Um plano e muitas dúvidas

Aulas presenciais

Um plano e muitas dúvidas

A sugestão de uma retomada gradual das aulas presenciais expõe as diferenças entre colégios públicos e particulares. Enquanto as escolas privadas investem na melhoria de infraestrutura, na adaptação dos espaços e na preparação do quadro funcional, nas públicas se convive com a incerteza de como garantir condições de segurança para receber alunos e professores

Um plano e muitas dúvidas
FOTOS: Arquivo
Vale do Taquari

A possibilidade de retomar as aulas a partir deste mês é motivo de preocupação para a família de Diogo Waick e Daisy Pappen. Com três filhos, acreditam ser muito cedo estipular uma data para volta, em especial devido à idade dos filhos.

O menino mais velho tem sete anos. As meninas, uma tem pouco mais de um ano e a caçula está com três meses “Crianças nessa faixa etária não sabem se cuidar. Em especial nas creches. Conversamos sobre isso e, caso as aulas voltem, não vemos condições de mandá-los às escolas”, diz a mãe.

Daisy é comerciária e está em licença maternidade. O marido em licença saúde devido a um acidente. “Por enquanto estamos conseguindo manter. Caso eu tenha de voltar ao trabalho, vou negociar férias e levar do jeito que der.”

Os dois primeiros filhos do casal frequentam escolas públicas municipais de Lajeado. “São ótimas escolas, mas não sei como as professoras das creches conseguiriam cuidar de uma criança sem se aproximar.” A mais nova só poderá ser inscrita para busca de uma vaga quando houver definição quanto ao futuro das atividades nos educandários.

A preocupação dos pais também está presente nas autoridades públicas e no quadro funcional das escolas. Para as entidades ligadas ao setor público, como a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e do sindicato dos professores (Cpers) consideram inviável reabrir as escolas neste momento, em especial de Educação Infantil.

Já a representação das instituições particulares realça que os colégios estão preparados para receber os estudantes. Ao mesmo tempo, também defendem que a escola tenha autonomia para decidir quem volta primeiro.

Os pais Diogo e Daisy estão inseguros quanto ao retorno da filha de um ano para a creche pública

Em comum, essas duas redes reafirmam uma postura de que a família tenha o poder de decidir se deve ou não enviar os filhos às escolas, junto com a garantia de que esse aluno em casa também receba conteúdos e faça atividades.

Toda essa discussão ganhou mais força nesta semana com a proposta do governo do Estado para volta das aulas presenciais a partir do dia 31 de agosto. Primeiro com a Educação Infantil, depois de duas semanas para o Fundamental e assim consecutivamente até o dia 8 de novembro com o retorno das instituições de Ensino Superior.

“Somos favoráveis ao retorno”

A vendedora de seguros de Lajeado, Fabiane Mezzacasa Pin, tem um casal de filhos matriculados em uma escola privada da cidade. O menino tem 10 anos e está no 5ª ano do Ensino Fundamental. A filha tem 16 e está no 2º ano do Ensino Médio.

Como estão em uma idade com mais autonomia, poderiam seguir os protocolos de saúde, diz Fabiane. “Somos favoráveis ao retorno. Nossos filhos não têm complicações de saúde e vejo que hoje é necessário para que tenham de novo o convívio com colegas e com os professores.”

Na avaliação dela, ainda que os filhos estejam cumprindo com uma rotina similar ao do período antes da pandemia, há prejuízos para o aprendizado. Fabiane também reconhece que é preciso avaliar cada cenário. “Uma criança em idade de creche é mais complicado. Se eu tivesse um filho nesta faixa etária, acho que optaria por mantê-lo em casa.”

Preparação das escolas

As diferenças entre instituições públicas e privadas ficam ainda mais visíveis quando se verifica os movimentos para adaptar as estruturas. Enquanto na rede particular há planos já determinados voltados à segurança em saúde, nos colégios públicos estaduais pouco foi feito.

O diretor do Colégio Evangélico Alberto Torres (Ceat), Rodrigo Ullrich, afirma que a instituição tem condições de retornar com aulas em todos os níveis. Ainda assim, defende que não haja imposição por quais séries deveriam retornar primeiro.

Pela estratégia do colégio, caso seja mantida a volta para a Educação Infantil, há um bloco inteiro só para esse público. “Temos um protocolo pronto desde junho. Já foi enviado ao governo do Estado e atendemos todos os requisitos. Até fizemos mais e vamos instalar câmeras com medição de temperatura na entrada e saída da escola.”

Ainda com todo o investimento, o plano é de uma volta gradual, de uma turma por série, evitando ao máximo a aglomeração. Inclusive com a criação de uma “brigada covid” dentro da escola. “Faremos uma busca ativa em caso de algum com suspeita da doença, com possibilidade de rastrear quem foram os contatos desse aluno ou mesmo professor”.

Inclusive também é prevista a testagem em todo o corpo de funcionários. O colégio tem 1,1 mil alunos e cerca de 200 funcionários.

a às instituições públicas. No maior colégio da região, o Castelo Branco, o sentimento é de incerteza. “Não temos como afirmar nada neste momento. Como gestor de escola, frente ao que os especialistas em saúde dizem, é praticamente inviável retornar”, afirma o diretor, Marcos Dal Cin.

Frente à necessidade de estabelecer um plano de contingência, afirma que esse processo foi iniciado em junho e parou por quase dois meses. Só voltou a ser elaborado nesta semana, quando houve reunião com a Coordenadoria Regional de Educação.

Sem máscaras e sem álcool gel

Conforme Dal Cin, a escola formou uma comissão para elaborar o plano de volta e há um roteiro básico enviado pelo Estado de como formular esse documento. Para ele, não depende só do que está escrito no papel, mas de como chamar os alunos e atendê-los com segurança. “Há muitas dúvidas: como será cumprir o distanciamento pela estrutura que temos hoje? Vai ter merenda? Como será a chegada desse estudante na escola? É uma situação complicada”.

Para fazer as adaptações na escola, será preciso investimento e contratações, afirma Dal Cin. “Até agora não temos nenhum indicativo de onde virão esses recursos. Fizemos alguns investimentos, muito tímidos, como a instalação de suportes para álcool gel e para sabão líquido nos banheiros.”

Neste momento, afirma que nem máscaras, luvas e álcool gel foram disponibilizados pelo Estado, apesar da escola estar aberta para entrega de materiais impressos para alunos sem acesso à internet.

O Colégio Castelo Branco tem quase mil alunos matriculados. São 75 professores e 15 funcionários. Muitos deles em idade avançada e do grupo de risco, alerta Dal Cin. “Caso volte, como será? Poderemos chamar esses professores e funcionários? Não temos informações para responder isso”, frisa o diretor.

 


“Não há como substituir a escola”

Pâmela de Freitas Machado, psicóloga especialista em terapia de casal e família

Os colégios são mais do que um local de aprendizagem. Ajudam as crianças e os jovens a se conhecerem, a estabelecerem relações e aprenderem mais do que conteúdo. Em meio à pandemia, aceitar essas imposições de afastamento e não tratar 2020 como um ano perdido são lições para estudantes e às famílias, frisa a psicóloga e docente da Univates.

A Hora – Após quase cinco meses afastados, como a volta às aulas impacta sobre os alunos?

Pâmela de Freitas Machado – Não temos como antecipar. Estamos vivendo essa pandemia. O que podemos fazer são perspectivas, pois há uma interferência na vida. Toda a incerteza desta pandemia gera ansiedade nos pais e nos alunos.

Mas isso tudo varia. As crianças menores não têm dimensão de tempo. Para os adolescentes isso é diferente. Depende muito de como essa família também vivenciou esse distanciamento, do quanto os alunos tiveram contato com as escolas e com os colegas. Neste momento, o importante é ir com calma.

Teremos outra organização. Tudo muito diferente do que era e extremamente novo. Vamos ter que descobrir com o tempo.

Como o afastamento do convívio com colegas e professores interfere sobre a sociabilidade dos estudantes?

Pamela – Antes da pandemia essas gerações já estavam imersas no mundo digital. Atendo famílias e percebo que os jovens se falam muito. Ainda que seja de forma digital, isso não deixa de ser uma forma de se socializar.

O que está diferente é o local. Na escola se encontravam. Agora isso passa por uma resignificação desse espaço. O ser humano tem a necessidade de socializar. As pessoas sempre dão um jeito de criar esses grupos de pertencimento. Os jovens estão fazendo isso. Estão em contato na forma virtual, seja para conversar ou nos jogos eletrônicos.

Como trabalhar essa retomada, seja no Ensino Infantil ou no Ensino Médio?

Pamela – Precisamos reconsiderar o pensamento de que se as crianças não estão na escola elas estão perdendo. Perdendo conteúdo, me refiro. Temos de entender que o aprendizado de crianças e de adolescentes é mais do que conteúdo. O que estamos vivenciando traz outro tipo de experiência com outros aprendizados.

Então não dá para achar que precisa voltar às aulas a todo custo para não perder o ano. Não há como fingir que a pandemia não aconteceu e que não está acontecendo. Isso faz parte. O vamos “perder” o ano tem de ser entendido como a vivência em um período atípico.

Precisamos assimilar isso tudo. Saber que esse ano existe e que nos fez aprender coisas que talvez não conheceríamos se não fosse tudo isso.

Algo bem importante é reconhecermos. Não há como substituir a escola. Estar com a família em casa não é a mesma coisa. A escola não existe só pelo conteúdo. Há todo o convívio, o compartilhamento com o outro, as suas regras de comportamentos.

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