Importação de leite em pó volta a desestabilizar setor

Cadeia leiteira

Importação de leite em pó volta a desestabilizar setor

Representantes dos produtores pedem intervenção temporária para evitar nova crise. Dados da Secretaria Nacional de Comércio Exterior mostram que compras do exterior subiram 90% em setembro deste ano na comparação com o mesmo período de 2019

Importação de leite em pó volta a desestabilizar setor
Remuneração para os produtores teve alguns meses de alta. Com valorização, grandes indústrias passaram a optar pela compra de produto do exterior. Foto: Filipe Faleiro
Vale do Taquari

O segundo trimestre desse ano teve uma alta de quase 63% nas importações de lácteos. Setembro foi o mês com mais compras do exterior, chegou a 80%, conforme informações da Secretaria Nacional de Comércio Exterior (Secex).

Como o Vale do Taquari é a terceira maior bacia leiteira gaúcha, líderes regionais se mostram preocupados como os próximos meses. Entre eles, está o Conselho Regional de Desenvolvimento (Codevat).

Na avaliação da presidente, a economista Cintia Agostini, o preço do leite em pó para as grandes indústrias é mais atrativo do que comprar direto do produtor local. Até o segundo semestre deste ano, diz, a remuneração estava em alta, o que começa a se modificar. “Houve uma valorização devido a queda na oferta do leite. Agora, se percebe um problema que atinge não só a nossa região, mas todo o Estado e o país.”

Como o RS enfrentou uma seca entre o fim de 2019 e início deste ano, muitos agricultores ainda estão com dívidas das safras passadas, em especial no cultivo do milho usado para alimentação do plantel de vacas.

Para Cintia, é necessário pensar em alternativas para evitar uma nova debandada de famílias da atividade. “Precisamos de programas para sustentar a cadeia produtiva do leite.” Entre 2017 e 2018, a importação de leite em pó também foi o estopim de uma crise no segmento. Naquele ano, a entrada do produto superou 14 mil toneladas. O leite em pó é diluído com o produto in natura.

No RS, 95% da produção de leite é proveniente da agricultura familiar. A produção diária supera 12 milhões de litro e a cadeia equivale a mais de 9% do PIB gaúcho.

Manifestação nacional

Conforme a Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), a compra exagerada de leite em pó do exterior provoca um desequilíbrio na cadeia leiteira e pode fazer com que muitas famílias abandonem a atividade. Tanto que a entidade pede intervenção do governo federal, com uma suspensão temporária das importações.

O pedido foi feito por meio de nota pública divulgada na sexta-feira, dia 6 de novembro. Na avaliação da Abraleite, caso se mantenham os patamares de compras do exterior, outubro deve bater o recorde de leite importado desde 2007.

Custos de produção em alta

Somado a isso, há ainda o preço dos insumos agropecuários. A alta do dólar interfere sobre a alimentação animal. O farelo de soja e o milho custam mais do que o dobro na comparação com o mesmo período do ano passado.

Nas últimas semanas de outubro, a saca do milho, por exemplo, superou R$ 80. Em 2019, estava em R$ 36. O farelo de soja também alcança preços históricos. A tonelada custa negociada a R$ 2,7 mil, aumento de 106,8% no ano.


ENTREVISTA

Carlos Alberto Freitas, presidente executivo da Dália Alimentos

• Representante de uma das maiores cooperativas do RS analisa o cenário da cadeia produtiva. De acordo com Freitas, os custos de produção do Brasil são superiores e faz com que a compra de leite em pó seja ampliada pela grande indústria.

“Não há como evitar ou proibir essa importação”

• A Abraleite emitiu nota pública em que pede a intervenção federal na importação de leite. De que forma essa compra impacta a cadeia?

Carlos Alberto Freitas: Impacta de forma acentuada, pois o grau de competitividade da produção do leite brasileiro é inferior à produção do leite importado, que tem menor custo de produção e, por isso, entra em nosso país com preço inferior ao produzido aqui.

Desde julho as importações de leite em pó vêm aumentando, especialmente oriundas de países vizinhos – Argentina, Uruguai e Paraguai – e, pelo acordo realizado entre os países do Mercosul, não há como evitar ou proibir essa importação.

O preço do milho e do farelo de soja estão em alta, o que aumenta os custos de produção.

• Qual sua análise sobre a cadeia leiteira hoje?
Freitas: Todos os custos de produção estão em ascendência. Parte disso é consequência da valorização do dólar nos últimos meses, como também resulta da suspensão parcial da produção de muitas indústrias, em nível internacional, durante a pandemia.

A cadeia leiteira tem custos superiores aos preços de venda praticados no mercado, com o segmento enfrentando dificuldades. A tendência atual de redução cambial, se confirmada, provocará o aumento das importações de leite em pó.

De fato, a cadeia leiteira tem se caracterizado por períodos de boa rentabilidade com outros,deficitários. Trata-se de um ano atípico, que iniciou com forte estiagem, seguindo-se pela pandemia, pelas cheias e, atualmente, por um novo período de estiagem.

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