Como garantir disputas limpas no ambiente virtual

risco à democracia

Como garantir disputas limpas no ambiente virtual

Disparos de mensagens pelo WhatsApp, impulsionamento de propaganda fora da prestação de contas e uma máquina de desinformação para atacar adversários. Ferramentas comuns usadas na internet trazem perigo ao processo democrático, avaliam especialistas

Como garantir disputas limpas no ambiente virtual
Vale do Taquari

O modelo de negócio das mídias sociais depende do usuário. Cada curtida e compartilhamento garantem o sustento das plataformas digitais. Em meio à facilidade de acesso, a polarização política fica evidente. Cada informação distorcida, inverídica ou fora de contexto que envolva personalidades da política ou correntes de pensamento costumam ganhar destaque muito rápido.

Pesquisas sobre o funcionamento da economia de cliques e confirmam que as fake news têm 70% a mais de chance de serem difundidas do que notícias verdadeiras. Especialistas em marketing político, em tecnologia da informação e juristas alertam para o impacto desse fenômeno, inclusive com potencial de interferir na escolha dos eleitores em meio às eleições.

“Essa é uma preocupação latente nas diferentes esferas da Justiça Eleitoral. A desinformação usada como método está prevista na lei e estamos atentos a isso”, afirma o juiz Marcelo da Silva Carvalho, responsável pela 29ª Zona Eleitoral do Vale do Taquari.

A campanha deste ano será diferente. Há dúvidas quanto às regras para atividades presenciais, como bandeiraços, passeatas e comícios. Essa regulação depende dos decretos de distanciamento do Estado. O que se sabe é que a pandemia acentua o uso do meio digital como forma de contato dos políticos com os eleitores. Algo que já vinha ocorrendo, mas que terá maior escala agora.

“Essa será uma realidade. Espero que seja para o bem. Mas óbvio que pode acontecer usos nocivos. Não temos como impedir.” Para aumentar a fiscalização sobre condutas inapropriadas na internet, será importante o apoio dos partidos, do Ministério Público e até mesmo dos eleitores, frisa o magistrado.

Essas pessoas ou representações políticas poderão levar informações sobre o uso de artifícios vedados pela legislação à Justiça, informa Carvalho. Segundo o juiz, a função do judiciário nestas eleições é de intervenção mínima na campanha.

“Não podemos impor nem censurar as ideias. Mas defendemos o equilíbrio na busca dos votos, sem o abuso do poder econômico e midiático. Esperamos que essas eleições fiquem no campo das propostas e da discussão das ideiais, sem ataques pessoais”, resume.

A lei eleitoral para 2020 sofreu mudanças em comparação com o pleito de 2018. No caso de descumprimento das regras da campanha online, os responsáveis poderão ser condenados a pagar multa e, dependendo da gravidade, pode inclusive representar até perda do mandato.

Limite entre liberdade de expressão e calúnias

A promotora eleitoral, Ana Emília Vilanova, diferencia livre pensamento e a liberdade de expressão da prática dos crimes civis, como calúnia e difamação. Na análise dela, o compartilhamento de notícias falsas, informações distorcidas ou descontextualizadas estão presentes no cotidiano da sociedade.

Por outro lado, no âmbito eleitoral, essa conduta representa risco à normalidade e legitimidade das eleições, o que afeta diretamente a democracia, afirma a promotora. “A internet é o espaço, por excelência, do livre pensamento e da liberdade de expressão. Porém, eventuais abusos serão coibidos.”

Para Ana Emília, o eleitor será um dos grandes responsáveis pela fiscalização, por meio da apuração da veracidade das informações. A promotora também alerta para o risco de denúncia falsa com finalidade eleitoral. Já quem disseminar informações falsas também pode ser imputado o delito de denunciação caluniosa, com pena de reclusão de dois até oito anos, além de multa.

Polarização como estratégia

Assuntos polêmicos, que geram engajamento e provoquem embate. Muito do que aconteceu na campanha de 2018 pode se repetir agora, acredita o professor do curso de Comunicação da Univates, Flávio Meurer. “É aquela ideia de usar a polarização para trazer pessoas para o nosso lado”, destaca.

A tática é de “capitalizar o ódio”. “É aquilo: falem mal, mas falem de mim. Causar polêmicas e falar absurdos se transformou em estratégia para conseguir seguidores.” Para o professor, é preciso haver limites éticos dessa conduta nas redes. “Em termos de política, a mentira, a difamação, tudo deveria ser banido.”

Campanha na internet

• As redes sociais e páginas dos candidatos precisam constar no registro da candidatura;

• Páginas criadas por apoiadores não precisam estar no registro da Justiça, mas o autor deve ser identificado;

• É vedada a divulgação de ofensas ou difamações sobre outros candidatos. Tanto o político como o eleitor podem ser responsabilizados por essas condutas;

• Propaganda paga na internet não é permitida. Apenas o impulsionamento do conteúdo, que deve constar na prestação de contas;

• Esse impulsionamento só pode ser feito na conta oficial do candidato, do partido ou da coligação;

• Propaganda em sites de empresas ou órgãos públicos é proibida. Mesmo se for gratuita;

• Houve flexibilização sobre postagem ou propaganda. Qualquer uma delas publicada até 24h antes do pleito não precisará ser retirada do ar;

• É crime eleitoral impulsionamento ou propaganda publicada na véspera da votação (nas 24 horas antes). No entendimento da Justiça Eleitoral, se trata de boca de urna. Tanto o eleitor quanto o candidato responsável pela publicação podem ser responsabilizados;

• Os candidatos estão proibidos de contratar empresa ou agência terceirizada para impulsionar conteúdo eleitoral;

• A regulação permite envio de propaganda por aplicativos de mensagens. Porém, só pode ser usada a lista de contatos e cadastros do próprio candidato ou partido, sendo ele o responsável por enviar as mensagens.

ENTREVISTA

“O jornalismo de qualidade é a melhor maneira de se manter a salvo das fake news”

No mundo, aumenta o número de grupos ligados a campanhas de desinformação. Entre os quais o QAnon, criado nos EUA e que defende uma teoria da conspiração no qual os adversários do presidente Donald Trump são controlados por um “Estado profundo”, de uma elite que pratica pedofilia e satanismo. Apesar da trama delirante, ganham força. Para o professor universitário e especialista em marketing político, Paulo Pinheiro, o uso sistemático de mentiras representa risco à democracia.

A Hora – Como a transferência do debate ao meio virtual interfere na política e na visão do eleitor?
Paulo Pinheiro – Os impactos da covid-19 serão sentidos nas diversas fases do processo eleitoral, inclusive na convocação e treinamento de mesários. Muitos atos tradicionais de campanha serão prejudicados, como comícios, carreatas e convenções partidárias. Com tudo isso em jogo, é importante lembrar que a política corpo a corpo tão necessária e decisiva para uma eleição de vereador não será possível. Nesse momento, as redes sociais surgem com mais força. Os eleitores estarão usando a indicação de amigos, conhecidos, influenciadores para decidir o voto. E mais importante ainda os candidatos terão de estar preparados para defender as suas ideias e propostas nas redes sociais. Quem dominar os fundamentos de uma campanha política na internet terá grande vantagem em relação aos demais.

Qual o risco dessa dificuldade no resultado dos pleitos?
Pinheiro – Esse talvez seja o maior desafio da Justiça Eleitoral. O próprio TSE criou uma resolução com regras mais duras para impedir “disparo em massa de mensagens instantâneas”. Mas essa iniciativa foi criticada. O motivo? O texto não estabelecia de forma clara a diferença entre disparo e impulsionamento. Outra questão são os grupos de whatsApp que podem receber propaganda política. Qual seria o limite adequado para ser considerado um disparo em massa? Ao longo da evolução do processo eleitoral, medidas mais efetivas podem ser tomadas. Neste momento, ainda existe o risco de muitos candidatos utilizarem de artifícios para impulsionar conteúdo, obter vantagens e não colocar isso na prestação de contas.

Qual é a “vacina” contra a desinformação?
Pinheiro – Já existe há muito tempo. E ela se chama jornalismo. O jornalismo de qualidade com respaldo, com apuração rigorosa é a melhor maneira de se manter a salvo das fake news.

Acompanhe
nossas
redes sociais