Histórias por trás do telão

Cinema de calçada

Histórias por trás do telão

O Shopping Lajeado ostenta o único cinema da região, mas nem sempre foi assim. Para celebrar o Dia do Cinema Brasileiro, comemorado nessa sexta-feira, A Hora relembra a história de quatro salas de espetáculos que marcaram época nas décadas de 50 até os anos 90

Histórias por trás do telão
Instalado em Lajeado, o Cine Alvorada possuía mais de mil lugares e era considerado uma dos maiores cinemas da região. CRÉDITOS: Arquivo Sebaldo Hammes
Vale do Taquari
oktober-2024

O Cine Alvorada foi a principal referência de Lajeado no período historicamente denominado como “cinema de calçada”, quando os telões, ao invés dos shoppings, eram instalados em grandes salões com capacidade para abrigar o público que não possuía aparelhos televisivos em casa.

Inaugurado na década de 60, a estrutura estava na esquina entre Avenida Senador Alberto Pasqualini e Rua Bento Gonçalves. Inicialmente tinha mil lugares, mas foi ampliado com a construção de 200 poltronas no mezanino.

Mesmo com a ampla capacidade, nos sucessos de bilheteria, os espectadores chegavam a ficar de pé. “A gente colocava até 1,4 mil pessoas lá”, relembra José Saraiva, 72, profissional que atuou mais de 20 anos como gerente no local.

Entre os momentos marcantes, se lembra da estreia com filmes em 70 mm. Os primeiros a serem exibidos foram “Os canhões de Navarone” e “Doutor Jivago”. Também se recorda da popularidade de filmes pornográficos, exclusivo para maiores de idade, a partir de 1978.

Um dos maiores sucessos em Lajeado, conforme Saraiva, foi o filme “Tubarão”, do diretor Steven Spielberg. A película ficou em cartaz por quase dois meses. Eram realizadas até quatro sessões no fim de semana, devido à alta demanda de público.

José Saraiva foi gerente do Cine Alvorada por mais de duas décadas

Ademildes Altemann, 63, trabalhou no cinema por três anos na década de 80. Até hoje, guarda na lembrança o corredor com tapete vermelho e as poltronas estofadas – luxo para a época. “Foi o cinema mais belo de Lajeado. Trabalhei desde a bilheteria até a venda de bebidas e alimentos. Era uma época maravilhosa em que o povo vinha muito assistir os filmes no telão ”, classifica.

Conforme Saraiva, a derrocada do Cine Alvorada ocorreu a partir de 1992 com o surgimento da televisão a cabo. “A rede exigia pelo menos 10 pessoas por sessão. As vezes não tinha isso”, comenta.

O cinema encerrou as atividades em 1996. Mais tarde, o prédio virou uma igreja pentecostal. Atualmente, no local funciona uma galeria comercial que mantém o nome de “Alvorada”.

Cine Teatro Real

Cine Teatro Real, de Arroio do Meio, funcionou de 1954 até os anos 80

Por mais de quatro décadas, o Cine Teatro Real foi palco de manifestações artísticas e culturais em Arroio do Meio. O prédio foi inaugurado em fevereiro de 1954 por 151 sócios, entre eles, empresas fortes na época como o Frigorífico Ardomé, Fleck e Cia, Balas Wallérius, Kirst e Cia, Casa Schneider e Emílio Kaufmann.

Instalado na Rua General Daltro Filho, o cinema possuía 700 poltronas com tela de projeção panorâmica, além de um toca-discos que distraia o público antes das sessões. Destaque arquitetônico ficava para as três janelas de cada lado que serviam para o arejamento da sala.

No livro “Arroio do Meio: entre rios e povos”, os autores citam matinês de domingo e sessões noturnas precedidas pelas notícias do Canal 100 como principais atrações do Cine Tetro Real.

Filho de um dos fundadores, Wanderley Theves, o Xumby, se recorda da infância e adolescência vivida no escuro do cinema. Lá assistiu clássicos como “Os 10 mandamentos” e “Spartacus”. De diferente, se recorda de espiar pelas grandes janelas os filmes pornográficos com classificação para adultos.

O Cine Teatro Real foi explorado pelo grupo de fundadores até 1970. Após, funcionou alugado como cinema até meados de 1986. Pelas décadas seguintes, o prédio foi utilizado como espaço cultural.

Xumby foi diretor da cultura no fim dos anos 90 e se recorda das ações para tentar manter a estrutura voltada ao entretenimento. Uma delas foi a Mostra Estudantil de Esquetes Estudantis (Meet), com teatros apresentados pelas escolas dos municípios.

“Ampliamos o palco e instalamos uma cortina. Gastamos cerca de R$ 4 mil e cobrávamos R$ 1 por pessoa para ver os teatros. Com isso, pagamos essas reformas”, relembra Xumby. O prédio também servia para ensaios de grupos teatrais como o Elenku.

Em 2008, as atividades culturais foram findadas de vez. Atualmente, a loja A Mobília está instalada no local. Entretanto parte da memória do cinema segue viva na Casa do Museu de Arroio do Meio. Por meio do projeto Cineclube Real, sessões são realizados gratuitamente. O espaço também conta com objetos originais do cine teatro: cadeiras, roleta e a máquina de projeção dos filmes.

Cine Teatro Marabá

Cine Teatro Marabá incendiou na década de 90, mas permanece na memória da população de Encantado

“O Cine Teatro Marabá, o nosso cinema apresenta…”. Essa frase segue na memória de uma geração de encantadenses que frequentaram a sala de espetáculos localizada na Rua Júlio de Castilhos.

O prédio foi construído em 1949 por Dante Tarter. Entretanto foi o filho Dércio Tarter que acabou se tornando conhecido por circular com uma caminhonete pelas principais ruas de Encantado anunciando os filmes que passariam no telão.

Realizadas depois da missa, as sessões noturnas de domingo eram as mais populares e costumavam lotar os cerca de 600 poltronas. Os jovens se aglomeravam nas ruas aguardando a abertura do cinema.

“Por muitos anos, foi um dos principais centros sociais do município. Ali está sua importância histórica”, contextualiza o diretor da Casa de Cultura de Encantado, Eldo Orlandini, 71, ao lembrar que além de filmes, o espaço também era utilizado para festivas de música que antecederam o Canto da Lagoa.

Entre as recordações marcantes, Orlandini cita o gongo que soava três vezes, indicando o início do filme projetado por uma máquina de 35 mm. Também relembra a ornamentação feita por Tarter em sessões especiais.

Exemplifica com o filme “Ponte do rio Kwai”, sucesso do diretor David Lean que arrematou sete Oscars em 1957. Para marcar o lançamento da película, Tarter construiu uma pequena ponte de taquara em frente ao cinema.

O Marabá também se tornou conhecido como ponto de encontro dos casais no passado, reforça o escritor Airto Gomes. “O local, para os mais saudosistas, pode transparecer uma réplica do filme ‘Cinema Paradiso’ porque faz lembrar da inocência dos namoros, do primeiro beijo, de pegar na mão da namorada”, compara.

Pesquisador da história de Encantado, Gomes cita uma entrevista do dono do cinema ao Jornal Força do Vale, em 1985. Tarter elencou três os sucessos de bilheteria em suas diferentes épocas: “O Gordo e o Magro”, “Teixeirinha” e “Os Trapalhões”.

Após uma cirurgia no coração, o proprietário atendeu promessa feita à esposa Lucy e encerrou as atividades do cinema. Era julho de 1984.

Um incêndio no dia 13 de fevereiro de 1995 consumiu completamente o prédio, “sepultando aquelas saudosas recordações”, lamentou Gomes em um de seus textos sobre as memórias de Encantado. Nenhum tijolo restou do cinema e, atualmente, a loja Ponto 10 ocupa o espaço antes destinado para os clássicos cinematográficos.

Para Orlandini, até hoje o Cine Teatro Marabá deixa uma lacuna em Encantado. “A televisão até tentou, mas tela grande é tela grande”, conclui.

Cine Dal Corso

Muçum possuía cinemas desde a década de 20

A história do cinema em Muçum iniciou antes dos anos 20, quando a cidade ainda era distrito de Guaporé. Na Rua Barão do Rio Branco, Augusto Chittó usava uma máquina manual da marca “Pathé” para passar filmes preto e branco totalmente mudos.

Após, na década de 30, o cinema passou para a sede da Sociedade José Garibaldi sob a direção de Alfredo Jung. Foi o início do Vanguarda, que funcionou até 1958. Por esta época, iniciou as atividades o cinema Fátima, no salão Aliança Católica Paroquial, sob a organização do padre Lucchino Viero.

Arlindo Dal Corso trabalhava como operador cinematográfico no local. Entretanto, na década de 70, deixou a sociedade para construir o prédio próprio no número 114 da Rua Pinheiro Machado e fundar o cine que levava o seu sobrenome.

Os filmes eram exibidos nas noites de sábado e domingo. Caso fizessem sucesso, se abria a possibilidade de uma sessão extra nas tardes dominicais. Dias como o Natal, Páscoa e Independência do Brasil também motivavam a abertura do cinema para películas alusivas à data.

A casa de espetáculos era administrada por Arlindo com ajuda da esposa e filho Luiz Henrique. Um profissional era contratado para operar a máquina que projetava os filmes. A estrutura começou com 300 lugares. Após, ampliação aumentou a capacidade para mais de 400 pessoas.

Luiz Henrique se recorda de sucessos que faziam o cine lotar. Entre eles, filmes estrelados pelo humorista Amácio Mazzaropi, a trilogia do Milionário e José Rico e clássicos de ação como “Inferno na Torre”, de 1974.

“Era uma atividade família numa época em que o cinema fascinava e as pessoas não tinham tantas opções de lazer. Tenho só boas lembranças”, afirma Luiz Henrique. Conforme ele, as inovações tecnológicas como o videocassete acabaram com a “nostalgia do telão” e inviabilizaram as atividades do Cine Dal Corso.

O fim das atividades é incerto. Pesquisa da administração municipal de Muçum aponta o encerramento na década de 80. Já Luiz Henrique afirma que o cinema funcionou também nos anos 90.

Com o término das sessões, o prédio foi alugado pela Caixa Econômica Federal. Atualmente, é de propriedade da Metalúrgica Cerver e serve como moradia e depósito de materiais.

Porque 19 de junho?

O Dia do Cinema Brasileiro é celebrado em 19 de junho pois remete ao dia que teriam sido captadas as primeiras imagens a partir da tecnologia do cinematógrafo no país. O ano era 1898 e as cenas foram filmadas no navio Brésil.

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