Volta às aulas no auge da pandemia divide opiniões

Ficar em casa ou ir à escola?

Volta às aulas no auge da pandemia divide opiniões

Enquanto municípios adotam medidas diferentes com relação à reabertura das escolas, especialistas temem prejuízos cognitivos e emocionais para as crianças devido ao longo período de distanciamento

Volta às aulas no auge da pandemia divide opiniões
Estudo comparou Brasil e Portugal no que se refere ao atendimento em educação. Conforme o resultado, houve atraso maior para alunos brasileiros (Foto: Filipe Faleiro)
Vale do Taquari

Decidir se os filhos poderão frequentar os colégios é uma das principais dúvidas dos pais neste momento em que a região vive uma escalada nos casos ativos de coronavírus. “A gente não sabe se, daqui a pouco, esse retorno pode trazer o vírus para dentro da nossa casa”, diz Valéria Braga dos Santos, 37.

Moradora do bairro Olarias, ela é mãe de quatro filhos. São dois meninos e duas meninas. A mais nova, Lívia, tem 12 anos. Além disso, cria o neto, de 2 anos. “Minha filha mais velha não tinha condições de manter o trabalho e cuidar dele. Então, nesta pandemia, decidimos que ele ficaria comigo.”

Ainda que tenha dúvidas sobre a reabertura das escolas, frisa a importância das atividades presenciais para os filhos. “Não é a mesma coisa aprender de casa. É importante ter o convívio na escola.”

A filha, Lívia, reforça as palavras da mãe: “ano passado eu passei, mas sinto que aprendi pouco.” Ela estava preparada para o recomeço das aulas no Ensino Fundamental já nesta semana. “Com a bandeira preta mudou tudo. Agora não sabemos quando teremos aula de novo.”

Já na casa de Erisson Severo e de Priscila de Castro, há um entendimento de que na escola é possível ter cuidado e reduzir riscos de contágio. Pais de Isabela, que faz 5 anos no fim do mês, se preparam para as primeiras aulas dela nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

A gente não sabe se, daqui a pouco, esse retorno pode trazer o vírus para dentro da nossa casa – Valéria Braga dos Santos, mãe de criança de 12 anos

Por mais que a gente tente ensinar algo em casa, o papel do professor é fundamental. É na escola que a criança aprende. – Priscila de Castro, mãe de criança de 4 anos

Matriculada na rede municipal de Lajeado, estimam que a principal dificuldade será com o levar e buscar a filha no colégio. “Eu trabalho em Estrela e o meu marido usa a motocicleta. Eu terei de deixar ela às 13h15min na escola e voltar até as 17h30min para buscá-la. Será bem corrido”, conta Priscila.

Como serão no máximo oito aulas por mês, eles terão de deixar a filha com a avó materna. “Isso facilita, pois não precisaremos contratar alguma cuidadora.” Para Priscila, o convívio na escola é fundamental no desenvolvimento das crianças. “Por mais que a gente tente ensinar algo em casa, o papel do professor é fundamental. É na escola que a criança aprende. Não só as disciplinas, mas sobre como se portar, a cumprir horários. Saber que tem momento de brincar e momento de aprender.”

De acordo com Erisson e Priscila, o início da pandemia foi o momento de mais preocupação. “Não sabíamos como seria, como era o contágio e os riscos. Aquele período foi de muita apreensão. Agora, que já se tem mais informações, conseguimos controlar as preocupações.”

A família está em fase final de isolamento. Erisson foi diagnosticado com covid vão fazer 15 dias. Assintomáticos, contam que muito do medo anterior diminui após o diagnóstico. “Vamos esperar mais uns dias, cumprir a quarentena, e depois tudo voltará ao normal. Inclusive com a Isa voltando à escola.”, diz Priscila.

Nesta semana, o governador Eduardo Leite alterou o decreto quanto ao funcionamento das escolas em regiões com bandeira vermelha. Para o Vale do Taquari, há autorização de funcionamento das escolas de Educação Infantil e para os primeiros anos do Fundamental.

Das seis maiores cidades da região, apenas Lajeado confirmou o retorno dos anos de alfabetização para esta semana. As demais, Estrela, Arroio do Meio, Teutônia, Taquari e Encantado, aguardam a nova rodagem das bandeiras do distanciamento social para elaborar a estratégia de atendimento.

Pesquisa aponta perdas para os alunos

O Centro de Pesquisas e Análises Heráclito fez uma comparação entre Brasil e Portugal no que se refere ao atendimento em educação. Conforme o resultado do diagnóstico, houve um atraso maior para alunos brasileiros.

O doutor em neurociências e psicologia, Fabiano de Abreu Rodrigues, liderou o estudo. “Foi constatado que em Portugal, as aulas EaD (Educação à Distância), contemplam tarefas e trabalhos de casa, testes e provas, individuais e coletivas, orais e escritas.”

De acordo com ele, se comprovou que havia fiscalização dos professores nos testes individuais, para evitar que alunos buscassem consultas em livros, cadernos ou páginas de internet enquanto estavam na avaliação.

No que diz respeito ao Brasil, o cientista observa que na rede pública não houve a aplicação de provas, apenas com entrega de trabalhos e sem fiscalização de como foi feito esse conteúdo.

Para ele, este período de pandemia vai ter consequências na vida dos alunos, bem como no seu desenvolvimento afetivo, emocional e cognitivo. “Esta pandemia atrasou um ano a assimilação dos conteúdos. Isto irá prejudicar toda uma vida escolar, principalmente em crianças que iniciaram a alfabetização.”

Apesar da bandeira preta, aulas presenciais estão liberadas na Educação Infantil e 1º e 2º anos do Ensino Fundamental (Foto: Filipe Faleiro)

Escolas não são foco de transmissão, diz associação

A Associação de Escolas Privadas de Educação Infantil do RS (Aepei) fez uma pesquisa com mais de 8 mil famílias. De acordo com a entidade, 97% dos entrevistados afirmaram que precisam das aulas presenciais todos os dias para poderem trabalhar.
Por meio de nota, a entidade mostra-se preocupada com novos fechamentos, em especial para crianças da Educação Infantil e da alfabetização.

Para a associação, nos 140 dias após o retorno às aulas presenciais no ano passado, foi possível comprovar que as salas de aula não são o foco de transmissão. A Aepei destaque que menos de 1% das crianças que frequentaram as escolas infantis da capital se infectaram. “Foram sete meses de confinamento e agora que puderam ser acolhidas com carinho não só por seus professores, mas também por seus pares, não seria justo interromper todo este processo novamente. O ideal é seguir o modelo europeu, que mesmo em lockdown evitaram fechar as escolas”, diz nota da associação.

“Os prejuízos às crianças ainda são desconhecidos”

Com experiência no atendimento de alunos e também na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), Patrícia Trevisol considera que falta um olhar mais atento aos malefícios deste distanciamento para as crianças. Na opinião dela, há riscos de prejuízos emocionais, psicológicos e cognitivos causados pela falta de convívio social.

Como esse momento de incerteza, com aumento brusco nas contaminações e ocupação hospitalar interfere sobre as famílias e as crianças?
Essa análise é muito ampla. Cada família responde de um jeito. Algumas controlam a insegurança, a ansiedade. E outras não conseguem. Penso que seja muito importante tentar blindar a criança. Ela não precisa ter as mesmas informações que os adultos.

Neste momento é importante passar mais certezas. Apesar de tudo, é preciso fazer com que elas se sintam seguras. Controlar o medo e não canalizar esse sentimento às crianças é fundamental.

Sobre a volta às aulas, o que pode ajudar na decisão das famílias?
Essa é uma questão muito importante. Se formos ver a experiência do ano passado. De crianças afastadas das escolas, com os pais se dividindo no cuidado e no trabalho. Não há mais como suportar essa carga por muito mais tempo.

Temos que entender que o tempo passa diferente para as crianças. Ficar um ano longe do convívio faz com que eles tenham cada vez mais dificuldade em se integrar. Por mais que a família tente estimular, é uma fase da vida que não volta mais. É na escola que essa criança desenvolve habilidades sociais.

Claro que cada família precisa ter autonomia para decidir. Mas é um risco privar as crianças dessa vivência com os colegas, com amigos e professores.

Com base nesse risco, quais os impactos dessa falta de convívio no desenvolvimento dos alunos?
Os prejuízos às crianças ainda são desconhecidos. Alguns vão aparecer no longo prazo. Outros já começam a ser percebidos. Algumas já perderam a noção de como se portar perante aos outros. Demonstram sinais de ansiedade, de dificuldade em se concentrar.

Hoje o computador substituiu muito do contato, das experiências deles. As telas viraram o local de estudo, de lazer e de convívio. Isso não é bom, pois há diversos estudos que demonstram que quanto mais cedo essa exposição, mais problemas de saúde podem ser desencadeados. Se continuar esse afastamento por muito mais tempo, vamos colher prejuízos graves no futuro dessas crianças.

 

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