Evitar o sofrimento é uma forma de sofrer

Opinião

Adair Weiss

Adair Weiss

Diretor Executivo do Grupo A Hora

Coluna com visão empreendedora, de posicionamento e questionadora sobre as esferas públicas e privadas.

Evitar o sofrimento é uma forma de sofrer

Vale do Taquari

As frases ao lado foram extraídas do livro A Sutil Arte de Ligar o F*da-se, do escritor americano Mark Manson. Ele recomenda parar de buscar um sucesso que só existe na sua cabeça. Aliás, existe um surpreendente efeito negativo da positividade tóxica na saúde mental.

Parecer otimista o tempo todo, sem reconhecer o valor das falhas e os aprendizados que elas proporcionam, costuma cegar e exaurir até mesmo os mais “fortes”. Aliás, fracassar simplesmente, sem aprender nada com isso é um equívoco. A vida é feita de momentos e circunstâncias boas e não tão boas. Ignorar, sufocar ou negar isso é um erro grosseiro de quem não quer aprender a lidar com as emoções.

Mark Manson usa toda a sua sagacidade de escritor e seu olhar crítico para propor um novo caminho rumo a uma vida melhor, mais coerente com a realidade e consciente dos nossos limites. É uma narrativa franca e realista, com “tapas na cara” para quem só persegue o “mundo perfeito”.

Matéria nesta linha foi reproduzida pela revista Época, em sua edição Negócios. A reportagem original da BBC News salienta que parece contraditório, mas a positividade pode ser tóxica. “Qualquer tentativa de escapar do negativo — evitá-lo, sufocá-lo ou silenciá-lo — costuma falhar. Evitar o sofrimento é uma forma de sofrer”, pinça a reportagem.

Trata-se do positivismo extremo: impor a nós mesmos — ou aos outros — uma atitude falsamente positiva, generalizar um estado feliz e otimista seja qual for a situação, silenciar nossas emoções “negativas” ou as dos outros.

O psicólogo da saúde Antonio Rodellar, especialista em transtornos de ansiedade e hipnose clínica – fonte da matéria e autor de vários artigos publicados sobre o tema – prefere falar em “emoções desreguladas” do que “negativas”.

Negar constantemente tudo o que for ‘negativo’ é exaustivo e nos impede de construir resiliência. Desta forma, não desenvolvemos a capacidade de nos adaptar a situações adversas. “Isso nos isola de nós mesmos, de nossas verdadeiras emoções. Nos escondemos atrás da positividade para não revelar nossa imperfeição”, salienta a terapeuta e psicóloga britânica Sally Baker.

Positividade tóxica é diferente de psicologia positiva, apesar do conceito soar semelhante. Popularizada pelo psicólogo Martin Seligman, a psicologia positiva foi alavancada muito pelo seu livro The Optimistic Child (A Criança Otimista), onde o psicólogo americano explica que o pessimista não nasce, mas é criado. “Aprendemos a ser pessimistas pelas circunstâncias da vida.”

Ainda assim, ele sugere que podemos lutar contra esse pessimismo e transformar nossos pensamentos negativos em mais positivos. O segredo é evitar extremismos.

Mas isso não quer dizer que, se nos sentimos tristes, temos que nos concentrar em sermos felizes. Eis a armadilha da positividade tóxica. Pois, para trabalhar as emoções negativas, não podemos ignorá-las. Reconhecê-las e aceitá-las é o primeiro passo.

Como a positividade tóxica nos afeta?

“Todas as emoções que reprimimos são somatizadas, expressas através do corpo, muitas vezes na forma de doença. Quando negamos uma emoção, ela encontrará uma forma alternativa de se expressar”, insiste Rodellar.

“Suprimir as emoções afeta sua saúde. Se você esconder suas dificuldades mentais por trás de uma fachada de positividade, elas se refletirão de maneiras alternativas em seu corpo, de problemas de pele à síndrome do intestino irritável”, explica Sally Baker.

Uma segunda consequência, diz Rodellar, é que “quando nos concentramos apenas nas emoções positivas, obtemos uma versão mais ingênua ou infantil das situações, de modo a nos tornar mais vulneráveis ​​aos momentos difíceis”.

Outra profissional ouvida na reportagem, Teresa Gutiérrez, psicopedagoga e especialista em neuropsicologia, considera que “o positivismo tóxico tem consequências psicológicas e psiquiátricas mais graves do que a depressão”.

“Pode levar a uma vida irreal que prejudica nossa saúde mental. Tanto positivismo não é positivo para ninguém. Se não houver frustração e fracasso, não aprendemos a desenvolver em nossas vidas”.

O positivismo tóxico está na moda, principalmente nas redes sociais, “onde nos obrigam a comparar nossas vidas com as vidas perfeitas que vemos online”, alerta a terapeuta. “Há uma tendência constante nas redes sociais de nos mostrarmos perfeitos e felizes. Mas isso é desgastante e não é real.”

“Se houvesse mais honestidade sobre as vulnerabilidades, nos sentiríamos mais livres para experimentar todos os tipos de emoções. Somos humanos e devemos nos permitir sentir todo o espectro de emoções. É ok não estar bem. Não podemos ser positivos o tempo todo.”

A pandemia acelerou o positivismo tóxico. Rodellar diz que vê “uma certa tendência ao bem-estar rápido, de querer se sentir bem imediatamente, como um direito natural”.

“É muito bom pensar que tudo vai dar certo, mas isso não significa que todo o processo para que aconteça tenha que ser agradável. É mais realista dizer ‘isso também vai acontecer, mas vai passar’ quando estamos em um momento de bloqueio”.

Validar em vez de ignorar

Os psicólogos concordam que o ideal — em termos gerais — é aceitar todas as emoções, em vez de suprimir aquelas que nos fazem mal. Não se trata de não ser positivo, mas de validar como nos sentimos a cada momento mesmo quando não estamos bem.

“Seja mais honesto, mais autêntico, não tenha medo de expressar que está triste, deprimido ou ansioso. Reconheça. Experimente essas emoções e aprenda com elas a ser mais resiliente, sem ficar remoendo”, explica Baker. Obs.: essas dicas excluem pessoas com depressão clínica (um distúrbio grave que deve ser tratado).

A empatia é outro fator importante. “Quando alguém compartilha sentimentos negativos, é recomendável ouvir e não tentar confortá-lo a qualquer custo”, aconselha a especialista.

“Estar em uma situação emocionalmente difícil já faz as pessoas se sentirem sozinhas e isoladas. Quando outros tentam silenciar essas emoções, especialmente amigos e familiares, dói muito. Ouvir alguém que está sofrendo pode fazer uma grande diferença na vida da pessoa.”

Como aplicar isso na prática? Em vez de dizer “não pense nisso, seja positivo”, diga “me diz o que você está sentindo, eu te escuto”. Em vez de falar “poderia ser pior”, diga “sinto muito que está passando por isso”. Em vez de “não se preocupe, seja feliz”, diga “estou aqui para você”.

Para Baker, o que devemos lembrar é que “todas as nossas emoções são autênticas e reais, e todas elas são válidas”.

Confortar os outros nesta direção e a nós mesmos, é um caminho sensato para evitar a positividade tóxica ou, do contrário, não cair na armadilha da auto-vitimização.

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