O impacto da covid-19 na economia evoca a necessidade de reformulação tributária nacional e de planos de recuperação. Há uma tendência de que o Produto Interno Bruto (PIB) caia até 8% neste ano, o pior resultado desde a década de 60. Essa condição também aumentaria o desemprego, estimativas apontam para uma taxa próxima dos 20% de pessoas fora do mercado de trabalho.
“Esse é o contexto. O cenário a partir dos dados e das condições que temos. O fato de não ter uma data para o fim da pandemia nos angustia, pois isso pode mudar ali na frente. Cada semana é um novo capítulo”, avalia a economista e presidente do Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat), Cintia Agostini.
Por um lado, o governo federal estima que a retração no PIB não passe dos 6%. “Acredito que será mais. Mais próximo das previsões do Banco Mundial.” Uma prévia desse cenário já pode ser vista pelo resultado dos três primeiros meses de 2020.
No país, a queda foi de 0,3%. No RS, a retração chegou a 3,3% em comparação com o mesmo período do ano passado. Os dados gaúchos foram apresentados pelo Executivo nesta semana.
Pela análise da Secretaria Estadual de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag), houve recuo em todas as atividades econômicas. Reflexo da estiagem (a produção agrícola recuou quase 15%) e da pandemia do novo coronavírus.
Caminhos para a retomada
Especialistas do país apontam à necessidade da reforma tributária como uma forma de reduzir a carga de impostos às empresas. Um modelo mais enxuto que possa tornar o Brasil mais competitivo no mundo e contribuir para a geração de empregos.
Hoje há duas propostas no Congresso Nacional. A retomada das discussões depende do fim da pandemia. Tratam-se da PEC 45\19 e da 110\19. Apesar de algumas diferenças no texto, o objetivo central é simplificar a cobrança de impostos sobre o consumo, a partir de uma unificação de vários tributos.
Para o RS, grupos políticos e de classe defendem uma repactuação entre União e Estados.
Para Cintia, é pouco provável que neste ano haja uma mudança geral no modelo de impostos do país.“Enquanto sociedade merecemos um formato mais justo de tributação. Mas não vejo condições políticas.”
Na avaliação dela, o clima de enfrentamento entre os diferentes poderes cria instabilidade para uma discussão e avanço dessa reforma bem como uma revisão do Pacto Federativo. “Temo que qualquer mudança nesse sentido não seja feita de forma adequada.”
A presidente do Codevat defende ações pontuais e regionalizadas. “O mais prático agora são medidas locais ao invés de pensar o todo.” Neste contexto, frisa o perfil socioeconômico do Vale do Taquari como um trunfo.
“Somos uma região dinâmica, com vários setores econômicos atuando. Essa é uma tendência de que podemos sair da crise mais rápido do que outras localidades gaúchas.” Outro aspecto destacado por ela se trata da renda média da população. “Não temos um índice de pobreza tão elevado. A renda familiar é mais elevada do que a média estadual. Isso pode ser positivo, pois garante uma certa estabilidade no consumo, ainda que em menor escala.”
O cooperativismo, presente desde a formação das cidades do Vale é outra aposta da economista. “Temos mais facilidade em implantar a economia colaborativa. Claro que sofreremos com a crise causada pela pandemia. Mas será menor do que o resto do país.”
A recuperação do PIB nacional vai levar no mínimo dez anos para alcançar o patamar de 2013, estima Cíntia. “Essa crise nos mostra o quanto somos frágeis.”
Momento de inovar
O economista e professor da Univates, José Eloni Salvi, acredita que a região responde bem aos desafios impostos pela pandemia, desde os procedimentos de distanciamento social e higiene, até novos processos de produção e distribuição.
“Este é o momento de inovar, de passar do pensamento de ‘uma hora destas trataremos disto’, para ‘vamos tratar disto agora’.” Para ele, as soluções existem, mas é preciso que a busca por alternativas seja organizada e persistente.
Para alguns setores, em especial os que se relacionam com o consumo doméstico, o cenário está se mostrando mais positivo do que se imaginava há 30 ou 60 dias atrás, diz Salvi. “A redução nas atividades não se deu em grandes percentuais e a recuperação das últimas semanas devolveu o ânimo.”
Por outro lado, há uma grande incerteza sobre a evolução do contágio e da letalidade da covid-19 para as próximas semanas ou até meses. “Se nos importarmos com a vida dos outros, e a dignidade humana recomenda que sim, e havendo evolução da doença, teremos de frear as atividades novamente, e conviver com redução de produção e renda.”
O certo, diz o professor, é que o país terá de conviver por um bom tempo com um menor nível da atividade econômica. “O lado bom é que estamos validando, mais do que nunca, que conhecimento e inovação são os caminhos seguros para melhorarmos nosso modo de vida, e mitigarmos as crises, que sempre virão.”
“Se amanhã acabasse a pandemia, todos os problemas continuariam”
CLAUDIO GASTAL
• Secretário estadual de Planejamento, Orçamento e Gestão
• A Hora – O PIB do Estado no primeiro trimestre caiu mais de 3%. Para os próximos a tendência é de uma retração ainda maior. Como o Executivo gaúcho se prepara para uma redução histórica na arrecadação? Como isso vai impactar sobre as contas e serviços públicos?
Claudio Gastal – No primeiro trimestre, a retração foi muito puxada pela perda de produtividade da agricultura e pelo início da pandemia. Nos próximos meses, naturalmente, teremos mais quedas. Tendemos para redução ainda maior e mais dificuldades orçamentárias. Isso será o normal neste ano.
Analistas do mercado apontam para uma queda nacional de 6% até 10% do PIB. Será um problema não só do RS, mas de todo o país. A arrecadação cai de forma abrupta. Tivemos ajuda do governo federal, mas na minha opinião é um tanto restrito. É pequeno perto de todo o impacto. Tanto que tivemos maior prazo de pagamento dos salários dos servidores.
Para tentar contornar essa situação, mantemos o trabalho para concessões e privatizações. Não perdemos o ritmo dessas medidas. Em outra linha, tentamos mobilizar o setor empresarial para a retomada o mais rápido possível, assim que tivermos ambiente para isso.
A agricultura sentiu muito a estiagem, ainda que tenha perdas, é um setor que costuma se recuperar de forma mais rápida. De fato, estamos falando de períodos muito difíceis e que teremos de conviver por bastante tempo.
• Qual o plano para reduzir as perdas?
Gastal –Temos queda na produção em todos os setores e o Estado se financia dos impostos. Se o setor privado cai, nos caímos também. Então há duas linhas de trabalho. Primeiro na gestão pública. Temos de reduzir despesas, otimizar investimentos e cortar o que for possível. Mas temos pouca Marge para isso, pois já estávamos atuando dessa maneira no ano passado.
Por ouro lado, não pensamos em aumento de carga tributária. Temos nossa meta de volta aos patamares anteriores do ICMS. Precisamos trabalhar para tornar o Rio Grande do Sul mais afeito aos negócios, com modernização e desburocratização para atrair investimentos.
Ainda buscamos a adesão ao regime de recuperação fiscal da União. Assim conseguiremos financiamentos externos.
• Analistas afirmam que esse é hora de reformas, em especial a tributária. Também alertam para necessidade de um novo Pacto Federativo. Há condições do país fazer esses movimentos neste ano?
Gastal – Penso que mais do que nunca é necessário fazer esses movimentos e sinalizações. A pandemia mostra que nosso processo tributário e distribuição de recurso é perverso com os municípios e estados. Temos uma distorção muito grande. Se amanhã acabasse a pandemia, todos os problemas continuariam. Seguiríamos com déficit orçamentário, com dificuldades de pagar o funcionalismo e de fazer investimentos. É preciso aproveitar esse momento da crise para aprofundarmos essas questões.