Radaelli cita “La bella polenta” e “Merica merica”.
Entre os programas de mais destaque, o diretor da rádio cita a Hora do Vêneto – atração feita na Itália e retransmitida no Brasil. Além das músicas, a rádio tem quadros com resgate histórico, provérbio e declamação de poemas em talian.
A Rádio Comunitária Líder 98.3 FM, em Westfália, é a única no Brasil com um programa no dialeto alemão “Plattduutsch”, mais conhecido como “sapato de pau”. A atração é transmitida semanalmente às 20h de segunda-feira.
Quem apresenta o programa “Fred un music” (Alegria e Música) desde a inauguração da emissora, em 2010, é o comunicador Ido Ahlert, 64. Até hoje, ele se recorda da primeira edição realizada no dia 11 de outubro. “Quando terminei, uma ouvinte me ligou e disse em sapato de pau que nunca deveria parar”, relembra.
Ahlert foi fundador da única rádio do município. O processo iniciou ainda em 2003 com os músicos do La Montanara. Sem conseguir liberação do Ministério das Comunicações, o grupo desistiu da ideia e passou o projeto para Ahlert. “Foram mais três anos de trâmites até tirar a rádio do papel”, recorda.
A ideia de ter um programa no sapato de pau surgiu porque a maioria dos 3 mil habitantes de Westfália falam ou entendem o dialeto alemão. “Temos esse legado que herdamos dos nossos antepassados. O sapato de pau é Westfália”, reforça.
Público fiel
Com cerca de uma hora e 30 minutos de duração, o programa conta com músicas no dialeto sapato de pau, alemão e valsas. Parte das músicas apresentadas por Ahlert são de músicos do Vale do Taquari, a exemplo da Bandinha da Melhor Idade (Teutônia) e dupla Max e Lucas (Forquetinha).
Tradicionalmente, o programa inicia com o credo apostólico e finaliza com o Pai Nosso rezados em sapato de pau. Todas as propagandas, recados de ouvintes e editais também são divulgados no dialeto alemão. “Minha mulher (Vera) escreve em português e eu traduzo tudo na hora de cabeça. As pessoas se impressionam”, comenta.
Além da transmissão pelas ondas do rádio, o programa também passa na web. Por lá, Ahlert conquistou uma legião de ouvintes fieis por todo o Brasil. O comunicador cita nome de pessoas que o acompanham em estados como Pará, Mato Grosso, Santa Catarina e São Paulo.
Agradar o público é a principal missão quando apresenta o programa, reforça Ahlert. “As pessoas que ligam, que participam e dão um elogio dão forças para que o programa continue. É o enfeite necessário para abrilhantar a programação”, reforça.
Sucesso na copa
Em 2014, o comunicador de Westfália ganhou projeção nacional ao estrelar um dos comerciais da campanha “Brasileiros do Coração”, lançada pelo Banco Itaú em função da Copa do Mundo no Brasil.
Conforme Ahlert, 13 emissoras brasileiras e da Alemanha vieram para Westfália conhecer a singela estrutura da rádio, instalada na casa da família. “Foi um orgulho para nós levar o nome do município para o mundo”, comemora.
Além de Ahlert, a rádio comunitária é tocada pelos filhos Evandro e Leandro e conta com produção de programas por profissionais terceirizados.