“Não fiquei rico, mas ganhei muitas amizades”

Abre aspas

“Não fiquei rico, mas ganhei muitas amizades”

Nelson Araújo Lopes, 71, dedicou mais de 40 anos ao trabalho como garçom. Nesse período, superou preconceitos, serviu champanhe para comemoração de separação e ganhou gorjetas superiores ao valor dos pratos consumidos. Para ele, o que fica de gratificante na profissão é ser lembrado pelo bom atendimento.

“Não fiquei rico, mas ganhei muitas amizades”
Lajeado

• Como você se tornou garçom?

Comecei lavando copos no restaurante Caixeiral. Era um sábado, dia de muito movimentado, e faltou um garçom. Então me colocaram para atender o pessoal. Isso foi em 67, tinha uns 20 anos na época. Me lembro que esse restaurante tinha muito movimento. O pessoal saia do cinema mais cedo para pegar um lugar lá.

• Dizem que você se tornou muito conhecido por ser garçom. É verdade?

Sim, muitos nas ruas me abanam e me conhecem. Me lembro de uma Festa da Uva que fui em Caxias do Sul. Um homem ficou me olhando e veio na mesa. Havia ajudado ele um dia quando estava com o pneu furado e ele veio me agradecer. As pessoas guardam essas gentilezas.

• Você lida com um público amplo. Qual o segredo para atender todos os clientes bem?

Importante é ser educado com as pessoas. Se não tiver um modo de agir adequado, não se vai a lugar nenhum.

• Tem outras dicas para alguém que pensa em ser garçom?

O garçom não é apenas a pessoa que leva as bebidas. Se eu atendo uma mesa, eu olho se falta alguma coisa, se a pessoa se esqueceu de um talher ou um guardanapo, por exemplo. O garçom precisa ver a necessidade do cliente.

• Você costuma ganhar muita gorjeta?

Na época do Caixeiral, quando comecei a trabalhar, eu vivia só da gorjeta. Claro, hoje com a condição do Brasil, é difícil o cliente ter essa condição. Hoje até se dá gorjeta, mas não é tanto quanto no passado.

• Qual o valor mais alto que ganhou?

A maior que recebi foi no ano passado. Um rapaz de Passo Fundo me deu R$ 120 com notas enroladas. Ele estava acompanhado por uma mulher e os almoços devem ter custado cerca de R$ 80.

• Você passou por alguma situação constrangedora na profissão?

Aconteceram alguns casos de racismo comigo. Um deles foi em uma churrascaria. Antes das carnes, o cliente era servido com um prato de sopa. Uma criança não queria tomar a sopa e a mãe dela, sem me ver, disse que se a criança não limparia o prato, ia mandar o ‘nego lhe pegar’. Teve outro caso de uma médica de Porto Alegre. Atendi ela numa boa e antes de ir embora ela pediu para falar com o gerente. Disse para ele que foi muito bem atendida por mim, mas que não suportava negros e da próxima vez queria ser atendida por outra pessoa. O gerente disse que eu era o melhor garçom da casa e provavelmente atenderia ela novamente.

• O que você sentiu nesses momentos?

No momento, a gente fica um pouco assim… mas a vida continua. Graças a Deus isso não me atingiu e consegui superar rapidamente.

• Teve algum fato curioso que presenciou?

Faz uns dez anos, atendi um casal que estava conversando numa boa. Eles pediram uma champanhe. O homem era meu conhecido e, no fim, me chamou para dizer que a champanhe era para comemorar a separação. Na hora fiquei sem saber o que fazer. Só disse: ‘se não der certo, não adianta continuar’.

• O que representa ser garçom?

Pra mim é tudo. Eu vivi minha vida trabalhando como garçom. Não fiquei rico, mas ganhei muitas amizades. Isso é o mais gratificante.

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