Nossa caminhada – particular, familiar e profissional – é marcada por fatos felizes, mas também por lances penosos. Olho para trás nesta construção – tijolo a tijolo – que é a vida e faço avaliações, ainda mais, diante dos fatos presentes que estamos vivenciando, os quais facilmente acabam nos embrutecendo, o que é ruim. Quando nossas ações, a nossa relação familiar, a nossa relação com o próximo, o nosso ser enfim, não forem permeados pela emoção, liguemos o sinal amarelo e, logo ali, o vermelho. Adicionado a isto não mais nos permitirmos o choro, mesmo que silencioso e intimista, pequenos, mas maravilhosos, detalhes da vida nos passarão desapercebidos, numa perda preciosa e irreparável.
Se há algo que não volta é o tempo. Passa, inexorável. Os minutos dispendidos nesta leitura, até a esta altura do texto, já se foram na curva da estrada da vida. Por isto, no bom aproveitamento deste tempo, permeado pelo emocional, está um dos segredos do bem viver. Nossa existência, no contexto do tempo em que a humanidade já existe, não passa de um grão de areia.
E por que este viés diferente de tudo que já escrevi neste espaço, em que tenho o privilégio de me comunicar com milhares de leitores?
Porque estava naquele caminho do embrutecimento. Covid 19, Reforma Tributária, a polarização a respeito do Brasil, criminalidade, desemprego, tudo isto construíra um muro cada vez mais intransponível. Como se a humanidade jamais tivera dificuldades iguais ou piores.
Em decorrência, abandonara hábitos de refazimento do emocional, deixara de lado o caleidoscópio que me permitia ver as coisas coloridas. Já não mais enxergava que o caminho era ladeado por belas árvores e flores multicoloridas. Me fixara nas urtigas em meio a essa caminhada, que são apenas pequenos nichos, passageiras e sazonais.
A virada deu-se domingo passado, ao terminar de olhar a série “Greenleaf” que trata da saga de um casal negro americano. Pastores itinerantes, formam uma igreja com quatro mil almas, rica. E eles, também muito ricos. Só que sua vida se transformara num calvário de intrigas familiares e de congregados. E o casal, por futilidade, divorcia-se após 44 anos de casamento, refazendo, contudo, a relação e decidindo casar novamente. Ele, o queria de imediato. Ela não. O queria mais adiante, numa data especial. Só que, certa noite ele é vitimado por AVC fulminante. A partir daí, apenas lembranças e venerações diante de fotografias e imagens, permeadas pelo sentimento da perda de tantas coisas que poderiam ter sido diferentes, melhores, pautadas pelo emocional, pelo perdão. Mas o tempo escorrera entre os dedos, inexorável, sem retorno. E, novamente, me permiti um choro silencioso.
Quando algo me leva a um cemitério, caminho entre as lápides de pessoas nascidas e falecidas há décadas, senão há centenas de anos. Tento imaginar como foi sua vida. Suas lutas, alegrias, perdas e vitórias. Sua sensação de eternidade quando, bruscamente sua existência se foi e o que restou é repousarem ali, formando uma de tantas sepulturas.
Ao passar por um hospital em véspera de Natal, em deslocamento à casa de familiares para uma noite feliz e festiva, imagino o que estaria se passando em cada um daqueles quartos com luzes acesas e o que as pessoas que ali estão não dariam, para, naquele momento poderem, também, estar junto aos seus, nos seus lares.
E assim, nesta semana, a cada acordar, voltei a apreciar o nascer do sol, a encher os pulmões daquele ar gostoso, com um sentimento inigualável: ôpa, estou vivo. E, a me esperar, mais um dia gostoso, colegas, amigos, familiares e, as soluções para os problemas, no devido tempo. Voltei a viver no meu caleidoscópio imaginário.