Antes da fama, músicos consagrados no Vale passaram pelo Festival Regional da Música Popular do Alto Taquari (Frempat). Muito provável, a competição de talentos criada em Encantado foi a primeiro do gênero nas terras banhadas pelo Rio Taquari.
A ideia surgiu do professor Hary Souza Lopes e foi chancelada pelo Instituto Musical Mascarenhas (organizador oficial do evento). Na década de 70, o festival passou por Arroio do Meio, Estrela e Lajeado. Em 1980, deixou de ser apenas regional ao agregar seleção de músicos em cidades como Garibaldi e Caxias do Sul.
O festival que passou a contar no calendário turístico do RS tinha como objetivo “descobrir novos talentos na área artística, como também, proporcionar a integração social e desenvolvimento da cultura artística de nosso povo”.
No acervo da Casa da Cultura de Encantado, uma infinidade de matérias jornalísticas demonstram o sucesso dos eventos. Tanto o Correio do Povo (Porto Alegre), quanto o Informativo (Lajeado) e Opinião (Encantado) destacavam que o Frempat lotava os salões por onde passava.
A competição anual funcionava da seguinte forma: haviam pré-seleções nos municípios participantes. Os melhores se apresentavam em uma final itinerante que mudava de cidade em cada ano.
As canções eram avaliadas por um corpo de jurados formado por profissionais influentes no ramo musical. Havia escolha dos melhores em diversas categorias (cantor profissional, cantor amador, compositor, conjunto musical e melhor interprete). Os prêmios variavam desde viagens até instrumentos musicais e valores em dinheiro.
Dez edições do festival
A primeira edição do Frempat ocorreu em 1970. Eliminatórias foram realizadas em Estrela e Lajeado, com a grande final em Encantado, no então famoso Cinema Marabá. Conforme o Jornal Diário de Notícias, 27 músicas concorreram em duas categorias.
O vencedor na categoria Compositor foi Luiz Carlos Fontana, de Encantado. Já na categoria Cantor, o primeiro lugar ficou para Dirceu Gomes dos Santos, de Estrela. O prêmio era uma viagem para São Paulo custeada pela Pepsi Cola e pela antiga Cerveja Polar, de Estrela.
Conforme registros da Casa da Cultura de Encantado, foram realizadas 10 edições do Frempat. Há notícias jornalísticas que indicam que o festival se estendeu até 1980, enquanto outras publicações informam que a última edição ocorreu em 1987.
Quem foi Hary Souza Lopes?
Natural de Porto Alegre, Lopes nasceu em maio de 1935. Começou a estudar música aos sete anos e com 15 anos já era regente na Orquestra da Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Formado em Teoria Musical pelo Instituto de Belas Artes da URFGS, se mudou a Encantado para atuar como professor no então Instituto Brahms (que passou a se chamar Mascarenhas).
Lopes também foi professor da Escola Farrapos e fundou a Banda Municipal de Estudantes de Encantado e a Banda Maestro Ângelo Bergamaschi. Pela importância cultural, recebeu o título de cidadão honorário encantadense. O professor de música faleceu em 2002 na cidade de Imbé.
O que foi o Instituto Musical Mascarenhas?
A escola foi fundada em março de 1961 e inicialmente funcionava nas dependências da câmara de vereadores. Registrada pelo Ministério de Educação e Cultura, ensinava instrumentos musicais, canto, teoria e solfejo.
Segundo o pesquisador Gino Ferri no livro “Encantado sua história sua gente”, o instituto musical tinha cerca de 800 alunos e 15 professores em 1985. Além da sede em Encantado, possuía filiais em 18 municípios, inclusive na capital Porto Alegre.
Incentivo do último lugar
Um dos músicos que estreou no Frempat foi Wanderley Theves, o “Xumby”. Em 1974, ele tinha 13 anos e até falsificou a carteira de estudante para poder se apresentar na competição que permitia cantores acima de 14 anos.
Mesmo alertado por Hary Lopes, Xumby insistiu em se apresentar com uma canção própria na categoria mais disputada. “O Hary disse que vinha artistas até de Porto Alegre para cá e que ficaria em último”, relembra.
A estreia nos palcos ocorreu no dia 8 de novembro em um Cineclube Real lotado, em Arroio do Meio. Com a guitarra nas mãos e acompanhado pela banda Superfive, Xumby cantava a música autoral “O sol”, quando tomou um choque do microfone na boca.
O jovem cantor saiu e foi chorar nas cortinas do salão de Arroio do Meio. Instigado por colegas que gritavam o nome, apenas apareceu no palco novamente para dar um “alô”. “Fui desclassificado e realmente fiquei em último”, conclui Xumby.
Diferente do que se possa prever, a experiência negativa serviu como incentivo para Xumby continuar na música. Na escola, ao invés de gozações, Xumby foi enaltecido pela coragem de encarar o palco. “Valeu por mil apresentações. Foi uma satisfação ter ficado em último no Frempat”, afirma.
No decorrer dos anos, o morador de Arroio do Meio ficou conhecido por integrar vários projetos musicais como o Rock 70, Banda Instinto e Xumby e Banda. Também venceu o Festival Unisinos e tem faixas em coletâneas de Rock Gaúcho.
Pontapé inicial da fama
Muito antes da gravação de sucessos como “Só uma canção”, o Barbarella também passou pelo palco do Frempat. Um dos fundadores, o músico Ivo Spohr dava aulas no Instituto Mascarenhas e a banda arroio-meense era convocada para acompanhar os “calouros” que não tinham conjunto musical.
Em 1978, o Barbarella participou da competição com um cover da música “Nice and slow” de Jesse Green. A apresentação rendeu o primeiro lugar contra outras bandas regionais famosas na época como o “Caribe Show” e “Os Tropicais”. “O resultado saiu até na Zero Hora. Com certeza esse prêmio ajudou em nossas careiras”, ressalta Spohr.
Conforme Spohr, o Frempat oportunizar aos talentos uma vitrine. Lembra que muitos empresários e donos de banda aproveitavam a competição para contratar os músicos destaques. “Foram muitas pessoas que tiveram a primeira oportunidade ali”, ressalta. Spohr lamenta o fato de festivais regionais no estilo do Frempat não serem mais realizados.