Há poucas informações oficiais sobre a época em que o Morro Gaúcho era explorado para a retirada de basalto. As memórias ficam na lembrança de pessoas como Ireno Weizenmann, 54. Entre 1993 a 1996, ele trabalhou no topo do morro quebrando as rochas – provavelmente um dos últimos profissionais a exercer essa função antes do fechamento do britador.
O trabalho era árduo, recorda Ireno. O basalto era dinamitado e espalhado com uma retroescavadeira até um espaço conhecido como cancha. Lá, Ireno tinha a função de rachar ainda mais as gigantescas rochas até elas caberem no britador.
“Trabalhava o dia inteiro com um martelo de nove quilos. Detonei minha coluna nessa época”, comenta.
Ireno morava no topo do morro e se tornou responsável por cuidar do britador à noite. Embora nunca tenha registrado nenhum tipo de avaria nas máquinas, outras situações estranhas lhe preocupavam, como o desmanche de veículos e outros delitos que aconteciam com frequência no período em que pernoitava solitário no Morro Gaúcho.
Numa das situações, o ex-morador relembra que o veículo foi incendiado e jogado do alto da pedreira. “Via as pessoas subindo, mas não me metia muito. Minha preocupação era apenas com o britador”, relata.
Mesmo com as situações adversas, Ireno lembra com saudade das folgas quando podia apreciar o mirante natural no topo do Morro Gaúcho. “Um dos lugares mais bonitos que já vi”, classifica.
Atualmente, a casa onde Ireno morava se resume às paredes pichadas com corações. Bem próximo está a ruina do britador escondidas pela vegetação. O buraco onde eram dinamitadas as pedras se transformou em um pequeno poço natural.
O fim da pedreira
Localizado a 559 metros do nível do mar, o Morro Gaúcho proporciona uma visão de cidades como Arroio do Meio, Lajeado, Colinas e Roca Sales. No livro, “Arroio do Meio: entre rios e povos”, os autores explicam que o nome “Gaúcho” foi dado por tropeiros que tinham no morro um ponto de referência e de descanso.
A redação buscou na Prefeitura e Museu Público Municipal registros sobre a história da pedreira, sem sucesso. Contam os moradores lindeiros do morro que a retirada de material iniciou por volta da década de 60 para a construção da rodovia estadual (ERS-130 e ERS-129) e BR-386.
Após, o local também foi explorado para produção de paralelepípedos utilizados em ruas de Arroio do Meio e outras cidades do Vale do Taquari e Rio Pardo.
Quando Ireno trabalhava no topo do morro, a brita servia para o governo municipal manter as estradas. Prefeito da época, Paulo Backes relata que a exploração do basalto foi encerrada por questões jurídicas e ambientais.
“A visão sobre o Morro Gaúcho se alterou e começou a se perceber a necessidade de preservar essa beleza natural e utilizá-la de outras formas. Vejo que foi bom o britador ter sido tirado de lá”, comenta o ex-prefeito e atual vereador de Arroio do Meio.
Embora a exploração de basalto acabou faz mais de 20 anos, pouco se evoluiu sobre o aproveitamento das belezas naturais na maior elevação do Vale do Taquari.
Discussão sem fim
Em 2010, iniciou-se uma série de reuniões para debater projeto a médio e longo prazo ao Morro Gaúcho. O movimento foi impulsionado por ambientalistas da ONG Ecobé que, desde o começo dos anos 2000, sonhavam em transformar o topo do morro em Unidade de Conservação (UC).
Entretanto, havia outras correntes que defendiam iniciativas diferentes para a antiga pedreira. Reportagem do jornal O Alto Taquari de março de 2011 citava o interesse do The Horse em instalar infraestrutura no topo do morro e transformá-lo em um ponto turístico. Uma associação criada por moradores também defendia um projeto turístico sustentável.
Os encontros seguiram ocorrendo, mas sem consenso entre as partes. Atualmente, o Morro Gaúcho sedia iniciativas isoladas na área do esporte de aventura. Também é bastante frequentado nos fins de semana por turistas que se encantam com a visão panorâmica no alto dos 559 metros.
Cartão de visitas de Arroio do Meio, a antiga pedreira pertence à empresa Conpasul. O município possui uma área de terras próxima que sequer tem acesso por estradas, conta o coordenador da Indústria e Comércio, Jonas Schwarzer.
Conforme ele, o fato da área mais visitada do Morro Gaúcho ser propriedade de uma empresa dificulta investimentos públicos e a criação de um projeto turístico. “Até há interesse em transformar esse local, mas cabe à empresa decidir o que será feito lá”, reforça.
A reportagem entrou em contato com representantes da Conpasul, mas não obteve retorno das perguntas até o fechamento desta edição.
Voo livre
O Morro Gaúcho tem duas rampas de voo livre nas proximidades da antiga pedreira. Há relatos de que a prática esportiva foi incentivada pelo então prefeito Arnesto Dalpian no fim dos anos 80. Até etapas do Campeonato Gaúcho de Voo Livre ocorreram no município na década de 90.
Duas rampas estão localizadas no Morro Gaúcho. A primeira delas é natural e está na direção norte (voltada para Encantado). Desativada atualmente, a rampa sul tem estrutura de madeira e está virada para Arroio do Meio.
Incentivador do esporte radical no Vale, Ricardo Majolo relata que a rampa norte é utilizada com certa frequência para saltos de parapente. Entretanto, o local poderia ser mais aproveitado caso houvesse investimentos.
“O Morro Gaúcho poderia ter etapas do campeonato estadual e muito mais praticantes se a rampa sul fosse ativada e houvesse manutenção constante. Assim, os pilotos vão para outras rampas da região”, percebe.
Trilhas e caminhadas
Desde 2016, o Brutus do Gaúcho (associação de corredores com cerca de 50 metros) adotou o morro de Arroio do Meio como centro de treinos. São mais de 100 quilômetros de trilhas pela maior elevação do Vale e em outros morros próximos como o São José.
A localização próxima e dificuldades naturais do Morro Gaúcho são vantagens, aponta um dos integrantes do Brutus, Guilherme Pretto. “A pessoa que pratica essa atividade gosta de sofrer, de se desafiar. E o morro proporciona isso”, comenta.
Até etapas de corridas estaduais são realizadas no Morro Gaúcho atraindo atletas amadores de outros países. O Brutus do Gaúcho também organiza uma caminhada para casais no Dia dos Namorados, evento que atraiu cerca de 200 visitantes em 2019.
Pretto também percebe a possibilidade do Morro Gaúcho ser mais explorado para atividades em meio à natureza que garantam, inclusive, a preservação do local. “Sou um apreciador do Morro Gaúcho. É um local de beleza natural única”
Um dos participantes do Brutus planeja a construção de uma espécie de refúgio para atletas amadores, iniciativa que deve deixar o Morro Gaúcho em ainda mais evidência no cenário das trilhas e corridas de aventura.
Rapel
Práticas como escalada são realizadas faz décadas no morro. Atualmente, o que acaba atraindo um público maior de aventureiros é o rapel – técnica de descida vertical com o uso de cordas.
A Off Aventura realiza rapel na antiga área da pedreira desde 2012. Conforme Brian Dias, foram mais de 200 atividades no local ao longo dos últimos oito anos. “Tinha épocas que íamos quase que semanalmente lá”, ressalta.
O rapel é praticado em dois pontos do Morro Gaúcho. Um deles é o paredão localizado na área central. A decida reta e com visão do chão é ideal para iniciantes no esporte radical, comenta Dias.
Outro ponto está localizado na área sul. Nesse local há vegetação e pontos negativos (quando o praticante fica pendurado na corda), o que dificulta um pouco mais a decida e exige mais prática do aventureiro.
Na avaliação de Dias, o Morro Gaúcho tem um “gigantesco potencial” ainda a ser explorado. Ele ressalta que o ponto turístico tem capacidade para unir uma série de esportes de aventura em um mesmo espaço.