À medida que o tempo passa e o novo coronavírus se torna comum entre nós, a compreensão e a estratégia de unidade deveriam nos guiar. Mas nada disso ocorre. A cada dia são lançadas mais dúvidas sobre o comportamento social, os mecanismos de defesa e seu enredo de desafios que a pandemia impõe.
Deveríamos cotejar e consorciar opiniões, construir entendimentos, alinhar estratégias sensatas de enfrentamento e reconhecer as descobertas ou evoluções alheias.
Pelo contrário, as opiniões se dividem, preferencialmente, a insanidade e ignorância crescem sem precedentes, potencializadas pela vaidade médica e política, sem falar dos interesses econômicos escusos que sequer imaginamos.
Ao longo da história, nunca foi fácil harmonizar egos e interesses, mas o atual momento se revela o pior dos mundos conhecidos, ao menos, por nossas gerações. Diferente de outrora, durante guerras, o povo buscava se unir, se abrigar no aconchego do outro, e assim potencializar a esperança.
Hoje, a ordem é “furar o olho do outro”, não reconhecer e nem tentar compreender. Simplesmente, impera o egoismo torpe, com dois lados, cada um tentando provar a sua “verdade” e, sem dosagem, “metralhar” o pensamento oposto.
Realmente, chegamos no pior dos mundos: o da discórdia burra, onde condenamos quem pensa diferente dentro da própria “trincheira” e deixamos o inimigo atacar livremente, desde que “minha vaidade” ou crença sejam “vitoriosas”.
Triste, para não dizer outra coisa.
Cresci e ouvi dizer que o contraditório nos deixa mais sábio. Eram palavras simples, da roça, onde vivia com meus familiares e vizinhos. Quando um descobria algo que o outro desconhecia, a multiplicação era comemorada e disseminada. Meu avô costumava dizer – em alemão – que o “sabe tudo é chato, não escuta e, por isso, corre o risco de acabar sozinho, rejeitado, até desacreditado”.
Talvez tenhamos nos tornado um pouco “sabe tudo” demais. As redes sociais viraram verdadeiros “ringues” de “tudólogos”, vociferando contra profissionais de todas as áreas. Os “especialistas em tudologia” estão encrustados nas redes e ocupam o tempo de parcela assustadora da sociedade, especialmente, no Brasil.
São tudólogos de todos os lados, uns contra a vacina, outros contra qualquer tentativa de atendimento precoce, isolamento social e por aí vai… Cada um parece ser “especialista” em algum achismo ou aparente verdade. Basta meia dúzia de vídeos falsos para enfiar a cabeça dentro da terra igual avestruz.
Vivemos a guerra da covid, e ao mesmo tempo, a guerra da desinformação e discórdia. Esta tem capacidade potencializadora pior que pólvora, pois quanto mais explode, mais se multiplica. É o próprio “vírus” sem fronteiras.
Eu sei que a luta é árdua. Utilizar esta coluna me permite alcançar um bom número de leitores e, talvez, muitos já conscientes desta infeliz realidade. Mas é preciso multiplicar, escalar o contraponto aos “imbecis” que se erguem igual grama em potreiro, relembrando uma palavra expressa por Umberto Eco, um pouco antes de morrer.
Penso em como explicarei aos netos o comportamento contemporâneo. Quando lembro das frases do meu avô, imagino como ele e seus antepassados classificariam esta fúria atordoada, insegura e desinformada que tomou conta da nossa sociedade.
E assim encerro esta coluna, como uma gota d’água no oceano. Que a sensatez e a empatia possam ganhar espaço na cabeça e no coração de juízes, médicos, políticos e de todos nós brasileiros.