Alimentos acumulam alta de quase 14% no ano

Vilões da inflação

Alimentos acumulam alta de quase 14% no ano

Crescimento na demanda externa e interna, redução na oferta de produtos, aumento dos custos de produção e desvalorização do real fazem com que a alimentação em casa fique cada vez mais cara. Caso uma nova estiagem se confirme, tendência é de mais elevação nos preços ao consumidor

Alimentos acumulam alta de quase 14% no ano
(Foto: Filipe Faleiro)

Qualquer ida no supermer­cado é mais de R$ 100. Percebo que toda a sema­na tem aumento nos pre­ços.” Essa impressão da doméstica Eloede Kuhn, 57, se confirma a partir da apuração dos preços pelo IBGE.

Neste ano, o segmento alimentos e bebi­das (principal fator de consumo das famí­lias) se aproxima dos 14% de alta. É quase quatro vezes mais do que a inflação oficial do país, tabulada em 3,92% em outubro.

Para compor o Índice Nacional de Pre­ços ao Consumidor Amplo (IPCA), são analisados nove segmentos. Nos quatro itens que mais interferem nos gastos da casa (alimentação, habitação, artigos do­mésticos e despesas pessoais), essa eleva­ção nos preços se aproxima dos 20%.

“Eu procuro sempre pesquisar e pegar os itens das promoções. Não faço mais rancho”, relata Eloede. Esse comporta­mento tem sido cada vez mais frequente entre os consumidores, como é o caso de Maira Sturmer.

Na casa, é só ela e o marido. “Não faço mais rancho. Minhas idas ao mercado se tornaram semanais.” De acordo com ela, o gasto mensal com produtos alimentícios básicos, como arroz, massas, azeite, carnes, legumes, frutas e verduras, superam os R$ 1 mil. “Isso sem contar as idas na padaria, com alguns produtos específicos. É a princi­pal despesa da casa”, conta.

A economista da Fecomércio, Giovana Menegotto, estima que as despesas com ali­mentos representem 20% do orçamento das famílias. “Quanto menor é a renda, mais interferência da alimentação nesse custo.”

Os motivos para a elevação dos preços nos alimentos passam por diversos fatores, diz. A pandemia fez com que as pessoas ficassem mais em casa, com isso, gastam mais no mercado. Esse aumento da de­manda no mercado interno ocorreu tam­bém no exterior.

Como consequência, mais vendas para os dois públicos e redução na oferta. “Como o real está desvalorizado, a exportação se tor­nou mais rentável. Então aqueles que ven­dem para o exterior, estão destinando mais produtos para fora do que para atender os clientes do país”, avalia a economista.

Neste ano, os vilões da inflação têm como líder o arroz. No acumulado de 12 meses, está 50,81% mais caro. Depois vem itens como feijão (44,72%), leite (34,9%) e maçã (34,16%), além de carnes bovinas como músculo (36,33%), contrafilé (33,13%). Outro produto que tem pressionado muito a inflação são os derivados de soja, com eleva­ções próximas dos 45%.

Estiagem atinge a cidade

Além da instabilidade da moeda nacio­nal, a interferência do mercado interna­cional nas compras de alimentos que torna o câmbio favorável para negociar em dólar, também há um fator sazonal, aler­ta o economista e professor da Univates, Eloni José Salvi.

Segundo ele, o caso do arroz é emble­mático. “Já havia um alerta de falta do produto no mercado desde o fim do ano passado. Pois foram cinco anos de alta nos custos de produção. Somou-se a isso a seca”, lembra.

A frustração na safra e o deses­tímulo para orizicultores perma­necerem na atividade trouxeram uma drástica queda nos esto­ques. “Essa realidade do cam­po demora um pouco a chegar, mas sempre atinge o consumi­dor da cidade.”

“Se não cabe no bolso, mude a dieta”

Na avaliação do economista, o mesmo ocorre na indústria, pressionada pelo au­mento no preço dos insumos. “Os alimentos estão mais caros. Mas não só isso, também está mais custoso para as indústrias e para os produtores ru­rais.”

Neste momento, aconselha Salvi, as famílias devem ter algumas prioridades. Economizar em itens alimentícios por meio da pesquisa de preços e procurar por alimentos da estação. “O que é fora de épo­ca sempre fica mais caro.”

Outra medida importante é substituir alguns produtos. “Sempre que puder, pe­gar algum produto que esteja com preços menores.” A carne, item quase obrigatório no cardápio do gaúcho também tem de ser revisto. “Não há mágica. Se o produto não cabe no bolso, mude a dieta.”

Ajuste fiscal

As incertezas com relação aos rumos da economia mundial e a tendência de que o governo brasileiro fure o teto de gastos, faz com que o Brasil afaste o interesse de investidores internacionais, avalia a economista da Fecomércio, Giovana Menegotto.

Esses aspectos fazem com que a expectativa de aumento no custo dos alimentos siga pelos próxi­mos meses. “Nos meses de pan­demia, em especial abril e maio, o auxílio emergencial foi impor­tante para manter o consumo. Em especial no segmento de alimentos. A partir de 2021, não sabemos como será isso. As decisões governamentais de ajuste fiscal e de supor­te serão importantes para definir o rumo da economia”, frisa Giovana.

O professor e economista Eloni Salvi vai além. “Há outras duas medidas possíveis. O governo pode estabelecer cotas de importa­ção e exportação para regular o merca­do interno, desonerando tributos ou mesmo ampliando algum imposto.”

A segunda opção seria um caminho abandonado pelo governo brasileiro faz alguns anos. “Voltar com estoques reguladores. Para o setor alimentí­cio isso é estratégico. Não acredito que isso seja implementado.”

O conceito é simples, explica. “Quando há sobra de algum produto se estoca e quando falta, se coloca mais no mercado.”


“Alimentos são o principal custo para as famílias”

FERNANDA SINDELAR, economista e professora

A cotação do dólar, a menor oferta de produtos no mercado interno e o aumento no custo de produção são os motivos centrais para aumento de preço para as famílias, avalia a economista Fernanda Sindelar.

A Hora – O con­sumidor comum vai ao mercado e vê que os alimentos estão mais caros. Por outro lado, a inflação oficial aparece em 3,9%. Quando essa pessoa compa­ra, acaba ficando com dúvidas se o índice condiz com a realidade. Como explicar isso ao consumidor?

Fernanda Sindelar – O IPCA é nossa referência do custo de vida. Considera uma cesta de bens, que vão de pessoas que ganham um salá­rio até 40 salários mínimos.

Se olharmos o cálculo da inflação, veremos que há outros componentes além dos alimentos. Tem vestuário, os transportes e outros itens que tiveram uma baixa muito grande durante os meses de mais restrições. Se olharmos nos últimos 12 meses, podemos ver que a Educação também está pressionando menos a inflação.

Alimentos são o principal custo para as famílias. Por isso dá a impressão que a inflação está maior do que os dados oficiais do IPCA.

A Hora – Qual a perspectiva dos preços para os próximos meses?

Fernanda Sindelar – Há maior demanda de alimentos não só no nosso país, no estado ou na região. Todo o mundo foi atingido pela pandemia e as pessoas estão mais em casa. Assim, compram mais alimentos.

Para nós, há uma oscilação maior nos preços, pois quem está pagando mais pelas mercadorias é o mercado internacional. Então temos menor oferta. Essa condição pode ficar mais preocupante caso tenhamos mais uma estiagem. Se não tiver chuva, a safra gaúcha será menor e isso pode afetar também a produção nas indústrias.

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