Câmeras camufladas revelam animais raros

Armadilhas fotográficas

Câmeras camufladas revelam animais raros

Duas iniciativas flagram a presença de espécies silvestres incomuns em recantos do Vale do Taquari. Em Lajeado, estudante de Biologia realiza levantamento de fauna do Jardim Botânico. No interior de Progresso, ex-morador registrou animais dos quais nunca ouvira relatos na região

Câmeras camufladas revelam animais raros
Estagiário do Jardim Botânico, Gabriel Prass fez o levantamento da fauna do local para seu Trabalho de Conclusão de Curso em Biologia. Créditos: Matheus Chaparini
Vale do Taquari
oktober-2024

Foi assistindo a uma reportagem na televisão, três anos atrás, que Gustavo Scartezzini decidiu investigar mais a fundo a fauna do interior de Progresso, onde se criou. A matéria contava a história de um produtor rural que instalou uma câmera fotográfica de disparo automático junto a um açude da propriedade para flagrar supostos ladrões de peixes. No lugar de criminosos, as imagens captadas revelaram onças, patos, iraras e outros animais.

“Pensei: ‘o que será que deve ter lá no terreno do pai? Será que é só bicho pequeno?’”, questionou Scarterzzini. Com uma câmera semelhante, comprada pela internet, ele passou a registrar animais silvestres que aparecem no mato dos 40 hectares, na localidade de Lajeado do Meio.

Conheça alguns dos animais flagrados por Gustavo Scartezzini e Gabriel Prass

Uma vez por mês, ele vai até a propriedade, retira o chip com o conteúdo e troca o equipamento de lugar. São cerca de 200 gravações mensais, de meio a um minuto cada. Dessas, geralmente não mais de três ou quatro são de interesse. A maioria é de passarinhos comuns, que acabam acionando o equipamento.

“Tem bastante veado. Ultimamente, apareceu paca, serelepe e até mão pelada, que eu sempre ouvia falar, mas nem sabia que bicho era”.

O mato retorna

Scartezzini viveu até os 12 anos no local e conta que não havia essa diversidade de animais. Ele acredita que a presença de diversas espécie silvestres tenha relação com o êxodo rural. De sua geração, poucas pessoas ficaram no interior, a maioria migrou para cidades maiores. É o caso dele e dos dois irmãos – Gustavo e a irmã vivem em Porto Alegre e o irmão, em Cachoeira do Sul. “Ou seja, a propriedade virou mato. Restaram só as lavouras mais perto de casa”, avalia.

Em relação a alguns animais flagrados por sua câmera, como macacos-pregos e garças, ele sequer ouvira relatos no tempo em que morava na propriedade.

As imagens captadas por Scartezzini podem ser acessadas no canal do Youtube: “Fauna do Rio Grande do Sul”.

Fauna rara em meio à cidade

A armadilha fotográfica é o principal método empregado no Trabalho de Conclusão de Curso do estudante de biologia da Univates Gabriel Prass. O objetivo da pesquisa é verificar quais espécies de mamíferos habitam o Jardim Botânico de Lajeado, onde Prass é estagiário. Com mais de 20 hectares, o espaço é a principal reserva verde na área urbana do município.

O equipamento é instalado de forma estratégica próximo a cursos d’água, árvores frutíferas ou trilhas. A pandemia acabou contribuindo com o trabalho. Durante quase todo o tempo dos dois meses de coleta de imagens, o Jardim Botânico esteve fechado ao público. Sem a presença humana, os animais circulam com mais tranquilidade pela área.

A espécie que mais surpreendeu o estudante foi o quati. “Não se tinha registro de quati no Jardim Botânico. Até agora, localizamos apenas um indivíduo. Provavelmente seja um macho, pois as fêmeas andam em bando. A dúvida agora é se ele vive ali ou estava de passagem”, afirma.

Efeito da expansão urbana

Ao contrário de Progresso, onde a retomada do mato pode ter influenciado para um aumento na diversidade de espécies silvestres, no Jardim Botânico, a expansão urbana causa efeito contrário. Outra hipótese levantada pelo estudante é do impacto causado pela abertura da avenida Benjamin Constant, que cortou a área do Jardim Botânico em duas partes.

Em 2010, um levantamento semelhante ao de Prass foi feito. Na ocasião, foram constatadas duas espécies que não foram encontradas pelas armadilhas atuais: o gato-do-mato-pequeno e gato-mourisco.

Nesse sábado, Prass encerrou a fase de coleta de imagens. Ainda este ano, ele apresenta o trabalho à banca examinadora.

Conheça alguns dos animais flagrados por Gustavo Scartezzini e Gabriel Prass

 

Entrevista

Ivan Bustamante Filho é médico veterinário • Realizou Pós-doutorado na UFRGS. Atualmente é professor da Univates. Ele explica a utilização das armadilhas fotográficas e destaca a importância de iniciativas que difundam conhecimento sobre o habitat em que vivemos.

“Por mais urbanos que sejamos, é importante o conhecimento do habitat”

• O que são armadilhas fotográficas e para que servem?

As armadilhas fotográficas são equipamentos colocados em pontos estratégicos na natureza, em matas, beiras de rios, pés de montanha, o tipo de habitat que quisermos estudar. Eles são disparados por sensores de movimento. Geralmente são colocadas em locais em que há necessidade de identificar a fauna e a presença do ser humano pode ser fator complicador.

• De que forma a expansão urbana, no caso da cidade, e êxodo rural, no interior influenciam na aparição de espécies silvestres?

O ser humano constrói o que chamamos de intervenção antrópica. A construção de um novo bairro ou mesmo uma lavoura causam impacto no habitat, pois mexem naquele ecossistema. As relações de trânsito, migração, criação de ninhos podem ser alterados. Nem sempre expansão humana vai afugentar ou acabar com determinada espécie. Tudo vai depender do tipo de espécie. O ser humano, como qualquer outro animal, faz parte do ecossistema e vai sofrer consequências da mesma forma que sua presença traz consequências às populações que já estavam ali.

• Qual a importância desse tipo de iniciativa do ponto de vista da educação ambiental?

É fundamental, como espécie humana, conhecermos em que contexto estamos inseridos. A espécie humana, em suas diferentes culturas, sempre buscou o transcendental, uma ligação com o divino, buscando se afastar das outras espécies. É importante a gente resgatar esse conhecimento dos animais, dos vegetais, das espécies que fazem parte do nosso ecossistema. E utilizar as mídia sociais para o pessoal saber que aqui podemos ter o famoso leão baio, o ratão do banhado, alguns mamíferos maiores, como a anta, que dá nome a duas cidades da região. Por mais urbanos que sejamos, é importante o conhecimento do habitat em que estamos inseridos.

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