Em tempos nebulosos, nunca é demais reafirmar convicções sustentadas em dados e números. Falo da imprensa. Ainda mais, numa era em que o sentimento tenta se impor e sobrepor à veracidade da notícia.
O jornalismo profissional precisa dizer a que veio, para quê serve e, inclusive, rediscutir seu papel e exaurir a sua autocrítica. A busca implacável para “faturar” em cima da desgraça de desafetos está tão escancarada que fica difícil não se solidarizar com os atingidos.
Sinto desconforto, tristeza e até vergonha por alguns colegas da mídia que se submetem à patrulha ideológica de grupos extremistas, sejam eles do lado que forem. Para mim, a imprensa tem papel de cotejar todos os lados, sem medo de expor a verdade, ainda que esta, muitas vezes, seja relativa às circunstâncias ou doa a amigos ou pessoas próximas.
O jornalismo autêntico não deve se submeter aos extremos de lado algum, nem de gêneros, credos ou outras preferências que levam a uma visão absolutista.
O jornalismo útil à sociedade é aquele que defende a pluralidade, a liberdade de pensamento, sobretudo, respeitando os espaços e opiniões diversos, pois onde começa o direito de um começa o de outro. É uma questão de responsabilidade e idoneidade. De caráter.
Voltando ao título desta coluna, aqui me prendo ao discernimento que devemos aguçar cada vez mais. Ainda que ler é saber, não podemos esquecer que “saber o que ler” é diferente.
Vamos aos números: nos últimos dez anos, os brasileiros oscilaram pouco, segundo dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Em média, o brasileiro lê cinco livros por ano, mas metade deles não até o fim. Houve queda, e pasmem, a maior queda de leitura se verifica em pessoas com ensino superior. Outro dado ruim é que 48% da população acima de cinco anos não lê nenhum livro no ano. São 93 milhões que não leem um livro, sequer.
A Bíblia é apontada como o tipo de livro mais lido pelos entrevistados e também como o mais marcante. Esta é a 5ª edição da pesquisa, que fez 8.076 entrevistas em 208 municípios entre outubro de 2019 e janeiro de 2020. A pesquisa foi feita antes da pandemia, não refletindo, portanto, os impactos da emergência sanitária na leitura no país.
Tempo nas redes
De acordo com a coordenadora da pesquisa, Zoara Failla, a internet e as redes sociais são razões para a queda no percentual de leitores, sobretudo entre as camadas mais ricas e com ensino superior.
“[Essas pessoas] estão usando o seu tempo livre, não para a leitura de literatura, para a leitura pelo prazer, mas estão usando o tempo livre nas redes sociais”, diz.
“A gente nota que a principal dificuldade apontada é tempo para leitura e o tempo que sobra está sendo usado nas redes sociais”, completa.
Na contramão da falta de leitura está a intenção dos brasileiros. O estudo mostra que 82% dos leitores gostariam de ter lido mais. Quase a metade (47%) diz que não o fez por falta de tempo. Em 2015, ao todo, 47% disseram usar a internet no tempo livre. Esse percentual aumentou para 66% em 2019. Já o uso do WhatsApp passou de 43% para 62%.
A pesquisa mostra outros motivos para a não leitura. 4% disseram não saber ler, outros 19% alegaram ler muito devagar; 13%, não ter concentração suficiente; e 9% não compreendem a maior parte do que leem.
De acordo com o estudo, o incentivo à leitura vem de outras pessoas. Os professores aparecem em primeiro lugar, apontados por 11%. Em segundo, a mãe ou um responsável do sexo feminino, apontado por 8%, e, em seguida, aparece o pai, apontado por 4%.
Neste cenário conflitante entre dedicar o tempo à leitura de qualidade ou gastar o tempo nas redes sociais, surge um brasileiro cada vez menos culto e mais generalista. É fácil encontrar “especialistas” ou “autoridades” em “tudologia”. Qualquer um se acha confortável para opinar sobre medicina, educação, jornalismo ou qualquer especialidade sem, no entanto, nunca ter estudado ou exercido qualquer uma das funções.
O reflexo desta lacuna no conhecimento estruturado, ou no simples discernimento (“flagrol”, no popular), não é a falta de leitura, mas o conteúdo lido.
Perco a conta das vezes que tenho vontade de deletar conhecidos, até amigos, pelo excesso de fake news que compartilham sem o mínimo de pudor nem responsabilidade. Basta “simpatizar” com o conteúdo – seja ele falso ou seletivo -, que uma teclada chega para multiplicar a desinformação.
Nossos olhos e ouvidos viraram penicos. O esgoto exala nas redes de WhatsApp e em todas as demais plataformas que surgem e se multiplicam a cada dia. O pior é a falta de regulamentação, ou a falta de uma fiscalização e responsabilização mais efetivas. Definitivamente, as redes sociais não são um lugar seguro, nem confiável.
Ainda que muitos vociferam contra esta opinião, a narrativa se ergue importante para estabelecer um equilíbrio mínimo entre a histeria e o bom senso.
Fato, ler é saber. Mas saber o que ler é diferente, e fundamental para o discernimento.
Portanto, nesta seara danosa da desinformação desenfreada no Brasil e no mundo, talvez seja apropriado fazer uma pausa e analisar o tipo de conteúdo consumido. Pergunte para si: escolho, conscientemente, ou vivo inundado em guetos criados pelos algoritmos de minhas buscas?
Cuidado: se o seu celular dá mais sugestões para você do que seu próprio cérebro, algo pode estar errado! Às vezes, sequer damo-nos conta que estamos reféns de comandos externos.
Decidir por mim, e não permitir que um aparelho (outros) faça por mim…
Bom fim de semana a todos!