O lugar era conhecido como a “Casa Assombrada” e abrigava um restaurante antes dos anos 80. O nome se dava às lendas de fantasmas que habitavam a residência e que são contadas ainda hoje no município. Tempos depois, o local passou a ser chamado de “Casa do Morro” e era o ponto de encontro da comunidade, principalmente aos fins de semana.
“Tinha muito movimento. Abríamos às 8h e fechávamos meia noite. Alguns dias trabalhávamos até 2h ou 3h da manhã”, conta Ademir Alberto Schneider, proprietário do estabelecimento Ponto de Vista, em Cruzeiro do Sul. Ele morou no casarão durante nove anos e, ao lado da esposa e dos cunhados, trabalhou no restaurante da Casa do Morro entre os anos de 1982 e 1991.
Ademir conta que o estabelecimento já existia quando se mudaram e a casa era dividida. De um lado os quartos e do outro o espaço do restaurante. Como a propriedade já era patrimônio do município, ela ficava quase sempre aberta e era ponto frequente de visitação.
“A casa é o brasão do município. Quando se fala de Cruzeiro, se fala da casa e dessa vista”, afirma. Em 1991 a família de Ademir se mudou e o casarão passou a ter novas funções para o município, até o início dos anos 2000, quando foi fechada. A comunidade quer que o lugar volte a ser habitado, já que faz parte da história de Cruzeiro há muitos anos.
Casa de pedra e cal
No artigo “A Casa do Morro: um lugar de memória em Cruzeiro do Sul/RS”, das historiadoras Márcia Solange Volkmer e Júlia Leite Gregory, a história da casa é contada a partir da família Azambuja que adquiriu a Fazenda São Gabriel em 1835.
Em 1872, o Tenente Coronel Primórdio Centeno Xavier de Azambuja voltou da Guerra do Paraguai e construiu uma casa ao lado da propriedade da família, mas o local foi inundado um ano depois.
Então mandou construir uma casa de pedra e cal coberta com telhas de barro e arquitetura típica do período imperial, que ficou conhecida como a Casa Branca dos Arcos do Morro, hoje chamada de Casa do Morro. A construção se estendeu de 1873 a 1878.
Com a morte do militar, em 1898, a casa foi alugada e vendida em leilão. Muitas famílias viveram no local até 1963, quando o casarão tornou-se patrimônio do município. Além de servir de moradia, o prédio já abrigou restaurantes, museu, biblioteca e a Secretaria de Educação e Cultura.
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Patrimônio histórico
Júlia também apresentou a pesquisa “O processo de patrimonialização dos monumentos históricos: a Casa do Morro de Cruzeiro do Sul/RS”, em 2016. Ela conta que o lugar ganhou relevância por ter sido moradia da família Azambuja, considerada a fundadora do município. No final da década de 1960, o monumento foi escolhido como símbolo da cidade, sendo inserido no Brasão e Bandeira.
“Podemos considerar que a Casa do Morro se tornou um patrimônio histórico a partir da desapropriação por utilidade pública e também da sua transformação em símbolo histórico”, explica Júlia.
Inúmeras promessas de reocupação do espaço foram feitas, mas a casa encontra-se em abandono há cerca de duas décadas. Até o ano passado o espaço externo da propriedade ainda podia ser visitado, mas devido a uma invasão durante a pandemia, os portões foram fechados.
Segundo o prefeito João Dullius, a reocupação da Casa do Morro é um dos projetos prioritários de seu governo. Para ele, trata-se de um símbolo que não pode ficar abandonado. Para isso, pretende criar uma mobilização municipal, buscar apoio da Amturvales e propor parcerias público privadas para despertar também a exploração econômica e turística do espaço. “A gente tem essa riqueza natural e não podemos permitir que continue inexplorada. Este é um compromisso que assumi na campanha”, destaca.
Estudo propõe ocupação do casarão
Em 2019, a arquiteta e urbanista Marcela Marmitt Rodrigues pesquisou a possibilidade de criar um espaço cultural na Casa do Morro, a fim de torná-lo visitado e devolver a importância do local ao município. O projeto propõe a ocupação da casa com um café e livraria, com livros da Biblioteca Municipal.
Ao lado, a ideia era construir um prédio novo com restaurante, uma sala de dança e música, que são oficinas oferecidas pelo município, além de um auditório para apresentações, palestras e reuniões.
Na parte externa, o projeto propõe uma praça pública e mesas e cadeiras com vista para o Rio Taquari, que é um dos atrativos do local. Com isso, a ideia é devolver a vida ao lugar, além de ser potencial turístico para o município.
O espaço seria locado pela prefeitura, com a manutenção da estrutura atual. Marcela conta que ao longo dos anos o município começou algumas reformas que modificaram a parte interna da casa, mas a fachada permanece a mesma. O município tinha planos de fazer ali a câmara de vereadores. Mas a arquiteta teve outra ideia.
“Queríamos fazer algo que pudesse ser utilizado por todos e que criasse essa memória também com os mais jovens”, conta Marcela. Ela acredita que o café traria movimento para a casa.
“Jovens de 17 e 18 anos só conhecem a história contada na escola, sabem de quem era a casa mas não têm esse vínculo, seria legal ter um lugar para todos”, sugere a arquiteta.
Curiosidades da Casa do Morro
• Uma das lendas que circulavam sobre o casarão era a suposta presença de ouro no porão da edificação. Para afastar os vândalos, espalhou-se boatos de que ali havia fantasmas e lobisomens.
• No topo da fachada principal havia uma fileira de estátuas correspondendo ao número de colunas da casa. Segundo testemunhas, algumas delas foram atingidas e destruídas por um raio durante uma tempestade.
• O monumento histórico se encontra no centro do Brasão de Armas do município e está tombado em nível municipal desde 2006. Isso representa a garantia de que o prédio histórico não pode ser destruído ou descaracterizado.
• Em 2017, um grupo de voluntários da Escola João de Deus realizou um mutirão de limpeza na Casa do Morro e também foi criado o grupo Grupo Amigos da Casa do Morro, que realizou diversas atividades para angariar fundos e manter a propriedade. Com falta de apoio, o grupo não deu continuidade às ações.
• Em 2019 o espaço foi utilizado para o lançamento do evento ‘ExpoCruzeiro e Festa do do Aipim’, e o Executivo falava em um estudo para remodelar a antiga casa.
• De acordo com o poder público, pretendia-se implantar lá um centro cultural multiuso, com espaços para artesãos e oficinas de segmentos artísticos diversificados como música, dança, teatro, cinema, fotografia, pintura e outros.
• O escritor gaúcho Antônio Augusto Fagundes registrou as histórias sobre a casa asombrada em seu livro, intitulado Mitos e Lendas do Rio Grande do Sul, com o nome a “Lenda da Casa Branca”. A lenda também diz que a casa servia de fortaleza durante a guerra.