A cada morte de idoso por covid-19, além da dor pela perda, há uma grande chance das famílias também sofrerem com o empobrecimento. Essa é uma das análises possíveis frente ao estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
De acordo com os dados, em 20,6% dos 71 milhões de domicílios no país, mais da metade da renda advém das aposentadorias e pensões de idosos. O estudo coordenado por Ana Amélia Camarano foi feito com base nos dados da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD) do IBGE, que aplica estatísticas com base nos números das capitais e regiões metropolitanas.
Ainda assim, traçam um quadro nacional e servem de parâmetro inclusive à região. No Vale do Taquari, o diagnóstico mais recente sobre população idosa e sua participação no orçamento familiar data do Censo de 2010.
Por esses indicadores, do total de lares do Vale do Taquari, 25,2% são mantidos por pessoas de 60 anos ou mais. Essa participação dos idosos cresceu ao longo dos últimos anos, afirma a economista e professora da Univates, Fernanda Sindelar.
“Houve mudanças significativas na pirâmide etária, com redução no número de jovens e aumento da participação dos idosos, em virtude do crescimento da expectativa de vida.”
Com a pandemia, a importância econômica desse público se torna mais representativa, pois garantem rendas fixas, sem as oscilações frente às suspensões dos contratos de trabalho e redução de carga horária ou mesmo demissões.
Dados desta semana mostram que mais de 70% dos óbitos pelo coronavírus no país foram de pessoas com 60 anos ou mais. Deste total, quase 58% são de homens, que ganham mais no mercado de trabalho e também na aposentadoria. “Isso é muito preocupante porque, de fato, mostra que além dos problemas gerais na economia nacional durante a pandemia, temos ainda uma redução de renda das famílias e o empobrecimento da população”, avalia a professora.
Conforme o Ipea, nos domicílios em que a maioria do orçamento depende dos idosos, a renda per capita é de R$ 1.621. Pela estimativa do estudo, em caso de morte do principal mantenedor da residência, essa receita cai para R$ 425.
Menos dinheiro em casa
As irmãs Gisele, 28 e Juceli Ferreira, 30, moram com a mãe, Inês Sibert, 71, em Boqueirão do Leão. Pagam aluguel, no centro da cidade. Com a pandemia, houve perdas na renda da família e a aposentadoria se tornou a principal fonte de sustento.
Gisele teve redução nas horas de trabalho e no salário. Trabalha meio turno e recebe R$ 600.
Sem condições de cobrir as despesas, recorre à mãe. “Nós dividimos o custo do aluguel, e, como passei a ganhar menos no trabalho, ela tem me ajudado”, conta. Já Juceli é agente comunitária de saúde e para se manter na função, precisa passar no processo seletivo. “Juntamos nossa renda para encaminhar financiamento da casa própria. Temos o sonho de sair do aluguel, o crédito já foi aprovado”, revela.
Aposentada faz 14 anos, Inês conta que com a pandemia, aumentou a vigilância sobre gastos e afirma que já passou por mais dificuldades. “Teve mês que recebi R$ 700 de aposentadoria devido a um empréstimo consignado. Ainda precisava comprar medicamentos, que dava uns R$ 200. Sobrava pouco para manter a casa. Foram tempos bem difíceis”, lembra.
“A gente sempre dividiu tudo”
Na casa da família Horn, na localidade de Chapadão, no interior de Santa Clara do Sul, todas as despesas são divididas entre os dois filhos, a Inês, 43, o Paulo, 50 e o pai Bernardo, 83. “A gente sempre morou com os nossos pais. Logo, todas as despesas com água, luz, rancho do mês, ração, combustível, remédios, tudo é pago com dinheiro de todos”, diz Inês.
Ela está desempregada e passou a trabalhar com o irmão na produção de leite. Junto com a aposentadoria do pai, juntam os vencimentos para manter a casa. De acordo com ela, os filhos propuseram ao pai para que guardasse seu dinheiro, que conseguiriam manter a casa sem a aposentadoria. “Ele não aceita. Se sente no compromisso. No fim das contas, ter essa divisão é algo comum e nos acertamos bem. Assim também conseguimos ter economias ao longo do mês.”
Cenário no Vale
O município com maior percentual de idosos provedores do lar é Coqueiro Baixo. Conforme o IBGE, 44,9% das residências tem como renda principal os vencimentos dos aposentados. Em seguida está Dois Lajeados (41,3%). Praticamente empatados estão Relvado (40,64%) e Travesseiro (40,62%).
Na outra ponta, Lajeado tem o menor índice de idosos provedores do lar. São cerca de 5 mil aposentados donos do lar, o que representa 19,4% dos domicílios. Em seguida aparece Teutônia com 20,3%.
Em relação às capitais, Porto Alegre tem o maior número de aposentados do país. São mais de 211 mil pessoas com 60 anos ou mais. Em seguida está o Rio de Janeiro (14,9%) e depois Belo Horizonte (12,6%).
Conforme a Associação dos Aposentados do Estado, a capital gaúcha se destaca também pelo percentual de idosos que se declaram responsáveis pelos lares (62,5%).
Entrevista
Fernanda Sindelar, economista e professora da Univates
“Gerações passadas tinham o hábito de economizar”
A recessão deste ano será intensa, acredita a professora. Por outro lado, servirá de aprendizado. Para Fernanda Sindelar, a queda nas receitas das famílias obriga uma mudança comportamental e de consciência.
A Hora – Como analisa a importância dos idosos no sustento das famílias e da economia?
Fernanda Sindelar – Trata-se de uma parcela importante à economia. Embora a maioria já não atue mais no mercado formal, recebe renda fixa. O que possibilita participar das atividades econômicas como consumidor. Por outro lado, há diversos estudos que apontam que a renda dos idosos também contribui cada vez mais para o sustento das famílias, tornando essa renda muitas vezes a única renda fixa mensal. Nas áreas rurais, muitas vezes isso é ainda mais importante, já que muitas atividades são sazonais.
– Como as famílias devem se adaptar ao momento?
Fernanda – O impacto econômico será sentido na maioria das famílias, seja pela redução da jornada de trabalho, suspensão dos contratos ou desligamentos. Diante desse momento difícil, é fundamental que as pessoas façam o seu planejamento financeiro, e ajustem as suas despesas de forma condizente com a renda. Não dá para gastar mais do que se ganha. Por isso, é importante separar despesas básicas e que podem sofrer algumas alterações daquelas que são supérfluas e podem ser reduzidas ou cortadas.
– No pós-pandemia, o que muda nas relações econômicas, no orçamento e educação financeira das famílias?
Fernanda – Outra questão difícil de responder. Ainda estamos vivendo esse processo, e não sabemos quando a curva econômica volte a crescer. Imagino que haja uma mudança da administração dos recursos familiares. Por exemplo, gerações passadas tinham o hábito de economizar e evitar o consumo supérfluo. Hoje isso não é tão presente e observamos um número significativo de pessoas com dívidas.
Mas após esse momento, quando a atividade econômica voltar a crescer, e a renda das famílias também, imagino que haverá mais preocupação em ter uma reserva financeira para momentos de crise. Pelo menos é o que espero.