A construção civil é o “termômetro da economia”. Nos anos de crescimento econômico do país, o segmento acompanha os índices positivos, gera emprego, renda e atrai investimentos.
Com a pandemia do novo coronavírus, muitas certezas viraram dúvidas. Em meio à falta de perspectivas quanto ao futuro, o setor também enfrentou dias de aflição. Empreendedores e analistas agora conseguem enxergar com mais clareza os desafios e as oportunidades que vem no horizonte.
“A chegada da pandemia foi de muita preocupação. Ficamos duas semanas parados, como vários outros segmentos. O cenário era de muito pessimismo”, relembra um dos diretores da Construtora Diamond, Gustavo Schmidt.
Diferente da indústria alimentícia, que viveu surtos da doença nas linhas de produção, a construção, até pelo modelo de trabalho nos canteiros de obra, conseguiu uma adaptação mais ágil, sem histórico de contágio entre as equipes.
Passados os dois primeiros meses de pandemia, há uma retomada dos investimentos, afirma Schmidt. “Apesar da situação econômica desfavorável, percebemos que ocorre uma procura por investimentos no ramo imobiliário.”
Esse volta gradual do otimismo para o setor se confirma pela Federação das Indústrias do RS (Fiergs). Por meio do Índice de Confiança do Empresário Industrial – Construção Civil – se percebe uma evolução nos números depois de abril e maio terem os piores resultados em anos.
Os indicadores variam de zero a 100 pontos, sendo que valores acima de 50 apontam para avaliações positivas por parte dos empresários. Conforme a federação, a confiança do setor cresceu para 41,2 em junho. Uma evolução de sete pontos em relação a maio.
Adaptação ao mercado
A construtora Diamond mantém projetos de alto padrão e, conforme o Schmidt, a meta de vendas está sendo cumprida. Diversos fatores contribuem para esta realidade, passa pela queda nas taxas de juros e pelo fato de ser um investimento sólido, com menos variação frente à instabilidade da bolsa de valores ou do câmbio.
A percepção dele é similar a de Mateus Pedó, da Pedó Imóveis. “Quando começou a doença, ainda em março, algumas construtoras que temos contatos mostravam muito temor. Elas estavam se preparando para uma guerra”, realça.
A estimativa era de um congelamento total das vendas, com impacto nos prazos de construção e nas metas. “A preocupação era geral. Fechamos por uma semana. Depois começamos com trabalhos internos, com home office. As reuniões eram diárias.”
Com a retomada quase normal do trabalho, a surpresa: “fechamos o semestre dentro da meta prevista no início do ano. O que perdemos em março e abril conseguimos recuperar em maio e junho.”
A diretora da Imobiliária Antares, Fabiana Althaus Engster, relembra a surpresa das restrições às atividades econômicas. “Ficamos fechados por duas semanas. Na terceira voltamos a atender, mas de uma forma muito diferente. Não permitíamos a entrada das pessoas. Atendíamos na porta.”
Naqueles dias, os negócios estagnaram. “Em seguida percebemos que era possível atender de outra forma. Começamos a optar pelos meios on line. Tivemos uma venda em que a pessoa viu o imóvel no site. Foi até o local e fechamos a negociação toda pela forma virtual.”
De acordo com ela, aos poucos o segmento imobiliário retoma a condição normal. “As pessoas ainda têm mais cautela no investimento, mas não pararam.” Na avaliação de Fabiana, medidas econômicas governamentais facilitaram o acesso a financiamentos, o que contribuiu com todo o segmento. “Também percebemos que aqueles com dinheiro guardado estão com receio de deixar na aplicação e optando por investimentos mais seguros, que é o caso dos imóveis.”
Pela perspectiva dela, até o fim do ano o setor imobiliário e de construção tenha indicadores próximos do período antes da pandemia. “Tenho bastante otimismo. Mesmo que seja devagar, as coisas já estão melhores do que nos meses anteriores.”
Esperança com o futuro
O diretor da Lyall, Roberto Lucchese, parte do pressuposto de que a construção civil vive um momento distinto de outras atividades. “Fizemos a campanha ‘a obra não para’ muito para mostrar a importância da continuidade dos negócios e do trabalho. Nossa conduta foi de seguir o planejamento, pois temos responsabilidade com os funcionários e suas famílias. Não poderíamos parar e ficar em casa enquanto essas pessoas tivessem perdas no seu sustento.”
De acordo com ele, ficou comprovado que a atividade no canteiro de obras tem baixo risco de contágios, o que trouxe condições inclusive para que a construção seja a principal alternativa de investimento frente às condições propícias da baixa dos juros.
Para o Vale do Taquari, estima que os próximos meses serão de evolução. “Estamos no meio da pandemia, mas o cenário pós é empolgante. Acredito que 2021 será tudo o que deveria ter sido este ano.”
Adaptação e mais tecnologia
O arquiteto e professor da Univates, Rodrigo Spinelli, avalia as mudanças causadas pela pandemia na atividade de construção. Esses movimentos vão desde a necessidade dos clientes para adaptar a casa para o trabalho remoto, ao uso de tecnologia nos canteiros de obras e no atendimento ao público.
“A pandemia acelera as transformações. As construtoras estão revendo as estratégias para implantar tecnologias construtivas, com mais observância de regras técnicas e ainda mais atenção ao planejamento das obras, para que se tenha um projeto de qualidade.”
De acordo com ele, essa preocupação é uma busca de mais racionalidade nas obras, como uma forma de aproveitar melhor os insumos e evitar desperdícios. “A pandemia vai obrigar o aperfeiçoamento de todo o trabalho.”
O também professor e arquiteto Augusto Alves corrobora com essas afirmações. Ele acrescenta ainda o cuidado com a saúde dos trabalhadores. “Os operários já trabalham dentro de normas de segurança de trabalho. Para evitar a disseminação da covid, basta acrescentar alguns protocolos. Isso, sem dúvida, garante uma expressiva queda no risco de propagação da doença no ambiente de trabalho.”
Importância econômica
A indústria da construção envolve 91 atividades econômicas. Vai do barro até os acabamentos. Frente ao amplo leque de atuações, é difícil estabelecer um percentual na geração de renda.
Pelos dados da Federação das Indústrias do RS (Fiergs), toda a geração de riquezas das indústrias brasileiras no ano passado superou os R$ 20 bilhões. Deste total, estima-se que 20% tenha sido da cadeia da construção.
Com base em dados do IBGE, essa renda é gerada por obras de infraestrutura, edificação e serviços especializados. Sem considerar o comércio de materiais, a contratação de profissionais autônomos ou gastos com mobiliário e decoração.
Na economia regional, o segmento é um dos mais importantes.
Nos 38 municípios da região, contabilizando organizações privadas, prestadoras de serviço e empresas, são mais de 30 mil cadastros. Nas maiores cidades, essa representação é ainda mais evidente.
São mais de mil empresas ligadas ao setor no Vale do Taquari. Lajeado concentra a maioria, com cerca de 470 CNPJs. A organização dessa estrutura parte do Sindicato das Indústrias da Construção Civil, Mobiliária, Marcenarias, Olarias e Cerâmicas para a Construção, Artefatos e Produtos de Cimento e Concreto Pré-Misturado do Vale do Taquari (Sinduscom-VT).
Construção de um Vale
A participação e importância do setor à região podem ser vistas no desenvolvimento urbano das cidades, afirma o secretário de Planejamento de Lajeado, Giancarlo Bervian. A maior cidade da região é o maior exemplo dessa evolução.
O fim da década de 80 foi o marco da urbanização. O território dedicado à produção primária foi sendo reduzido. Começou com as emancipações e depois com as expansões urbanas. Hoje o município tem 1% estabelecido como sendo área rural.
Com a necessidade por mais moradias, algumas decisões foram tomadas sem um planejamento adequado. Equívocos trouxeram dificuldades, em especial no saneamento básico, mobilidade urbana e gastos com infraestrutura pública.
Para corrigir essas discrepâncias e evitar novos problemas, o Plano Diretor foi reelaborado. O documento estabelece novas regras para o crescimento ordenado da cidade às próximas décadas. No caminho para o futuro, o planejamento das cidades se torna fator decisivo para melhorar a qualidade de vida, evitar gargalos, seja no trânsito e no saneamento básico.
“Foram visitados os 27 bairros, com 30 audiências públicas. A preocupação desse documento é que o bem coletivo se sobreponha ao interesse individual”, afirma o secretário.
O documento não pode ser votado ainda devido à pandemia, que forçou mudanças nos prazos para o trâmite do projeto. Comissões parlamentares fizeram emendas, que estão em análise pelo grupo de trabalho, conta Bervian.
Mesmo ritmo
Com base nos dados da fiscalização, análise de projetos arquitetônicos e emissão do habite-se, a construção segue em níveis semelhantes ao período anterior a chegada do coronavírus, afirma Bervian.
“O trabalho permanece e chama atenção o volume de projetos para residências, sobrados, prédios que passam pela secretaria todas as semanas”, relata o secretário. “As obras não pararam. Em conversas com profissionais da área de arquitetura, eles se mostram bem satisfeitos com o andamento da atividade.”
Aposta na Serra
Nesta semana, o anúncio da Construtora Zagonel do investimento de R$ 40 milhões para a edificação de sete torres residenciais em Gramado chamou atenção do estado. Conforme o proprietário da empresa, José Zagonel, serão 186 apartamentos, com uma grande estrutura de lazer.
O condomínio se chamará AIRE Gramado. O projeto é entregar a obra em 18 meses. O complexo terá piscina aquecida, espaço para animais de estimação e praças. Os apartamentos partem de R$ 291 mil com um dormitório, R$ 349 mil para dois dormitórios com uma suíte, R$ 430 mil nos dois dormitórios com duas suítes e R$ 560 mil para três dormitórios com três suítes. O AIRE Gramado é o terceiro empreendimento da construtora de Lajeado na Serra Gaúcha.
Entrevistas
José Zagonel – Presidente do Sinduscon-VT e diretor da Construtora Zagonel
“O momento é favorável para quem compra”
Muito estoque faz os preços baixarem, afirma Zagonel. O presidente do Sindicato das Construtoras do Vale do Taquari (Sinduscon) enaltece a qualidade e o perfil inovador das empresas locais e acredita que o segmento será a força motriz da retomada econômica do país, estado e da região.
A Hora – Após o baque das primeiras semanas de pandemia, qual o cenário da indústria da construção civil?
José Zagonel – Tivemos um impacto muito grande, com paralisação de obras. Depois voltamos em menos turno. Felizmente agora está normal, trabalhando dentro do horário. Primeiro momento preocupou demais, pois não dá para se manter funcionários parados com uma folha de pagamento alto. A solução foi dar férias e conseguimos administrar bem. Queria a Deus que não tenhamos novas paralisações, pois se traz muitas dificuldades.
Em conversa com diversos empresários do setor, percebemos que há uma volta do otimismo, pois os negócios ocorrem apesar da crise. A que se deve isso?
Zagonel – Aos poucos os negócios estão sendo retomados. Não com a mesma fluência, mas o otimismo é muito grande entre os empresários e acreditamos muito que a economia vai se recuperar e vamos contribuir com isso.
Com relação ao mercado regional, quais as condições para os negócios?
Zagonel – A situação não é totalmente favorável. Na nossa região temos um grande número de empresas e muita oferta de imóveis. O momento é favorável para quem compra. Há estoques e os preços estão baixos. Na medida em que a economia voltar a crescer, haverá maior valorização dos imóveis.
André de Nunes – Economista chefe da Fiergs
“Podemos afirmar que o setor inicia um processo de retomada”
A cadeia da construção é heterogênea, com a participação de diversos setores produtivos. Se trata de um investimento de médio e longo prazo, que precisa de estabilidade econômica, afirma o economista. Ainda com um cenário incerto, André de Nunes acredita ser necessário manter a agenda de reformas estruturantes do país.
A Hora – Após o baque das primeiras semanas da pandemia, qual é o cenário da indústria da construção civil?
André de Nunes – De fato, o impacto mais intenso, não só na construção como em toda a atividade, ocorreu nos meses de março e abril. Em maio já vimos que a queda foi menos intensa e em junho também.
Ainda assim, a produtividade está abaixo do usual nas indústrias gaúchas, mesmo que a construção tenha tido menos restrições.
Para os próximos meses, vemos que há uma possibilidade de crescimento gradual. Ainda que não seja uma recuperação com grande confiança e vigor conforme os empresários relatam na pesquisa da sondagem industrial. Sobre a intenção de investir e lançar novos empreendimentos, os resultados são mais positivos.
De que maneira a construção civil pode ser uma das condutoras da retomada econômica do país, do estado e das regiões, como o Vale?
Nunes – O setor é intenso em mão de obra. Mobiliza uma grande cadeia de fornecimentos, seja de bens industriais ou de serviços. Acaba que a construção é um setor fundamental à retomada econômica em todos os níveis, pois há uma grande gama de prestadores de serviços, terceirizados, de empresas menores e regionais envolvidas na cadeia.
Primeiro a alta demanda de mão de obra e de serviços especializados. A utilização de empresas de médio e pequeno porte e a mobilização da cadeia de suprimento e transporte. Isso faz com que se movimente muito a economia das regiões na medida em que haja uma retomada das construções. Em termos agregados acaba por contribuir ao crescimento do país.
Por que o setor é considerado o “espelho econômico” de um país?
Nunes – A construção civil representa cerca de 20% do PIB da indústria gaúcha. Mas é importante ter em mente que esse setor tem efeitos de encadeamento muito grande. Grande parte da manufatura de aço, de plástico, materiais elétricos, cerâmicas fazem parte disso. Ou seja, são várias indústrias que contribuem e dependem da atividade de construção. Então, em termos indiretos a representação econômica é ainda maior que os 20%.
Percebe-se que há uma volta do otimismo no setor. A que se deve esse movimento?
Nunes – A própria pandemia, com as pessoas ficando mais tempo em casa, faz com que as famílias reavaliem sua condição de moradia. Muitas vezes buscando reformas, ampliações e até indo atrás de outro lugar para viver.
Outro fator é a queda da taxa de juros. Isso faz com que o custo do financiamento seja menor. No entanto, temos de ter atenção que a construção é um setor muito amplo. Há cadeias perdendo muito, como no caso dos hotéis, de lajes corporativas e shoppings. Se por um lado a habitação deu uma esquentada em meio à pandemia, os outros segmentos estão sofrendo.
Do ponto de vista das políticas públicas, quais decisões podem ajudar o setor?
Nunes – Entendemos o empreendimento de construção, seja para investimento ou habitação, como algo de longo prazo. É preciso de tempo de construção, de maturação dos projetos, de fluxo de pagamento.
Isso está atrelado à expectativa que se tem com relação ao futuro. Portanto, do ponto de vista econômico, o que beneficia muito o setor é ter estabilidade, com taxas de juros baixas e menos volatividade no ciclo de crescimento.
Tudo isso favorece o setor em médio e longo prazo. Esse será um desafio para os próximos anos, tendo em vista que a pandemia fez com que as despesas públicas aumentassem.