Trabalhadora de uma indústria de produção de embalagens no Vale, Cândida (nome fictício, pois a entrevistada não aceitou sua identificação), aumentou o consumo de remédios para dormir. Reconhece que está mais nervosa e com dificuldades de relaxar, inclusive com episódios de insônia. “Só consigo dormir depois de tomar a medicação”, afirma.
Mãe de uma menina de quatro anos, ela teme pelo futuro e também alguma contaminação dentro da família. Para voltar ao trabalho, precisa deixar a filha com uma cuidadora, situação que eleva a preocupação quanto aos cuidados com a criança.
O exemplo de Cândida é mais um frente aos casos de pacientes com problemas psicológicos. A pandemia, atestam profissionais da área, elevaram os episódios de crises e também a procura por atendimento, apesar de precisarem ser de maneira remota.
Pesquisa feita na semana passada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) com cerca de 400 médicos de 23 estados e do Distrito Federal (o que corresponde a 8% do total de psiquiatras do país), mostra que 89,2% dos especialistas entrevistados destacaram o agravamento de quadros psiquiátricos em seus pacientes devido à pandemia de covid-19. Os dados foram divulgados pela Agência Brasil.
De acordo com o levantamento, 47,9% dos consultados tiveram aumento nos atendimentos após o início da pandemia. Do total de entrevistados, 44,6% afirmaram ter percebido queda no número de atendimentos, por razões diversas, entre as quais interrupção do tratamento pelo paciente com medo de contaminação pelo vírus, restrições de circulação impostas pelas autoridades e redução no atendimento aos grupos de risco.
A pesquisa mostra também que 67,8% dos médicos receberam pacientes novos, que nunca haviam apresentado sintomas psiquiátricos antes, após o início da pandemia e do isolamento. Outros 69,3% relataram ter atendido pacientes que já haviam recebido alta médica, mas que tiveram recidiva de seus sintomas.
Entrevista
Joana Bücker, psicóloga e professora da Univates
Doutora em psiquiatria e ciências do comportamento frisa a necessidade das pessoas com transtornos psíquicos continuarem com tratamento para que situação não piore e outras comorbidades surjam.
A Hora – Como você avalia o agravamento dos quadros psiquiátricos?
Joana Bücker – Não há uma resposta padrão e certeira para isso. Penso que um dos grandes motivos é o sentimento de vulnerabilidade que as pessoas têm tido. Nunca passamos por isso antes. Então não temos uma resolução rápida para isso. Essa vulnerabilidade faz com que as pessoas se sintam mais ansiosas, com dificuldade para dormir, para se concentrar. Isso tudo vai gerando uma maior sensibilidade frente ao que estamos vivendo.
– Como a insegurança e o medo interferem no bem-estar psíquico das pessoas?
Joana – Na pandemia estamos sempre em estado de alerta. Então cada dia é um dia, cada 24 horas as coisas mudam radicalmente. Isso gera um aumento da preocupação, a gente fica com maior nível de estresse, se sente mais cansado. Como se estivesse fora de controle. Isso gera muita incerteza.
– Como as pessoas com algum problema como ansiedade, síndrome do pânico ou depressão podem minimizar as crises?
Joana – Pessoas que de fato tem algum transtorno, primeiro devem seguir com acompanhamento que tinham antes da pandemia. Muitos profissionais estão em tele-atendimento. É fundamental seguir tendo esse cuidado. Para quem está começando com algum quadro desses, é importante buscar atendimento.
– Qual o papel da família neste momento?
Joana – O acolhimento é fundamental. É preciso entender que o transtorno mental é real e traz prejuízos, tem consequências graves se não tratado.
– Quais os riscos de uma pessoa com doenças psíquicas não ter acompanhamento?
Joana – O agravamento do transtorno, com a possibilidade de desenvolver outros problemas. Por exemplo, alguém com síndrome do pânico, daqui a pouco não consegue mais fazer suas atividades diárias. Fica com medo de tudo e pode desenvolver inclusive a depressão. Com esse aumento das comorbidades, o desfecho mais trágico é o suicídio. Há uma série de problemas que podem vir de um não tratamento neste momento.