Elsira Noll mora no bairro Conventos. Usa o transporte coletivo de segunda a sábado. Embarca às 8h30min na parada em frente da escola Vida Nova. Nesta sexta-feira, no mesmo ponto estavam mais duas pessoas. Dentro do ônibus havia outras três.
“O ônibus está sempre com assentos sobrando”, comenta. O motorista confirma: “no início da manhã temos mais passageiros. O pessoal que vai trabalhar. Em outros horários, no meio da manhã ou no meio da tarde, faço o transporte de duas ou três pessoas. É complicado.”
Esse é um dos principais desafios para a empresa responsável pelo serviço. Conseguir tornar o modelo sustentável, com um equilíbrio entre as despesas para manter as rotas com a receita das passagens.
A Expresso Azul completou nessa sexta-feira sete meses à frente do transporte coletivo de Lajeado. “Tem sido sofrido. A pandemia interferiu muito sobre a demanda”, conta o diretor da empresa, Pedro Guarnieri.
Pelos cálculos, a receita dos ônibus está em 43% do previsto. “A despesa segue integral. Fizemos financiamentos para compra da frota.” De acordo com Guarnieri, o período de maior movimento vai das 6h às 8h da manhã. À tarde, há mais procura após as 16h até as 19h.
“Se fosse pensar como empresa, manteríamos o transporte apenas nestes horários. Mas como se trata de um serviço público, temos que atender as pessoas, mesmo que tenhamos prejuízos em algumas rotas.”
Devido a pandemia, também há uma série de protocolos sanitários para serem atendidos. Os coletivos podem rodar com no máximo 60% da ocupação. Representa o máximo de 54 pessoas por ônibus.
De 34 ônibus, 18 em operação
Conforme Guarnieri, os melhores horários tem uma média entre 30 a 35 passageiros. Esse número, diz, seria o ideal para a sustentabilidade das rotas caso fosse uniforme.
Diante da baixa demanda de passageiros, o contrato possibilita a redução de algumas rotas e horários. “Mesmo assim, em percentual, temos mais viagens do que passageiros”, diz.
Segundo o diretor da Azul, dos 34 ônibus previstos para o serviço, 18 estão em operação. “Para reduzir os custos, poderíamos vender os veículos, demitir alguns da equipe. Mas como faremos com a volta às aulas?”, questiona Guarnieri.
Em seguida complementa: “temos de ter a estrutura para atender caso volte a crescer a demanda. Isso não se faz de uma hora para outra. Leva tempo preparar os motoristas, como também é preciso ter os coletivos para voltar a atender nas rotas suspensas.”
Transporte por aplicativo e clandestinos
Além da pandemia, outro problema para o sistema coletivo tem sido o uso dos aplicativos e o transporte clandestino. “Sabemos que tem motoristas que encostam na parada do ônibus, abrem a porta e chamam os passageiros”, adverte Guarnieri.
Sobre os aplicativos, o diretor da Azul destaca: “é um modelo que interfere sobre todo o transporte público. Esses serviços não têm as responsabilidades de uma empresa.” Para ele, é necessário ampliar o debate sobre a taxação dos aplicativos.
Equação complexa
O urbanista e professor Augusto Alves destaca a importância de um sistema de transporte coletivo eficiente e sustentável. “Torna a mobilidade da cidade mais racional, pois evita uma grande concentração de veículos individuais, tem-se menos engarrafamentos e também poluição.”
Lembra o debate que ocorre em Porto Alegre, onde o poder público subsidia o sistema para evitar uma alta sobre os preços das passagens. “Olhando para o que acontece na capital, é uma equação que não fecha. Parece não ter saída.”
Em Porto Alegre a revisão no preço do transporte indica um preço da passagem acima dos R$ 6. “É muito caro, pois quem mais depende do transporte são as pessoas com menor renda.”
Para Lajeado, Alves alerta: “não estamos muito diferentes. Se temos muitas rotas sem passageiros, logo chegaremos a um limite. Talvez, em um futuro breve, também seja necessário um subsídio público para manter o sistema. É uma equação bastante complexa.”
“Pensar a integração entre os diferentes tipos de transportes pode ajudar na sustentabilidade”
Carolina Becker, engenheira e professora da Univates
Os desafios para o sistema de transporte coletivo também passam por uma mudança cultural, acredita Carolina Becker. Para a engenheira e professora, é preciso criar um estímulo para o uso dos ônibus.
A Hora – O transporte público coletivo nas cidades do país enfrenta dificuldades. Como é possível tornar o sistema sustentável?
Carolina Becker – Penso que a mudança de comportamento no que se refere à maneira com que nos deslocamos é, antes de tudo, uma questão cultural.
Um sistema de transporte sustentável leva em consideração o planejamento de ações de curto, médio e longo prazo para as diversas possibilidades de deslocamento. Além do veículo individual e do sistema de transporte público, existem outras alternativas. Cabe a cada município ou região pesquisar sobre a viabilidade técnica, econômica e ambiental de cada uma, para planejar um sistema que seja eficiente e atenda às necessidades da população.
Neste sentido, pensar a integração entre os diferentes tipos de transportes pode ajudar na sustentabilidade. Por exemplo: projetar bicicletários junto a pontos de parada de ônibus, linhas cicloviárias que tenham conectividade e placas de sinalização para rotas de pedestres.
– Lajeado tem um dos maiores índices de motorização do estado. Perto de um veículo por habitante. Neste contexto, qual o impacto disso sobre a malha viária?
Carolina Becker – O nosso modelo de transporte pode ser caracterizado como um círculo vicioso, ou seja, os investimentos são feitos na tentativa de dar conta da demanda de veículos individuais que circulam nas vias.
Com isso, os usuários cativos do transporte público vão sendo desestimulados, tornando este sistema cada vez menos atrativo.
Como quebrar com esse círculo?
Carolina – O transporte individual passa a ser desincentivado por meio de cobrança de taxas em áreas centrais, por exemplo. Os recursos captados são aplicados na melhoria do transporte coletivo, o que beneficia os usuários cativos e atrai novos usuários, aumentando os recursos, que são reinvestidos, e tornando o modo mais vantajoso.
Para que haja esse interesse, no entanto, é necessário analisar diferentes fatores que podem influenciar na escolha pelo transporte público, como: segurança, confiabilidade, conforto, pontualidade, assiduidade, itinerários, entre outros.
Atender às expectativas dos passageiros, com um valor de passagem atrativo e que, ainda, dê lucro à empresa, é uma equação complexa.
Qual o impacto dos aplicativos de transporte sobre os modelos de transporte das cidades, em especial dos ônibus e lotações?
Carolina – Penso que há demanda suficiente para todas as ofertas. Além disso, o aumento de alternativas de deslocamento acaba gerando uma concorrência que beneficia o usuário, pois tende a reduzir preços.
A cada década vemos os saltos que a tecnologia promove com relação ao deslocamento. A trajetória é repleta de sucessos no que diz respeito à diminuição do tempo de viagem e aumento do conforto durante o percurso. Acredito que ainda há muito a evoluir neste sentido, portanto, resta nos adequarmos aos novos paradigmas e procurar fazer uso consciente dos recursos que temos disponíveis.