Ano de transformações, desafios e conhecimento

O futuro do trabalho

Ano de transformações, desafios e conhecimento

Habilidades pessoais, propósito de vida e conhecimento sobre a tecnologia. Essas qualidades formam o tripé do profissional do futuro. Da perspectiva de que máquinas substituiriam as pessoas, surge a certeza de que o avanço das empresas e da sociedade depende da inteligência e da iniciativa humana

Ano de transformações, desafios e conhecimento
Vale do Taquari

De um dia para outro, tanto empresas quan­to trabalhadores tive­ram de se adaptar. A pandemia exigiu novos proces­sos e menos contatos. Encontrar saídas para a maior crise sanitá­ria enfrentada pelo mundo em um século passou por garantir segurança sanitária aos funcio­nários, ao mesmo tempo de bus­car caminhos para cumprir me­tas e assegurar a sobrevivência dos negócios.

As vésperas do fim de 2020, o futuro incerto visto a partir de março começa a ficar para trás. A vacinação no Brasil, prevista para metade de janeiro e início de fevereiro, promete trazer de volta uma certa normalidade nas relações interpessoais.

Ao mesmo tempo, muitas das transformações vivenciadas durante a pandemia tendem a permanecer nos próximos anos. Tais como: a presença dos fun­cionários nos espaços físicos das empresas pode ser repensada; o trabalho em casa é uma alter­nativa para algumas funções; e as empresas devem adotar mais medidas sanitárias nas sedes.

O conceito de sociedade do conhecimento precisou ser colo­cado em prática de uma maneira muito mais ágil neste ano, avalia a diretora de Inovação e Susten­tabilidade de Univates, Simone Stülp.

Essa adaptação forçada se comprova a partir do relatório anual da Workana, plataforma usada por freelancers e empresas da América Latina. De acordo com o estudo, mais de 67% das organizações tiveram de criar so­luções para intensificar as ven­das online. Deste total, cerca de 22% tiveram de investir na ges­tão de redes sociais e em canais de comunicação com os clientes (20,3% em vendas pelo whatsa­pp e 15% na criação de site).

O profissional do futuro

A evolução do trabalhador e da empresa não se concentra apenas sobre o uso das tecnolo­gias. Também está atrelado aos quesitos relacionados à capaci­dade individual e inteligência emocional.

Solucionar problemas, ter au­tonomia sobre as funções e exer­citar o pensamento crítico sobre os processos da empresa estão entre as habilidades espe­radas pelo profissional do futuro, conforme o relatório Futuro do Em­prego, do Fórum Econô­mico Mundial.

Antes de a pande­mia atingir o país, os especialistas do fó­rum projetavam que o impacto da tecnologia no trabalho traria necessidades na formação da mão de obra. Seriam 58 milhões de novos empregos ligados a análise de dados, tecnologia da informação, gerenciamento de mídias sociais e engenharias.

Dessa análise prévia, perma­nece a expectativa de que meta­de dos profissionais que estão no mercado hoje precisarão se requalificar até 2025. Essa tendência, analisa a psi­cóloga da Central de Car­reiras da Univates, Ana Luísa Freitag, indica a importância de virtudes individuais, tais como a resiliência, flexibili­dade, liderança e cria­tividade.

De acordo com ela, há um mo­vimento contínuo das organiza­ções em busca das qualificações técnicas. Junto disso, também é necessário trabalhar habilidades individuais. “Quando pensamos em qualificação, não estamos falando só da formação técnica, dos cursos que o trabalhador fez. Estamos falando também de suas experiências, da capacida­de na função que desempenha e também em conhecer a organi­zação que representa.”

Em resumo, destaca Ana Luí­sa, empresa e profissional pre­cisam caminhar juntos. “Ain­

da existe aquele sentimento de competição dentro das equipes, por diversos motivos. Superar isso é necessário, pois o conheci­mento tem de estar disponível a todos, ao mesmo tempo em que o trabalho deve ser colaborativo.”

De acordo com ela, essa con­duta de competição interna é vis­ta em empresas da região. Como consequência, há pessoas que centralizam diversas funções. “Se ela adoece, como vimos nes­sa pandemia, e precisa se afastar, a empresa e as equipes passam por muitas dificuldades.”

Capital intelectual

Conforme o Instituto Brasi­leiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 8,5 milhões de pessoas trabalharam de for­ma remota nos primeiros meses da pandemia. A modalidade foi destinada para profissionais que exercem funções de diretores, gerentes, profissionais das ciên­cias e de produção intelectual. Os trabalhadores das áreas de serviços e comércio foram os que menos conseguiram realizar o teletrabalho em suas funções.

Esse resultado tem relação com o tipo de trabalho desen­volvido, argumenta o diretor do Centro de Gestão Organizacio­nal (CGO) da Univates, Sandro Faleiro. Em uma linha de pro­dução é quase impossível adotar esse trabalho remoto, diz. Por outro lado, há outros setores dentro da mesma empresa que não tem por que ser presencial.

Ainda assim, no Vale do Ta­quari, ainda há muita dificulda­de em aplicar o teletrabalho. Na

avaliação dele, isso tem relação com a cultura local. Para Falei­ro, a pandemia mostra a impor­tância do capital intelectual das empresas. “A mão de obra com conhecimento, aquela especiali­zada, terá solidez no mercado de trabalho. Sempre vai encontrar espaço.”

Os profissionais, afirma, que conseguirem executar as fun­ções com autonomia, atendendo o esperado pela empresa, são os mais desejados e difíceis de encontrar. Na atuação dele den­tro do CGO da Univates, conta que empresários de médio porte chegam a procurar por mais de seis meses os trabalhadores com formação técnica e experiência. “São aqueles com menos neces­sidade de investimento na pre­paração. Chegam na empresa, conhecem um pouco da rotina, e já começam a trabalhar. Esse perfil não se encontra livre no mercado.”

Essa mão de obra, diz Faleiro, já está trabalhando. “Muitas em­presas não aceitam retirar o tra­balhador de outra organização. Isso é bem complexo, por isso percebemos algumas vagas es­pecíficas, com maior salário, que ficam em aberto.”

Valores da empresa e o propósito de vida

A pandemia trouxe um re­pensar para toda a sociedade. A própria relação de consumo se modificou. No campo das rela­ções de trabalho, há uma preo­cupação que vai além do salário. Está na junção dos valores das empresas ao propósito de vida dos trabalhadores. “Aquele profissional com maior nível de formação percebe o perfil da empresa. Se tem uma organização que vai contra seus princípios, dificilmente ele perma­nece”, destaca Faleiro.

Segundo ele, para empresas de médio e grande porte, é pre­ciso deixar claro os valores logo no momento da contratação. “Se os valores não condi­zem com os do profissio­nal, ele não fica. Impor­tante destacar que essa mão de obra mais quali­ficada tem facilidade em trocar de trabalho, pois há espaço no mercado.”

Quando se olha para o Vale do Taquari, Faleiro ressalta: “temos como característica em­presas engajadas com a comu­nidade. Em que desenvolvem medidas de inclusão, de forma­ção contínua e de campanhas de conscientização.”

Como resultado, há por parte de muitos trabalhadores uma identificação com o lugar em que trabalham. Esse perfil faz com que haja uma ligação entre trabalhador e empresa, o que re­percute sobre a longevidade nas relações profissionais.

Cultura digital

Em que pese a interferência da tecnologia sobre as profis­sões e relações interpessoais, especialistas destacam que essas ferramentas digitais têm o potencial de agilizar a qualifica­ção das equipes.

Entre os anos de 2017 até 2019, a principal preocupação das empresas era se preparar para a chamada Indústria 4.0. A lógica parte da exigência de uma mão de obra qualificada, trabalhadores com expertise em áreas ligadas à tecnologia, pro­gramadores, engenheiros e ana­listas como os trabalhos mais importantes quando se depende da ação humana.

Para todo o resto, a Inteli­gência Artificial (IA) teria con­dições de manter os processos produtivos. Havia uma sen­sação que a tecnologia seria arrasadora. Traria milhões de desempregados, pois as máqui­nas substituiriam as pessoas. Quando empresas se prepara­vam para isso, 2020 chegou. A pandemia trouxe consigo um repensar, tanto das pessoas como das organizações. “Esse ano trouxe uma ruptura. Se fa­lava em a máquina substituindo as pessoas no trabalho. Na ver­dade, vemos que a inteligência humana é insubstituível”, des­taca Ana Luísa.

De acordo com a psicóloga da Central de Carreiras da Univa­tes, o conceito entendido como Sociedade 5.0 tem como propó­sito usar a tecnologia para me­lhorar a qualidade de vida das pessoas.

Isso incluiu buscar meios de beneficiar e agilizar o próprio trabalho, realça Ana Luísa. Dentro do contexto das ativi­dades profissionais, os meios digitais trouxeram facilidade para o gerenciamento do tem­po. “A cultura digital não é só pensar na informatização dos processos. Parte da própria linguagem e ferramentas.”

Um dos exemplos são as re­uniões. “Aqui no nosso setor, fazíamos reuniões semanais de uma ou duas horas. Agora mudamos. São reuniões rápi­das, muitas online. O meio di­gital exige algo mais ágil, mais dinâmico.”


“Nada é estático, o universo está em constante movimento”

SIMONE STÜLP,
diretora de Inovação e Sustentabilidade de Univates

Uma atualização forçada pela pandemia. No mundo do trabalho, tanto para empre­gados quanto empregadores, houve adaptação e muitas dificuldades. Para Simone Stülp, um dos aspectos cen­trais para garantir a sustenta­bilidade dos negócios é incor­porar criatividade e inovação nas organizações.

A Hora – Quais as habili­dades que as empresas vão precisar no pós-pandemia?

Simone Stülp – A in­corporação do conceito de inovação se torna cada vez necessária, estando no centro das tomadas de decisão, norteando as estratégias e planejamentos. Desta forma a criatividade deve estar cada vez mais presente em todos os movimentos. Em termos de habilidades, as chamadas soft skills (termo usado por profissionais de recursos humanos para definir habi­lidades comportamentais, competências subjetivas) serão cada vez mais impor­tantes, em comparação às hard skills (termo que indica capacidade técnica para de­terminada função), para que as empresas possam atender às expectativas de seu públi­co alvo.

Quais as principais mudanças trazidas neste 2020 para o mundo do trabalho?

Simone – O ano veio nos mostrar, mais do que nunca, que nada é estático, o univer­so está em constante movi­mento. Desta forma, para o mundo do trabalho podemos traduzir como a necessidade de termos a capacidade de constante adaptação às mu­danças impostas por diversos fatores, muitas vezes exter­nos ao nosso negócio.

Antes de 2020, se falava na substituição da máquina sobre o ser humano, naquela visão da Indústria 4.0. Agora, ganha corpo no Japão, o conceito Sociedade 5.0, em que o humano é o topo da pirâmide. A partir dessas duas visões, de que maneira incluir as pessoas para que existam oportunidades para todos?

Simone – A pandemia ace­lerou a ocorrência de algu­mas tendências. A incorpora­ção de diferentes tecnologias em nosso cotidiano é um caminho sem volta. Quando se discute, por exemplo, as cidades tecnológicas e inte­ligentes, temos que perceber que o fundamental não é a existência da tecnologia em si. Cito aqui o exemplo das câmeras de vigilância, não é isso que torna uma cidade mais inteligente, e sim a sensação de segurança que as câmeras propiciam aos cidadãos. É a necessidade humana sendo suprida por meio da utilização de solu­ções tecnológicas. Portanto, estamos falando da tecno­logia a serviço das pessoas. Desta forma, quando fala­mos em oportunidades para todos, em especial no mundo do trabalho, estamos falando em habilidades que as pes­soas precisarão para atender as demandas deste novo mundo. E neste ponto entra o acesso à educação, para que todos possam ampliar o conhecimento em diferentes níveis. Aqui estou falando em habilidades mais técnicas e outras mais de relacionamen­to interpessoal, para que as pessoas tenham oportunida­des de inserção profissional em um mundo cada vez mais tecnológico.

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