“Às vezes a gente planta e não sabe se colhe”

Abre aspas

“Às vezes a gente planta e não sabe se colhe”

Lígia Delavy, 57, de Linha 22 de Novembro, Cruzeiro do Sul, se aposentou como agricultora faz dois anos.

Vale do Taquari

A senhora sempre trabalhou no campo. Como era na infância?
Nasci e me criei nessa propriedade. Desde pequeninha trabalhei na roça, junto com meu pai (Virgílio, falecido), minha mãe (Verena, hoje com 83 anos) e minha irmã (Jussara).
Sempre gostei de estar perto da natureza, de mexer com a terra. As coisas eram mais difíceis do que são hoje. Eu tive de parar de estudar com 12 anos, pois não tinha como ir para a escola. Não havia ônibus, ninguém tinha carro. Estudei até a 6ª série.
Fui voltar para a escola 13 anos depois. Eu tinha 25 anos quando fui fazer o supletivo e consegui me formar no Ensino Médio. Hoje as crianças do meio rural têm melhores condições. Podem estudar, tem escola perto e tem ônibus. As coisas melhoraram.

O que a senhora sente quando está trabalhando na terra?
É uma terapia. Tem que fazer muito esforço físico. Não é fácil. Às vezes a gente planta e não sabe se colhe. É semear e pedir a Deus. A experiência ensina muito. Hoje sei quando o solo precisa de mais adubo, quando a lavoura precisa de mais uréia. Tudo tem os seus segredos.

Como é ser uma mulher responsável pela propriedade?
As pessoas acham que no interior não se trabalha. Que se tem folga nos dias de chuva. Nesta pandemia, não paramos nenhum dia. Tem que tratar os animais, plantar, colher. Eu sofri preconceito. Quando era mais nova, tinha aquela ideia que a mulher era dona de casa. Muitos diziam que a gente não poderia receber aposentadoria. Queriam que a gente sempre fosse dependente dos homens.
Muitos falavam que as mulheres não entendiam de lavoura. Eu ia comprar semente, ficavam me olhando estranho. Ia pedir uma informação, fazer cadastro de terra, do talão, percebia que estranhavam.

A senhora casou?
Não.

Desculpe a indiscrição, mas por quê?
Por opção mesmo. Vamos dizer que não achei o amor da minha vida (risos).

Essa semana é dedicada ao aposentado rural. Por que essa data é importante?
Devido a todas conquistas que tivemos. Na época dos meus avós, o agricultor vivia quase que na miséria. Trabalhava até ficar velho, se adoecesse, era a morte, pois não tinha como se cuidar. Eu batalhei por todos eles. Fui às lutas em defesa dos agricultores e conseguimos muito. Hoje temos crédito para a lavoura, tem financiamento para construção de casas rurais. Isso não tinha. Se morava em casebre antes. Foi criado incentivo de crédito para as mulheres em específico. Essas são grandes conquistas.
Talvez a maior seja a aposentadoria. Meu avô morreu sem esse direito. Não é muito, é um salário, mas ajuda. Se não fosse esse dinheiro, teríamos muito mais miséria no nosso país.

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