Profissionais da linha de frente à beira do colapso
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Covid-19

Profissionais da linha de frente à beira do colapso

Além do agravamento da pandemia, com aumento de internações e óbitos, outra situação preocupa: o esgotamento físico e mental daqueles que estão na linha de frente. A Hora traz relatos de três profissionais do Vale que vivenciam diariamente o trabalho nos hospitais desde o surgimento dos primeiros casos

Profissionais da linha de frente à beira do colapso
UTIs do Vale haviam enfrentado dois períodos turbulentos, em julho e novembro. Ambos, porém, não chegam perto da situação crítica atual. Créditos: Divulgação
Vale do Taquari

O sistema de saúde vive uma situação jamais enfrentada desde o começo da pandemia. Em meio às superlotações das UTIs, às filas de pessoas infectadas à espera de atendimento e ao número crescente de óbitos, há também a exaustão, o cansaço dos profissionais que atuam na linha de frente.

No momento mais crítico da pandemia, eles continuam lá, se dedicando para salvar vidas. Trabalhando além da sua capacidade, ficando horas, às vezes até dias a mais no hospital. Porém, estes profissionais também têm limites, que ficam cada vez mais evidentes.

“O grande problema não é só o cansaço físico, e sim o psicológico. As equipes estão completamente esgotadas em ter que trabalhar e, em muitas vezes, não obter êxito em salvar vidas. Isso nos desgasta muito”. A frase é do médico Gabriel Klecius Reis Araújo, 33, coordenador do Pronto Atendimento e do Pronto Socorro do Hospital Estrela.

Araújo é um dos milhares de profissionais do Vale que estão na linha de frente desde março do ano passado. E percebe que, a cada dia, a situação se agrava mais. Lembra que os trabalhadores já estavam no limite, sobretudo porque, com a ampliação dos leitos de UTIs, a maioria dos hospitais não contavam com quantidade suficiente de pessoal.

“Quando pensamos que vai melhorar, chegam novos pacientes e quase todos em estado grave. Não esperávamos chegar nesse momento. Em todas as frentes, virou um caos. E não temos mais uma direção de quem vai melhorar ou piorar. Antes se tinha um perfil de pacientes. Hoje chega um senhor de 70 anos, com comorbidades, e depois um jovem de 30 anos, que nunca tomou um remédio na vida”, relata.

Cenário assustador

Desde o começo da pandemia, o Vale havia enfrentado, até então, dois períodos turbulentos, em julho e novembro do ano passado. Ambos, porém, não chegam nem perto da situação crítica do momento.

“É assustador estarmos fechando um ano de pandemia e seguirmos com essa sensação de insegurança generalizada. AS UTIs estão lotadas e nossos colegas fragilizados psicologicamente. Não sabemos mais como agir, mas continuamos trabalhando”, comenta o enfermeiro e presidente do Sindicato dos Empregados em Saúde do Vale do Taquari (Sindisaúde), Carlos Luis Gewehr.

O profissional lamenta declarações de pessoas onde pedem “um empenho a mais” dos trabalhadores, não reconhecendo que eles já estão no limite. “Ouvimos que a profissão tem que parar de ‘mimimi’. Isso nos frustra. Nos deixa em uma sensação de impotência”, lamenta.

“Demissões em massa”

Embora no Vale esta situação não esteja ocorrendo, Gewehr chama a atenção para o drama que outras regiões vivem, com os pedidos de demissão em massa dos profissionais da linha de frente da covid-19. “Essa é a preocupação que ouvi de colegas de Uruguaiana, Cruz Alta, Ijuí. Aqui estamos aguentando, mas a pressão é muito grande”, comenta.

Em toda a região, são cerca de 4,8 mil profissionais que atuam na linha de frente. Além dos enfermeiros e técnicos em enfermagem, há uma série de outros trabalhadores que estão na lista, como recepcionistas, serviços gerais e porteiros. “Aquela pessoa que te dá o primeiro oi, o primeiro atendimento, também está arriscando a vida dela”.

“Tenho que cumprir minha missão aqui”

No começo da pandemia, a enfermeira Jéssica Gomes da Silva chegou a trabalhar em três empregos. Porém, com o passar do tempo, deixou de atuar em Montenegro e focou somente no Hospital São José, em Taquari, onde ajudou a montar uma equipe volante. Mesmo assim, chegou a pensar em abandonar a profissão devido à enorme pressão e carga de trabalho em meio à pandemia.

“Pensei em desistir, largar tudo de mão, pois colocamos nossas famílias em risco. Acordei chorando várias vezes, com aquela carga nas costas. Mas é minha profissão. Foi o que escolhi, então tenho que cumprir minha missão aqui”, relata.

Apesar do momento atual ser crítico, Jéssica não enxerga uma melhora a curto prazo. “Enquanto toda a população não ser vacinada, a gente prevê uma grande disseminação. Acredito que isso é só o início e os números infelizmente tendem a crescer, pois estamos bem atrasados na vacinação”, lamenta.

Valorização

Em meio à crise sanitária, os profissionais de saúde, sobretudo os da área da enfermagem, também buscam a valorização. Gewehr lembra que o problema não é recente, e vem de antes da pandemia. “A desvalorização da enfermagem é algo que se arrasta há uma década. Ninguém está usando a pandemia para exigir aumentos absurdos. Queremos, sim, a valorização do profissional”, afirma.

Jéssica lembra que, por conta da desvalorização, muitos profissionais se desdobram em dois ou até mais empregos na área para obter uma renda maior. “Têm faltado profissionais em muitos hospitais, pois a demanda de atendimento é muito grande. E as pessoas acabam ficando em dois, três empregos, já que o salário as vezes é baixo comparado com a demanda e responsabilidade que temos”, pontua.

Negação de sintomas

Conforme o psiquiatra Bruno Borba, há estudos publicados em revistas científicas com estimativas de que até 50% dos profissionais da saúde terão algum adoecimento mental devido à pandemia. Segundo ele, muitos profissionais acabam “não olhando” para o seu adoecimento, fazendo com que o problema se agrave.

“É importante que os profissionais identifiquem o esgotamento. Muitas vezes eles estão vivendo toda aquela adrenalina e não sentem isso. E há também uma negação dos sintomas, do adoecimento. Por isso é importante procurar ajuda”, comenta.

Borba cita que, em Lajeado, a equipe de psiquiatria do Hospital Bruno Born criou grupos terapêuticos para auxiliar os profissionais. “E outra coisa de extrema importância é manter o contato familiar, o contato social, mesmo que virtualmente. Falar três vezes por semana com uma pessoa que tu gosta ajuda e muito a aliviar os sintomas”, observa.

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