Quando falamos em felicidade nos parece algo intangível. Muito desejado e sonhado, mas utópico.
É que partimos de um erro crasso: pensar que a felicidade que buscamos deve ser constante, eterna. E que uma vez alcançada, nada nos tirará dela. Um Nirvana, enfim.
Quando funcionário do Banco do Brasil, estranhava que os colegas, ao alcançarem a sonhada aposentadoria, meses antes já diziam que, quando aposentados é que voltariam a ser felizes. À medida em que avancei na carreira, galgando postos e funções executivas, paulatinamente fui entendendo aquele sonho de felicidade deles. Tudo desapareceria, como se fossem os únicos problemas com que se convivia: cobrança pelo atingimento de metas, gerenciamento da inadimplência, o feeling para minimizar o risco na concessão de crédito, o stress do dia-a-dia, etc.
Ao me aposentar, quedei a imaginar a felicidade que seria dali em diante. Ler jornal, passear, curtir família e amigos. Enfim, uma vida sem preocupações. Ledo engano. O mundo e seus problemas não me abandonaram.
Também a ti não abandonam.
E aquele presumível Nirvana terrestre, seria um engodo? Não.
Mas para tanto, pede termos a humildade e a sensibilidade necessárias à percepção de que a felicidade é feita de momentos. Momentos que, quando estão acontecendo, nos dão a impressão de serem eternos. Neles mergulhados, sentimo-nos entorpecidos, embevecidos. Felizes, enfim. E são muitos, por certo suplantando, largamente, os de dor e de sofrimento, ajudando-nos a superar estes, inerentes à nossa natureza humana e ao nosso livre arbítrio.
Janeiro último minha esposa e eu completamos cinquenta anos de casados. Lá em janeiro de 1971 olhávamos o futuro e pensávamos que esta data nunca chegaria. Mas chegou e bem: ambos saudáveis, motivados e ativos, tendo constituído uma linda família com casal de filhos, genro, nora e quatro netos fantásticos. Pela nossa maneira de ser e pelas circunstâncias do momento, festejamos a data em um recolhimento familiar inesquecível, com o grupinho que se formara decorrente da união acontecida há 50 anos. Não poderia ter sido mais justo e representativo. Foi sábado passado, à noite, na Rainha do Mar, ocasião em que o clã familiar desenvolveu momentos “de derreter a alma”, com ares de eternidade, inclusive com direito àquele choro sentido, mas sentido de felicidade. Sem dúvida ela existe.
Da mesma forma, com motivações das mais diversas, multiplicam-se entre a humanidade ocorrências de natureza idêntica: leves, regeneradores e felizes. Basta abrir a mente, o coração e a sensibilidade para, num toque de mágica, absorvê-los por completo.
E a fé? Onde se encaixa?
A fé como crença em algo maior, superior ao nível meramente humano. Como expressão espiritual que acredita numa divindade, no ser humano, na ciência, no bem. Uma fé como caleidoscópio que nos permite enxergar – e do enxergar irmos ao sentir e à emoção – os momentos de felicidade, que são incontáveis pela vida afora. A fé que nos ajuda a superar obstáculos, dissabores e humanos maus (igualmente incontáveis), não nos deixando ser engolidos pela desesperança.
Pois este mix – de percepção da felicidade e de amparo numa fé inabalável – é que nos habilita a superar os arautos do apocalipse que visam apenas benefícios próprios, em detrimento do bem-estar das pessoas e do seu sossego. Isto, mesmo tendo que se aproveitar de algo tão funesto quanto esta pandemia.
A percepção intensa dos momentos de felicidade, aliada a uma fé inabalável, nos darão a força e o discernimento necessários para separar os bons e os mal-intencionados, varrendo estes, de vez, para o eterno ostracismo que merecem.