“Os casos de racismo no futebol estão aumentando ano a ano”

Entrevista da Semana

“Os casos de racismo no futebol estão aumentando ano a ano”

Criador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho acredita que o debate sobre racismo no esporte precisa ser cada vez mais ampliado

“Os casos de racismo no futebol estão aumentando ano a ano”
A falta de informações sobre os casos de racismo no futebol brasileiro fez com que Marcelo Carvalho criasse o Observatório em 2014 Foto: Igor Sperotto
Estado

De onde surgiu a ideia de criar o Observatório da Discriminação Racial no Futebol?

Marcelo Carvalho – A ideia surgiu em 2014, quando ocorreram três casos de racismo em sequência no Brasil, com o árbitro Márcio Chagas da Silva e os jogadores Tinga e Arouca. Foi no ano que o Brasil sediou a Copa do Mundo e esses casos chamaram a atenção da sociedade brasileiro e do mundo inteiro. O Brasil sempre se vendeu como o país da democracia racial, e esses casos ligaram um sinal de alerta. Então pesquisei com que frequência os casos de racismo aconteciam no futebol brasileiro, e não achei a informação. Então resolvi criar um perfil aonde a gente pudesse colocar todos os casos que a mídia denunciasse. Um local em que a gente pode acompanhar os desdobramentos desses casos.

Como estão os casos de racismo no futebol brasileiro?

Carvalho – Lançamos uma vez por ano o “Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol Brasileiro”. É um relatório com todos os casos noticiados pela mídia esportiva no ano. Com o relatório, nós temos a certeza que os casos de racismo no futebol estão aumentando ano a ano. No primeiro relatório, em 2015, trouxemos 20 denúncias de racismo no futebol brasileiro. No último relatório, referente à 2019 e que está em fase final de elaboração, nós temos monitoradas 65 denúncias de racismo no país. A curva só tem crescido.

O que faz com que hajam tantas denúncias de racismo no Brasil?

Carvalho – O primeiro fator é o momento político que a gente vive no Brasil e no mundo. Diversos governantes estão expressando discursos de ódio, isso faz com que as pessoas preconceituosas e racistas se sintam mais a vontade para expressar o seu racismo. Outro fato para que hajam mais denúncias, é uma maior conscientização de jogadores e de torcedores. Essa conscientização faz com que as pessoas quebrem o silenciamento que sempre foi marca no futebol brasileiro quando falamos de racismo e posicionamento social. Os atletas, durante muito tempo, acreditavam que sofrer racismo fazia parte do “pacote futebol”. Muitos não denunciavam esses incidentes. O que se percebe hoje é uma maior conscientização desses atletas. Uma quebra do silenciamento. Também temos um crescente número de torcedores que estão se organizando em coletivos. Seja contra o machismo, contra o fascismo ou a LGBTfobia. Então são dois os principais fatores: o aumento dos incidentes, e uma maior conscientização de todos os envolvidos.

Como é o engajamento dos atletas nessa luta antirracista?

Carvalho – Temos ao longo da história uma série de represálias aos atletas que se manifestaram. O atleta, na maioria das vezes, vai lembrar dessas represálias e vai acabar decidindo não se manifestar. Esse é o histórico do Brasil. Com o movimento “Vidas Negras Importam”, o que podemos constatar, é que temos alguns atletas jovens que estão se manifestando cada vez mais. Temos o Gregore, no Bahia. Temos o Jean Pyerre, do Grêmio. O Richarlison e o Paulinho que estão fora do país. É um início ainda tímido, mas já é um começo. O que olhamos de forma geral é para os atletas de mais destaque. O Neymar, por exemplo. Então dizemos que o Neymar não se manifesta sobre a questão racial. Mas o que penso é que a gente primeiro precisa entender o porquê desses atletas não se manifestarem. E então, precisamos valorizar os atletas que estão se manifestando. A gente acredita que esse debate sobre o racismo no Brasil e no futebol é um debate novo. E que precisa ser cada vez mais ampliado. Não é um debate pronto, por isso é tão importante a participação de todos.

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