Qualquer ida no supermercado é mais de R$ 100. Percebo que toda a semana tem aumento nos preços.” Essa impressão da doméstica Eloede Kuhn, 57, se confirma a partir da apuração dos preços pelo IBGE.
Neste ano, o segmento alimentos e bebidas (principal fator de consumo das famílias) se aproxima dos 14% de alta. É quase quatro vezes mais do que a inflação oficial do país, tabulada em 3,92% em outubro.
Para compor o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), são analisados nove segmentos. Nos quatro itens que mais interferem nos gastos da casa (alimentação, habitação, artigos domésticos e despesas pessoais), essa elevação nos preços se aproxima dos 20%.
“Eu procuro sempre pesquisar e pegar os itens das promoções. Não faço mais rancho”, relata Eloede. Esse comportamento tem sido cada vez mais frequente entre os consumidores, como é o caso de Maira Sturmer.
Na casa, é só ela e o marido. “Não faço mais rancho. Minhas idas ao mercado se tornaram semanais.” De acordo com ela, o gasto mensal com produtos alimentícios básicos, como arroz, massas, azeite, carnes, legumes, frutas e verduras, superam os R$ 1 mil. “Isso sem contar as idas na padaria, com alguns produtos específicos. É a principal despesa da casa”, conta.
A economista da Fecomércio, Giovana Menegotto, estima que as despesas com alimentos representem 20% do orçamento das famílias. “Quanto menor é a renda, mais interferência da alimentação nesse custo.”
Os motivos para a elevação dos preços nos alimentos passam por diversos fatores, diz. A pandemia fez com que as pessoas ficassem mais em casa, com isso, gastam mais no mercado. Esse aumento da demanda no mercado interno ocorreu também no exterior.
Como consequência, mais vendas para os dois públicos e redução na oferta. “Como o real está desvalorizado, a exportação se tornou mais rentável. Então aqueles que vendem para o exterior, estão destinando mais produtos para fora do que para atender os clientes do país”, avalia a economista.
Neste ano, os vilões da inflação têm como líder o arroz. No acumulado de 12 meses, está 50,81% mais caro. Depois vem itens como feijão (44,72%), leite (34,9%) e maçã (34,16%), além de carnes bovinas como músculo (36,33%), contrafilé (33,13%). Outro produto que tem pressionado muito a inflação são os derivados de soja, com elevações próximas dos 45%.
Estiagem atinge a cidade
Além da instabilidade da moeda nacional, a interferência do mercado internacional nas compras de alimentos que torna o câmbio favorável para negociar em dólar, também há um fator sazonal, alerta o economista e professor da Univates, Eloni José Salvi.
Segundo ele, o caso do arroz é emblemático. “Já havia um alerta de falta do produto no mercado desde o fim do ano passado. Pois foram cinco anos de alta nos custos de produção. Somou-se a isso a seca”, lembra.
A frustração na safra e o desestímulo para orizicultores permanecerem na atividade trouxeram uma drástica queda nos estoques. “Essa realidade do campo demora um pouco a chegar, mas sempre atinge o consumidor da cidade.”
“Se não cabe no bolso, mude a dieta”
Na avaliação do economista, o mesmo ocorre na indústria, pressionada pelo aumento no preço dos insumos. “Os alimentos estão mais caros. Mas não só isso, também está mais custoso para as indústrias e para os produtores rurais.”
Neste momento, aconselha Salvi, as famílias devem ter algumas prioridades. Economizar em itens alimentícios por meio da pesquisa de preços e procurar por alimentos da estação. “O que é fora de época sempre fica mais caro.”
Outra medida importante é substituir alguns produtos. “Sempre que puder, pegar algum produto que esteja com preços menores.” A carne, item quase obrigatório no cardápio do gaúcho também tem de ser revisto. “Não há mágica. Se o produto não cabe no bolso, mude a dieta.”
Ajuste fiscal
As incertezas com relação aos rumos da economia mundial e a tendência de que o governo brasileiro fure o teto de gastos, faz com que o Brasil afaste o interesse de investidores internacionais, avalia a economista da Fecomércio, Giovana Menegotto.
Esses aspectos fazem com que a expectativa de aumento no custo dos alimentos siga pelos próximos meses. “Nos meses de pandemia, em especial abril e maio, o auxílio emergencial foi importante para manter o consumo. Em especial no segmento de alimentos. A partir de 2021, não sabemos como será isso. As decisões governamentais de ajuste fiscal e de suporte serão importantes para definir o rumo da economia”, frisa Giovana.
O professor e economista Eloni Salvi vai além. “Há outras duas medidas possíveis. O governo pode estabelecer cotas de importação e exportação para regular o mercado interno, desonerando tributos ou mesmo ampliando algum imposto.”
A segunda opção seria um caminho abandonado pelo governo brasileiro faz alguns anos. “Voltar com estoques reguladores. Para o setor alimentício isso é estratégico. Não acredito que isso seja implementado.”
O conceito é simples, explica. “Quando há sobra de algum produto se estoca e quando falta, se coloca mais no mercado.”
“Alimentos são o principal custo para as famílias”
FERNANDA SINDELAR, economista e professora
A cotação do dólar, a menor oferta de produtos no mercado interno e o aumento no custo de produção são os motivos centrais para aumento de preço para as famílias, avalia a economista Fernanda Sindelar.
A Hora – O consumidor comum vai ao mercado e vê que os alimentos estão mais caros. Por outro lado, a inflação oficial aparece em 3,9%. Quando essa pessoa compara, acaba ficando com dúvidas se o índice condiz com a realidade. Como explicar isso ao consumidor?
Fernanda Sindelar – O IPCA é nossa referência do custo de vida. Considera uma cesta de bens, que vão de pessoas que ganham um salário até 40 salários mínimos.
Se olharmos o cálculo da inflação, veremos que há outros componentes além dos alimentos. Tem vestuário, os transportes e outros itens que tiveram uma baixa muito grande durante os meses de mais restrições. Se olharmos nos últimos 12 meses, podemos ver que a Educação também está pressionando menos a inflação.
Alimentos são o principal custo para as famílias. Por isso dá a impressão que a inflação está maior do que os dados oficiais do IPCA.
A Hora – Qual a perspectiva dos preços para os próximos meses?
Fernanda Sindelar – Há maior demanda de alimentos não só no nosso país, no estado ou na região. Todo o mundo foi atingido pela pandemia e as pessoas estão mais em casa. Assim, compram mais alimentos.
Para nós, há uma oscilação maior nos preços, pois quem está pagando mais pelas mercadorias é o mercado internacional. Então temos menor oferta. Essa condição pode ficar mais preocupante caso tenhamos mais uma estiagem. Se não tiver chuva, a safra gaúcha será menor e isso pode afetar também a produção nas indústrias.