SEIS MESES DE PANDEMIA

Pandemia no Vale

SEIS MESES DE PANDEMIA

Do medo do desconhecido a uma adaptação forçada

SEIS MESES DE PANDEMIA
Foto: Arquivo A Hora

O primeiro caso de covid-19 no RS foi em 29 de fevereiro. Foi necessário pouco mais de duas semanas para a doença surgir no radar das autoridades e profissionais de saúde da região. Antes mesmo de qualquer contágio, o Vale já tinha formado comitês de crise. Cidades começavam a instituir al­gumas restrições até que, no dia 16, fosse implementada a estratégia local.

Naquele momento, as transformações começaram. Aulas suspensas, aglomera­ções proibidas, restrições em eventos, na atividade econômica, e novas regras para atendimento em saúde nos hospitais, pos­tos e unidades de emergência. Tudo pensa­do para conter as contaminações ao máxi­mo do que fosse possível.

“Vivemos uma reviravolta. Tanto no cui­dado com o paciente, quanto para as equi­pes. Foram períodos de muito trabalho e de muita preocupação. Estávamos lidando com algo que não conhecíamos. Tínhamos informações de fora, mas tudo era muito novo”, relembra o coordenador da UTI do Hospital Bruno Born, Fábio Cardoso.

Conforme dados da Secretaria Estadual de Saúde, a condição atual da rede de aten­dimento do Vale do Taquari conta com 65 leitos de UTI. Deste total, hoje 20 vagas es­tão ocupadas com pacientes confirmados de coronavírus. Outras duas com suspeitos e 23 com internações por outras enfermidades.

O aprendizado no “front”

Do primeiro caso confirmado, ao início das internações, muitas dúvidas nas equi­pes de saúde. Não havia conhecimento sobre quais medicamentos poderiam ser usados. A chegada do paciente também era muito diferente do que técnicos, enfermei­ros e médicos estavam acostumados. “Eles chegavam conscientes, conversando, mas com baixa oxigenação no sangue. Quadro muito grave. Alguns não entendiam por que precisavam ser intubados.”

A pandemia hoje é diferente, conta o médico. “Ao longo deste tempo, aprendemos bastante e mudou muito o tratamento. Da época em que não sabíamos quais medicações aplicar, hoje temos mais clareza sobre os encami­nhamentos.”

Esses procedimentos vão des­de o pedido para exames. Na suspeita de covid-19, a tomografia mostra a situação dos pulmões. Também o exame de sangue já dá uma visão geral a respeito do paciente. O uso de corticóides e de anticoagulantes aceleram a recuperação. “Agora conhece­mos um pouco mais. Sabemos as nuances da doença”, diz o médico.

Impacto na renda, no emprego e na economia

Os primeiros meses de coronavírus no RS foram dramáticos. Decisões de fechar empresas, lojas, restringir atendimentos e produção na indústria trouxe desem­prego, falências e muitas dificuldades.

Os setores mais atingidos foram os serviços e o comércio. O presidente da Fecomércio, Luiz Carlos Bohn, realça os desafios enfrentados pelos empreende­dores. “Sustentamos que o combate à cri­se sanitária deveria ocorrer junto com o combate à crise econômica, defen­dendo a possibilidade de manter os negócios abertos”, realça.

O ano tinha começado bem para a economia, com saldo po­sitivo em janeiro e fevereiro. Na metade de março essa condição começou a mudar. Os dados do Cadastro Geral de Empregos (Caged) mostram que a queda foi drástica em abril. No acumu­lado, mais de 3,1 mil postos fechados no primeiro semestre.

Queda de demanda na indústria

O diretor da Federação das Indústrias do RS e coordenador do Conselho de Relações do Trabalho, Guilherme Scozziero Neto, destaca que os me­ses de março e abril foram os mais conturbados. A queda na produ­tividade e receita começa a dar sinais de recuperação, mas ainda em um percentual muito baixo.

Na avaliação dele, o rombo só não foi maior devido às políticas gover­namentais, como suspensão de contratos, antecipação de férias e autorização para re­dução da jornada de trabalho.

No geral, no primeiro trimestre de 2020, o PIB da Indústria do RS apresentou queda de 4,6% frente ao respectivo período do ano anterior, intensificando as perdas de 1,3% e 3,5% ocorridas nos dois tri­mestres anteriores.

Sobre os próximos seis meses, Scozziero afirma ser muito difícil fazer qualquer previsão. “Temos números de uma recuperação. Mas não se sabe o que vem pela frente. Esperamos que reduzam os números da pandemia e que protocolos possam ser flexibilizados. Assim a economia voltará a se movimentar.”


MARÇO

HOSPITAIS SE PREPARAM PARA O DESCONHECIDO

Com o primeiro contágio confirmado no RS, em 29 de fevereiro, dirigentes de saúde e representantes dos hospitais fazem projeções e traçam estratégias para evitar o colapso no atendimento à população.

Encontro em 16 de março estabeleceu os protocolos regionais de distanciamento, suspensão de eventos e reestruturação dos serviços nas casas de saúde. Foi feito um diagnóstico sobre as condições dos hospitais em termos de locais para isolamento, leitos de UTI e equipamentos para respiração mecânica.

“Precisamos estar preparados para que não ocorra como foi na Itália”, disse na época o especialista em saúde da 16ª CRS, Glademir Schwingel.

AS PRIMEIRAS CONFIRMAÇÕES

Dias depois da reunião, testes começam a chegar e confirmam o temor dos profissionais de saúde. O coronavírus está presente na região. O desafio das vigilâncias epidemiológicas era conseguir rastrear os locais de contágio.

Lajeado teve o primeiro paciente com a covid-19. Tratava-se de um homem de 57 anos que buscou atendimento no dia 20 de março. No mesmo dia, em Estrela, veio a segunda confirmação. Um homem de 20 anos que havia voltado de viagem do exterior.

ABRIL

COMEÇAM AS RESTRIÇÕES

Pessoas em casa, lojas fechadas e a aparência de cidade fantasma. O mês de abril foi o mais complicado para o Vale. Com atividades econômicas restritas às atividades essenciais, foram duas semanas de restrições. Junto com o medo da doença, a economia começa a sentir os efeitos da parada abrupta.

Em abril, Lajeado bateu o recorde de demissões. Foram 912 postos de trabalho fechados. Na região, março e abril foram de 3.439 vagas de emprego extintas. No dia 18 de março, o Estado anuncia a suspensão das aulas presenciais.

CONTAMINAÇÕES EXPLODEM

Junto com os primeiros casos em Teutônia (dia 13) e Arroio do Meio (dia 15), surge uma suspeita da contaminação de 300 industriários de um frigorífico de Lajeado.

A região também começa a registrar óbitos. Os dois primeiros foram em Lajeado, no dia 23 de abril. A vítima era uma mulher de 86 anos e um homem de 37 anos.

SURTO EM INDÚSTRIAS

Em frigoríficos de Lajeado, chegam às primeiras confirmações. Na metade de abril, a Minuano Alimentos afastou 750 funcionários, entre pessoas de grupo de risco, suspeitos e contaminações confirmadas. O índice de contágio é considerado alarmante. No dia 1º de abril, surge a primeira suspeita na BRF. Assim, duas das maiores empresas de Lajeado e da região precisam adaptar as rotinas, reduzir a produtividade e implementar mais protocolos de segurança em saúde.

SURTO EM LARES GERIÁTRICOS

População de maior risco, os idosos, são as principais vítimas da doença. O primeiro caso diagnosticado em um lar geriátrico da região foi em Lajeado, no dia 11 de abril.

MÁSCARA PASSA A SER OBRIGATÓRIA

A “nova realidade” obriga adoções de medidas de segurança. Lajeado institui o uso de máscara obrigatório no dia 24 de abril. Em seguida, mais cidades do Vale também decidem por esse recurso.

MAIO

HOMENAGEM AOS “HERÓIS”

No Dia do Trabalhador, 1º de maio, organização regional homenageia os profissionais de saúde. No Hospital Bruno Born (HBB), o músico Ricardo Petter, fez uma serenata para os funcionários da instituição. O ato foi transmitido ao vivo pelas redes sociais.

CUIDADO COM OS IDOSOS

Frente aos surtos em dois lares de idosos, o governo de Lajeado endurece as regras. A cidade tem 12 instituições do gênero. Dos nove óbitos até 12 de maio, três foram nas casas geriátricas. Ficou proibida a visita de familiares, aumento nos protocolos de higiene, monitoramento diário da vigilância, entre outras ações.

O município destina kit de tratamento, com antibióticos e hidroxicloroquina para serem usados, desde que com orientação médica e autorização dos pacientes.

PREVALÊNCIA DA COVID-19

No dia 15 de maio, é anunciado o Testa Lajeado. A pesquisa feita pela Univates é pensada para verificar o percentual de lajeadenses com anticorpos para o novo coronavírus.

JUNHO

A pandemia completa três meses na região. Lajeado está entre as cidades com maior incidência da doença no RS. Eram 1.564 casos confirmados, sendo 1.531 recuperados e 21 óbitos. Isso significa que 97,8% das pessoas contaminadas se recuperaram da doença.

KIT COVID

Sob muita polêmica, Lajeado adota quatro medicamentos para o tratamento de casos suspeitos de covid.O kit é composto por 4 substâncias (cloroquina/hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e zinco). O tratamento

foi elaborado por um grupo de médicos da região e se baseia em estudos científicos e experiências de outros lugares, como Pará.

Na esteira de Lajeado, todo o Vale do Taquari debate o uso do Kit. O assunto é tratado pelos prefeitos da região e a Amvat sugere a adoção do protocolo, desde que com orientação médica e aprovação do paciente.

JULHO

SURTO NO PRESÍDIO

O mês começa com um novo risco. No dia 3, é confirmada a contaminação entre detentos do presídio de Lajeado. Por se tratar de uma população de risco, muitos com doenças crônicas.

O primeiro caso foi no dia 18 de junho e outros três contaminados foram confirmados no dia 2 de julho. Mais 14 presos, todos da galeria B, apresentavam sintomas.

AGOSTO

MAIS AUTONOMIA AOS MUNICÍPIOS

Com a estagnação dos casos na região, e a disponibilidade de leitos, gestores públicos do Vale e a equipe do governo Estadual, debatem mudanças no distanciamento controlado.

Os municípios do Vale formam um comitê técnico para a gestão colaborativa para as atividades econômicas não essenciais. O chamado modelo de cogestão garante mais autonomia à região mesmo com instituição da bandeira vermelha.

SETEMBRO

VOLTA ÀS AULAS

Após mais de 150 dias de escolas fechadas, o Estado retira as limitações e repassa aos municípios a decisão de volta das atividades presenciais nas escolas. A rede privada da Educação Infantil pode reabrir nesta semana, no dia 14. No dia 21, o Ensino Médio privado e a Educação Superior, também podem receber alunos. As regras instituem o máximo de 50% da capacidade das turmas.


“Nenhum paciente ficou sem acesso à rede hospitalar”

Para a secretária, o modelo de distan­ciamento foi fundamental para manter o RS entre os estados com menores índices de óbitos. Ela realça ainda o esforço dos governos, tanto estadual, municipais e federal, para abertura de leitos. “Do­bramos também a capacidade das UTIs, de 933 para 1.856.” Isso fez com que não faltassem vagas para o atendimento da população, frisa.

A Hora – De que maneira modelo de distanciamento gaúcho ajudou?

Arita – Foi uma forma de monito­rarmos a situação nas 21 regiões, com alerta sobre as áreas em que os indica­dores não apresentavam melhoras no quadro da pandemia, restringindo as atividades sociais e econômicas.

Conseguimos equilibrar a abertura das atividades econômicas de um modo geral, de acordo com a pro­gressão e a velocidade do vírus e, ao mesmo tempo, permitindo o monito­ramento da taxa de ocupação de leitos.

O modelo evitou, sim, o colapso. Mas vale destacar que conseguimos estrutu­rar uma rede de atendimento hospita­lar que oferecesse o número de leitos de acordo com a necessidade provocada pela pandemia. Nenhum paciente ficou sem acesso à rede hospitalar, tanto de leitos clínicos quanto de UTIs.

Do começo da pandemia até agora, o que aprendemos sobre o vírus?

Arita – É um vírus que não tem fronteira, não escolhe raça, cor ou idade. É um vírus extre­mamente perigoso e que circula livre no nosso meio. As pessoas têm de se proteger para evitar a contaminação. Ainda temos muito a aprender. A vacina está em fase experimental, para que se tenha segurança em sua aplicação. E não temos ainda medicação indicada para o tratamento. Aprendemos algumas coisas, mas não sabemos tudo. Acredito que a ciência ainda vai nos dar respostas na medida em que o tempo passar.

De toda essa experiência, o que fica de lição para governo, entidades e à sociedade?

Arita – Para enfrentarmos a co­vid-19 não pode existir lado. Temos de estar juntos, unidos, pois é uma guerra. Na guerra, se não unirmos forças, não conseguiremos alcançar o objetivo de vencer a batalha contra esse inimigo invisível.

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