“Autorizar as aulas presenciais a partir da próxima semana é inviável. O Estado foi sensato e entendeu que a grande maioria dos prefeitos era contra a proposta”. A afirmação do prefeito de Taquari e presidente da Federação das Associações dos Municípios do RS (Famurs), Emanuel Hassen de Jesus, resume o desfecho da conferência entre o Executivo gaúcho, representantes das gestões das cidades, Ministério Público e Tribunal de Contas.
De acordo com o secretário de Articulação e Apoio aos Municípios, Agostinho Meirelles, o governo considerou a rejeição de 94% dos prefeitos ao modelo proposto. Ainda assim, realça o propósito do Piratini em construir um modelo conjunto com as representações das cidades.
Conforme o secretário, serão agendadas novas reuniões com os prefeitos para as próximas semanas. “Como não houve consenso, e há uma grande rejeição ao calendário proposto, o Estado foi sensível a essa demanda. Mas afirmamos que esse debate continua aberto e não há condições de não haver ano letivo em 2020.”
A partir disso, um novo calendário para retomada será apresentado. Segundo Meirelles, o mais provável é de uma volta gradual das atividades presenciais entre o início ou meio de setembro. Do plano estadual, se mantém algumas diretrizes. Tais como: que seja facultativo aos municípios adotar o novo calendário; só regiões em bandeira laranja ou amarela terão autorização de retorno; cada escola terá um plano de contingência; e autonomia às famílias em levar ou não os filhos às escolas.
Evidências mundiais
A teleconferência teve participação do epidemiologista e ex-secretário Nacional de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira. O integrante da equipe do ex-ministro Henrique Mandetta, é co-autor de uma pesquisa sobre os reflexos do afastamento das escolas nas crianças e jovens, bem como os resultados da pandemia em países que retomaram as aulas.
De acordo com ele, a covid-19 nas crianças e jovens tem se mostrado menos agressiva do que os vírus da influenza. De acordo com ele, países desenvolvidos priorizaram a retomada das aulas presenciais a partir das crianças do Ensino Infantil devido ao menor risco de gravidade. “É um exercício que está se fazendo para a retomada das aulas. Cabe aos gestores decidir e eu estou apresentando evidências que podem contribuir para esta decisão”, afirma.
Ainda assim, destaca que o mais indicado é sempre um retorno gradual, com medidas de segurança e quando houver queda significativa no nível de contágio e de óbitos. “É preciso acompanhar esses dados. As melhores experiências no exterior foram de países que estavam com números em queda por no mínimo duas ou três semanas seguidas.”
Segundo ele, não se deve autorizar qualquer retomada com a curva em ascensão ou em platô (quando os casos ativos permanecem os mesmos por dias ou semanas seguidas). Mesmo nas nações em queda, a volta às aulas trouxe elevação nos contágios, ainda que em menor escala do que os picos. “Não existe risco zero. É preciso medir inclusive isso para não ter de fechar de novo.”
Na opinião do pesquisador, o mais indicado é ter um modelo localizado de reabertura, verificando a realidade de cada região, município e escola. Para garantir segurança, afirma ser fundamental estabelecer planos antes da percepção de queda dos indicadores da pandemia.
Prejuízo às crianças e jovens
Outro aspecto estudado por Oliveira diz respeito à importância da escola para a saúde dos estudantes. Com base nos dados internacionais, percebeu-se aumento nos casos de transtornos psicológicos.
Conforme Oliveira, nos EUA, 83% das crianças com diagnóstico psiquiátrico relataram piora nos sintomas durante a quarentena. “No Rio de Janeiro tivemos aumento das denúncias de violência doméstica durante o fechamento das escolas”, afirma.
Muitas dúvidas e poucas certezas
No dia 1º de setembro começa a montagem do próximo plano para retomada das aulas. A estimativa é que na metade do próximo mês algumas escolas já tenham liberação para atividades presenciais.
Para tanto, municípios e escolas precisarão ter um plano de contenção. Os detalhes sobre capacidade de alunos por turma, como será a alimentação escolar, o transporte e a definição de acesso aos educandários estão em desenvolvimento pela Secretaria Estadual de Saúde.
Uma prévia desse documento foi encaminhado aos municípios na tarde de ontem e devem embasar a construção da proposta coletiva, informa a secretária Arita Bergmann. Dentre os pontos com mais questionamento está à definição das equipes de professores e servidores às escolas.
A Famurs aponta para a necessidade de contratações pelo fato de muitos trabalhadores das escolas serem do grupo de risco. Pela insegurança jurídica criada a partir da vigência da lei eleitoral, os prefeitos podem responder processos e serem multados.
O promotor de Justiça e coordenador do gabinete de assessoramento eleitoral, Rodrigo Lopes Zilio, pesquisou o histórico de julgamento do Tribunal Superior Eleitoral sobre processos de contratações extratemporâneas.
De acordo com ele, não há como saber se a justificativa da pandemia pode ser usada como justificativa no indeferimento da abertura de processos. Como essas ações podem ser pedidas por qualquer pessoa, inclusive opositores, há chance de apontamento. “Não sabemos se a Educação terá tratamento diferenciado. A lei estabelece saúde, segurança e sobrevivência como contratações essenciais, indiferentemente se está ou não em período eleitoral.”
Frente ao risco jurídico para os gestores municipais, a Famurs ingressou com um pedido de informações junto ao Tribunal Eleitoral, para verificar se há algum novo entendimento sobre a lei durante esse período de pandemia.
Conforme o presidente da entidade, para viabilizar a possibilidade de retorno, é necessário dar garantias de que os prefeitos não sofrerão sanções jurídicas.
Principais considerações
• Susceptibilidade: crianças são significativamente menos suscetíveis à Covid-19, representando apenas 2% dos casos globalmente e 24% da população mundial
• Gravidade: a doença é menos agressiva do que a gripe (influenza) em crianças. Até 8/8 os EUA apresentavam 2,2 vezes menos óbitos por Covid comparado à influenza: 49 vs. 107 óbitos por influenza em crianças até 14 anos
• Transmissibilidade: a evidência nos locais onde houve reabertura mostra que crianças contribuem pouco para a cadeia de transmissão, mesmo quando frequentam a escola
• Vulnerabilidade: O fechamento das escolas oferece riscos irreversíveis à saúde das crianças, agravando condições psiquiátricas, comprometendo a segurança alimentar, aumentando a taxa de gravidez infantil, o número de abusos e maus tratos, uso de drogas e violência
• Desigualdade: crianças vulneráveis têm menos acesso à educação a distância de qualidade e sofrem mais com o fechamento de escolas; mulheres tem um comprometimento significativamente maior de sua atividade profissional, acentuando as já enormes desigualdades sociais e de gênero no Brasil.
• Impacto econômico: a manutenção do fechamento das escolas pode agravar a
recessão econômica, com prejuízos correspondentes a até 1% do PIB
Riscos apontados às crianças s aulas
• 30% das crianças em quarentena desenvolvem critérios clínicos para diagnóstico de Transtorno do Estresse Pós-Traumático
• Aumento das denúncias por violência doméstica durante o fechamento das escolas no Rio de Janeiro
• Dois terços das necessidades nutricionais das crianças são supridas pela escola nos EUA
• 83% das crianças com condições psiquiátricas relatam piora
dos sintomas durante a
quarentena nos EUA
Aumento na gravidez infantil com o fechamento das escolas na epidemia do Ebola em Serra Leoa. Abandono escolar e violência • infantil também aumentaram.
O que está definido:
- A proposta do Estado parte do mesmo critério em relação a uma possível volta às aulas. Primeiro com a Educação Infantil; em seguida o Ensino Superior; o Médio e o Técnico; Fundamental (anos finais); e; por fim os anos iniciais do Fundamental;
- Tanto a rede pública quanto à privada recomeçam juntas;
- Será facultativo aos municípios decidirem se aceitam ou não proposta estadual de retorno;
- Apenas regiões com bandeira laranja ou amarela terão autorização para abrir as escolas;
- Cada colégio precisa ter um plano de contingência;
- As famílias terão autonomia pra levar ou não os filhos às escolas.