Existe limite para o poder do Facebook?

Rede social em xeque

Existe limite para o poder do Facebook?

Essa é a pergunta que a Justiça dos EUA terá de responder, pois a maior companhia de mídia social do mundo enfrenta 48 estados americanos. A empresa foi denunciada por práticas anticompetitivas, monopólio e o acúmulo de dados particulares dos usuários. Os processos abertos escancaramo tamanho do negócio de Mark Zuckerberg e a influência sobre as ações, pensamentos e sensações de seus usuários

Existe limite para o poder do Facebook?
Vale do Taquari
oktober-2024

Um movimento iniciado nos Es­tados Unidos pode desencadear um efeito em cascata sobre o uso das redes sociais em todo o mun­do. Tudo por conta da coalizão de 48 estados americanos contra o Facebook.

A alegação é quanto ao uso de práticas anticompetitivas, monopólio e uso de dados dos usuários das plataformas da empresa. Os processos detalham os meios à compra do WhatsApp, em 2014, no valor de 19 bi­lhões de dólares e também do Instagram, adquirido em 2012 por US$ 1 bilhão. O Fa­cebook pode ser obrigado pela Justiça a se desfazer das duas plataformas.

“É um movimento histórico devido a essa união dos estados. O que a Justiça terá de julgar é o quão grande os EUA acredita que uma empresa possa ser”, avalia o especia­lista em redes sociais formado em Harvard, Paulo Pinheiro.

De acordo com ele, caso seja imposto o desmembramento, isso trará mudanças para todo o mundo. “Vamos pensar hipo­teticamente, se o Instagram acabar. Haverá um grande impacto econômico, pois temos muitas pessoas que dependem dessa mídia, tanto os influenciadores, com milhões de seguidores, até pequenos comércios, que durante a pandemia estão usando essa fer­ramenta para se aproximar dos clientes.”

Quando se fala em WhatsApp, a inter­ferência seria ainda maior. “Pensamos o seguinte, 94% dos celulares no Brasil tem Whats. Usamos muito esse modelo de

comunicação. Se o Facebook tiver de se desfazer da plataforma, muitas mudanças podem ocorrer, pois dependerá da empresa que vai assumir.”

A companhia de Mark Zuckerberg tem mais de 2,7 bilhões de usuários ativos nas plataformas Messenger, Facebook, What­sApp e Instagram. Até o terceiro semestre deste ano, contava com 56 mil funcionários e teve uma receita de 21,4 bilhões de dólares de janeiro até setembro.

Sensações programadas

Além do baque no mercado das empresas de tecnologia da informação, as ações aber­tas nos EUA também mostram a interferên­cia da companhia criada em 2004 sobre na­ções e indivíduos.

“O Facebook tem o poder de mudar o sen­timento das pessoas”, destaca Pinheiro. Em uma experiência social feita pela própria empresa, 30 mil usuários tiveram a linha do tempo modificada. As publicações traziam informações negativas, que interferiram so­bre os indivíduos.

“Ficou comprovado que a plataforma consegue alterar a conduta das pessoas. Isso assusta muito, pois pode desencadear modelos de pensamento, sejam políticos, sociais e de comportamento, com reflexo so­bre as decisões dos usuários e também dos países”, adverte.

Entre os escândalos mais notórios que in­dicam o uso de dados dos internautas está o caso da Cambridge Analytica. Por uma falha de segurança da rede social, 87 mil pessoas tiveram dados pessoais coletados pela em­presa de consultoria política.

As informações foram usadas para cons­truir perfis psicológicos dos eleitores. Os usuários recebiam constantemente anún­cios e matérias dirigidas. A investigação mostrou que houve manipulação psicológi­ca por meio do Facebook.

Entre a paixão e o excesso

Conforme o relatório Digital, do site We Are Social, os internautas brasileiros ficam 3h31min online em redes sociais. É o terceiro no ranking de tempo gasto neste tipo de site, perde para a Colômbia, com 3h45min e para Filipinas, com 3h53min.

Com relação aos números de tempo na internet, o Brasil também é o terceiro lu­gar. Por dia, os internautas ficam 9h17min na rede de computadores. O segundo lu­gar é a África do Sul, com 9h22min e em primeiro a Filipinas, com 9h45min. A mé­dia mundial, entre 46 nações pesquisadas, é de 6h43min (Confira no infográfico).

“O brasileiro é apaixonado por rede social. Isso começou com o Orkut e se fortaleceu com o Facebook. É um caso de amor, inclusive com importância eco­nômica, pois muitas pessoas sobrevivem desse trabalho dentro das redes sociais”, destaca Pinheiro.

Por outro lado, essa superexposição traz reflexos à saúde, em especial à men­te, às crianças e jovens. É o que diz a pro­fessora da Univates e psicóloga, Elisân­gela Mara Zanelatto.

De acordo com ela, o aumento no nú­mero de doenças como depressão, sín­drome do pânico e ansiedade tem rela­ção com o excesso no uso da internet e das mídias sociais.

Sujeito padrão

Para a psicóloga, a vida no ambien­te virtual traz certos modelos do que é aceito, do que é belo e de uma vida fu­gaz, baseada em imagem, narcisismo e consumo. Quando o indivíduo não atin­ge essas expectativas, se frustra. “Esses processos nos EUA evocam uma discus­são mais ampla. Pois estamos falando de uma grande empresa que modela um jeito de ser das pessoas. É uma forma de controle, um dispositivo que moldura e regula o tipo de pessoa que se quer.”

Ao abrir as redes sociais, analisa Eli­sângela, se vê uma cultura da felicidade. Quando o usuário, em especial os adoles­centes, não participam disso, passam a não ser aceitos em determinados grupos. Esse fenômeno faz parte do modo de vida contemporâneo e interfere sobre a orga­nização da vida e do desenvolvimento dos indivíduos, diz. “Há um apelo muito grande ao imediato, à busca do like, de produtos que dizem fazer milagres e que resolvem problemas. Cria uma noção de vazio, que só pode ser preenchido por esse consumo e esse ambiente.”

Como consequência, interfere so­bre os sentimentos, as emoções e o comportamento. “Estamos perdendo a capacidade de nos aceitarmos. Que­remos tudo na hora, tudo instantâneo. A vida não é assim, o aprendizado vem com o tempo.”


Feito para manter sua atenção

A programação e design dos aplicativos visam manipular as experiências. A ONG Center For Humane Technology reúne programadores alarmados com o impacto indústria tecnológica e aponta algumas técnicas usadas para tornar os usuários cada vez mais imersos nos produtos digitais.

NOTIFICAÇÕES

Em média, cada usuário recebe no mínimo 60 notificações por dia. Raramente são importantes, mas aparecem na tela ou fazem o celular vibrar. A repetição torna hábito. A cada toque, o usuário confere o que há de “novo”. O indivíduo fica em um estágio de alerta permanente e na expectativa que na próxima vez virá algo importante.

RECOMPENSA VARIÁVEL

O smarphone e os aplicativos exploram um conceito científico para conseguir a atenção. O usuário nunca sabe quando de conteúdo vai receber, ou quantas curtidas a publicação dele vai ter, quais os novos vídeos vão chegar. Chamado de Recompensa Variável se refere ao condicionamento da mente para algo de bom que está por vir.

ALGORITMOS DITAM O RITMO

As timelines mostram determinado posts levando em consideração o perfil do internauta. Só consegue isso devido ao algoritmo que escolhe o mais interessante. Os critérios não são divulgados, por isso, o usuário não tem como saber aquilo que ficou de fora. Essa ferramenta gera mais compulsão para usar mais as redes sociais para que o internauta não corra o risco de perder algo “importante”.

FERRAMENTAS DOS JOGOS

Ou gamificação. Aplicativos incorporam elementos de jogos eletrônicos, com metas de pontos, novos níveis, medalhas para quem completar “missões”. Isso consiste em ficar mais tempo navegando, clicar em links, compartilhar o app. Nada disso traz benefício concreto, é um truque para manter a atenção do usuário.

FALSO CONTROLE

As redes sociais transmitem a sensação de que o usuário tem o controle sobre seu conteúdo. Na verdade não. Ao pedir atualização, está condicionando mais uma vez a experiência. As ferramentas poderiam se atualizar sem o comando, assim que as informações e mensagens chegassem ao aparelho. Mas elas exigem que o indivíduo puxe a tela para cima ou para baixo. Mais uma vez, o celular está captando a sua atenção

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