Descrença com a política afasta eleitores do pleito

Eleições 2020

Descrença com a política afasta eleitores do pleito

A polarização, a complexidade do sistema partidário e a perda de confiança com as instituições desafiam o modelo representativo nacional. Às vésperas de mais uma eleição, especialistas avaliam os motivos do afastamento dos eleitores, que pode ser confirmado pelo avanço das abstenções e dos votos brancos e nulos

Descrença com a política afasta eleitores do pleito
Ainda que haja mais manifestação popular sobre temas políticos, há um paradoxo, pois o percentual de votos brancos, nulos e abstenções aumenta desde 2012. Créditos: Arquivo
Vale do Taquari

O fenômeno nacional visto ao longo das últimas eleições, de queda constante da participação dos eleitores, se percebe também no Vale do Taquari. Na votação de 2012, para prefeitos e vereadores, o total de abstenções foi de 26,2 mil. Quatro anos depois, mais de 50 mil pessoas não compareceram às urnas.

Nas 38 cidades da região, também se destacaram o voto em branco e nulo. Para o cargo de prefeito, houve crescimento daqueles que foram até a zona eleitoral e não escolheram nenhum nome (Confira no quadro).

A descrença com a política, a dificuldade em se sentir representado pelos partidos e uma sensação de crise institucional estão entre os motivos para essa elevação. Para analistas, se trata de um sinal de alerta. Ainda que não represente um risco de término para o modelo de democracia representativa, há grupos que suspeitam da lisura do sistema eleitoral.

O futuro da democracia

Para o mestre e professor do Centro de Ciências Humanas e Sociais (CCHS) da Univates, Sérgio Nunes Lopes, há um desencanto de uma parcela importante da sociedade.

Sobre o futuro do modelo democrático, realça: “O autoritarismo na atual conjuntura é crescente. A saúde da democracia no Brasil depende em que níveis e por quanto tempo esses discursos encontrão recepção na sociedade.”

Junto disso, frisa Lopes, é preciso romper com o discurso de menosprezo à política. “Têm muita adesão social o discurso do político que não se assume como tal. A partir do momento que os sujeitos se apresentarem como políticos entendendo a relevância dessa função para a conformação de uma sociedade, a democracia tende a ser entendida como um valor.”

Com 30 anos de atuação na área de marketing político, Max Montiel Severo, a democracia nacional é sólida. “O povo brasileiro é ordeiro e acredita na força do voto. O que acontece nos bastidores, na calada da noite com distribuição de ranchos, compra explícita de voto, é caso de polícia e não se atribui ao pleito embora possa influenciar.”

Na avaliação do professor dos cursos de História e de Relações Internacionais da Univates, Mateus Dalmáz, a democracia brasileira, tal qual a de outros países no Ocidente, tende a viver ciclos diferentes. “No Brasil, houve a onda neoliberal dos anos 1990, com a ideia do Estado mínimo e da participação na globalização via abertura de mercados. Depois, houve a onda de compromisso do Estado com o bem-estar social e de diversificação de parcerias no âmbito externo. Hoje, uma onda reacionária. Tal qual as anteriores, a tendência é a de saturação da onda atual.”

Radicalização inviabiliza o diálogo

Para o professor Sérgio Lopes, além da leitura sobre causa e consequência desse afastamento dos eleitores, há aspectos conceituais que precisam ser analisados. “Convém interrogar. Quem está representado na democracia representativa?”

Sobre isso, destaca que a procrastinação da reforma política deixa flancos para que grupos hegemônicos usem seus preceitos para levantar dúvidas sobre o modelo eleitoral e de governo, afirma o professor. “Como entender, por exemplo no caso do Brasil, que um presidente democraticamente eleito, faça referências elogiosas à ditadura reiteradas vezes?”

Como efeito, polarização política. “Há alguns pontos que merecem atenção. O primeiro deles é que a radicalização inviabiliza a escuta e torna impossível o diálogo. O diálogo é fundamental na democracia.”

Na avaliação de Lopes, a dicotomia esquerda e direita também mostra o grau de desconhecimento de muitos eleitores sobre essas posições. “Gosto de pensar, ainda que hipoteticamente, no efeito manada de afluência das massas por meio das relações líquidas dos múltiplos meios e profundidades discutíveis das relações sociais. Quais mensagens têm potencial adesão? Por quanto tempo provocarão ressonâncias?”, questiona.
Sistema do voto

O impasse na eleição norte-americana, em que o atual presidente, Donald Trump, não reconhece a vitória de Joe Biden, encontra eco no Brasil. Enquanto na maior democracia do mundo o resultado das eleições gera impasse, por aqui, alguns grupos dão amplitude às suspeitas sobre o modelo de votação pela urna eletrônica.

Acusações de fraudes são feitas inclusive pelo próprio presidente Jair Bolsonaro. Tais afirmações trazem mal-estar entre as instituições públicas. “As alegações de fraude sem comprovação são elementos que indicam o teor de apreço ao totalitarismo e a relativização dos valores democráticos”, critica o professor da Univates, Sérgio Lopes.

Para ele, a imprensa e os demais poderes e instituições representativas têm um papel fundamental na investigação e apresentação de versões embasadas e transparentes sobre todo o processo.

A (des)informação como método

O especialista em marketing político, Max Severo, analisa as mudanças com relação a busca de votos. De acordo com ele, o uso das mídias sociais se tornou uma ferramenta eficiente.

Porém, a partir da eleição de Donald Trump nos EUA em 2016, esse suporte passou a ser usado de uma forma agressiva, espalhando fakes news e despertando o revanchismo, diz Severo. “Foi um desastre para nós. Líderes políticos passaram a agitar seus seguidores e criaram um ambiente bélico no processo.”

Nas eleições deste ano, os ataques continuam, destaca Severo. Para ele, essa conduta precisa ser combatida com mais eficiência. “A Justiça Eleitoral fica esperando uma denúncia que precisa seguir um ritual para ser avalizada e nem sempre logra êxito, frustrando os partidos e incendiando ainda mais os brios das militâncias.”

Para o pleito de 2022, Severo acredita que haverá mudança no uso das tecnologias de comunicação. “Espero que as redes sociais deixe de ser o quintal do jardim de infância e sirva para a discussão de propostas sérias e realmente capazes de colaborar para a democracia.”

ENTREVISTA

“A sigla partidária quase que desapareceu da propaganda política dos candidatos”

Mateus Dalmáz, professor de História e de Relações Internacionais da Univates

• As eleições municipais diferem-se do pleito nacional. Com mais conhecimento do eleitor sobre os candidatos, há uma escolha mais baseada na pessoa do que no partido, analisa Dalmáz. Para ele, o eleitor conhece pouco sobre história, política, economia e relações internacionais, o que interfere na hora do voto.

• De que forma analisa o aumento dos votos em branco, nulo e abstenções? O motivo disso pode ser considerado um enfraquecimento da democracia representativa?

Mateus Dalmáz – Não necessariamente signifique enfraquecimento da democracia. Há muitos recados dados através de um voto nulo, sendo que eles podem estar ligados a um sentimento de não representatividade em relação aos candidatos a cargos majoritários numa determinada eleição, o que não se aplica aos candidatos a cargos proporcionais, cuja pluralidade partidária atende melhor anseios de diferentes campos políticos.
Há, sem dúvida, uma parcela do eleitorado que pretende passar o recado de descrença em relação às instituições democráticas, aos partidos e políticos, porém, não se trata de uma postura hegemônica, muito menos única e homogênea.

• Há uma aumento da dicotomia esquerda e direita. O que essa radicalização ocasiona sobre o processo democrático?

Dalmáz – A dicotomia radicalizada simplifica a leitura que se pode fazer do jogo político e dos perfis das mais diferentes candidaturas. Os campos políticos abrigam dentro de si diferentes tendências, de modo que se pode falar que há “esquerdas” e “direitas”, e não apenas uma única esquerda e uma única direita. Compreender as diferenças e subdivisões dos campos políticos é fundamental para a análise sobre político e a polarização enraivecida dos últimos anos reduz a capacidade crítica e analítica a respeito do perfil de candidatos, partidos e coligações.

• Como o modelo partidário interfere sobre a escolha do eleitor? Esse sistema complexo, com muitas siglas, pode dificultar o entendimento das pessoas sobre ideologia partidária?

Dalmáz – Parece que não é o modelo partidário que confunde o eleitor, mas o fato de partidos não ter coerência alguma em suas siglas, plataformas e coligações. O perfil do eleitor é o de conhecer pouco sobre história, política, economia e relações internacionais. Além disso, tem memória curta. Assim, o marketing político nas eleições tenta criar empatia dos eleitores com os candidatos, não tanto com o campo político e com a história daquele campo político. Os eleitores, em geral, votam “na pessoa” e não no partido. Por isso, os candidatos focam na biografia para se elegerem e não tanto na sigla partidária. Nos últimos pleitos e no atual, inclusive, a sigla quase que desapareceu da propaganda política dos candidatos.

Acompanhe
nossas
redes sociais