Pandemia muda relação de trabalho e acelera imersão tecnológica

dia do trabalhador

Pandemia muda relação de trabalho e acelera imersão tecnológica

Em meio à maior crise epidemiológica mundial dos últimos 100 anos, incertezas sobre o futuro tensionam empregados e patrões. Como resultado, o número de mediações feitas pelo Tribunal Regional do Trabalho crescem mais de 150%. Especialistas avaliam situação e afirmam: a transparência, a honestidade e o diálogo são as ferramentas principais para evitar rupturas e processos

Pandemia muda relação de trabalho e acelera imersão tecnológica
Brasil

Dúvidas com relação aos direitos e deveres dos trabalhadores e dos empregadores podem criar um limbo jurídico e a relação antes de auxílio mútuo pode acabar na Justiça. O motivo central está nas mudanças provocadas pela emergência em saúde pública do novo coronavírus.

No dia dedicado aos trabalhadores, o momento é preocupante. Ao mesmo tempo em que o desemprego cresce, em especial na mão de obra sem qualificação técnica, muitas pessoas precisam se adequar para seguir no mercado de trabalho.

Desde a metade de março, quando o Brasil confirmou o início da transmissão comunitária da covid-19, a rotina dos trabalhadores, sejam empresários ou funcionários, mudou completamente.

Idosos, doentes crônicos, gestantes e quem amamenta foram dispensados, tiveram contratos suspensos ou começaram a trabalhar por home office. Com o avanço da doença, os governos precisaram agir. Por parte do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro instituiu a Medida Provisória 936 enquanto a pandemia durar.

Foram autorizadas negociações entre a classe dos trabalhadores com os empregadores, determinadas possibilidades de redução do expediente. Ainda assim, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-RS) registra um crescimento de 156% nas mediações trabalhistas.

Da metade de março até o dia 23 de abril, foram 47 audiências entre empregadores e funcionários. Os encontros são o primeiro passo para evitar que o desacerto se transforme em litígio.

A advogada Sabrina Regina Schneider explica que a mediação é uma ferramenta que busca negociar algum conflito para que não se torne em processo. “É um serviço que já existia antes, mas que agora está sendo mais procurado em razão da crise.”

No cotidiano do escritório, especializado na busca de soluções corporativas, Sabrina conta que houve um aumento na demanda dos empresários. De acordo com ela, o temor dos clientes era de buscar meios para evitar demissões e acessar as medidas emergenciais previstas pelo governo federal.

Para a advogada, as mudanças nas regras sobre contratos, salários e carga-horária são drásticas, mas adequadas para o momento. Os artigos tocam no ponto central das relações de trabalho, diz Sabrina. Por outro lado, possibilitam que uma divisão de responsabilidades entre o ente público, as empresas e os trabalhadores.

Aposta no diálogo

 

Em Lajeado, a proximidade entre instituições representativas facilita o entendimento e reduz a incidência de problemas jurídicos. “Antes mesmo da primeira MP (Medida Provisória) do governo federa, o sindicato dos comerciários e o Sindilojas tratam sobre o tema da covid. Já prevíamos uma situação grave e que precisaria de respostas e ações rápidas”, conta o presidente do Sindicomerciários, Marco Daniel Rockenbach.

Com isso, a convenção coletiva abordou temáticas sensíveis aos trabalhadores e patrões. Definiu regras regionais sobre banco de horas e férias. Com a MP 936 do fim de março, novos contatos e muito diálogo. “As entidades sindicais tem buscado dar estabilidade jurídica, pois alguns pontos tinham mais de uma interpretação.”

A partir disso, foram criadas regras práticas para que as empresas pudessem suspender contratos, o que reduz os custos das organizações, e também diminuir a jornada de trabalho com redução salarial.

Apesar desses movimentos, a transformação no trabalho é um fato. Para Rockenbach, ainda é preciso ver o tamanho do estrado trazido pelo novo coronavírus. De antemão, acredita que haverá uma nova relação entre capital e trabalho. “Governos, empresários e trabalhadores devem negociar juntos, buscando alternativas. Não visando vantagens, mas sim a reconstrução. Será difícil, pois vivemos no sistema capitalista em que o conceito é o lucro.”

Na opinião dele, reconhecer que todos perdem neste momento é o primeiro passo para dividir responsabilidades da reconstrução após a pandemia.

 

Tecnologia ganha importância

A tendência na pós-pandemia prevê que a revolução da Indústria 4.0 se acentue. Preparar a mão de obra para essa realidade é um desafio para empresários, instituições de ensino e o poder público.

Estudo do Senai aponta que os próximos cinco anos precisarão ser dedicados à formação de 11 milhões de trabalhadores no Brasil. As profissões mais promissoras estão nas áreas ligadas à tecnologia.

Projeção do Fórum Econômico Mundial prevê que máquinas ocuparão cada vez mais espaço nas indústrias e na produção. Antes da pandemia, a estimativa mundial era que 71% das horas trabalhadas eram de pessoas.

Nos próximos anos, há uma perspectiva diferente, em que mais da metade das atividades humanas serão automatizadas.


Entrevista

Evania Schneider, professora e diretora de Desenvolvimento de Pessoas da Univates.

“A humanidade tem uma grande oportunidade de repensar seus valores”

A mestre em Administração e Especialista em Gestão de Pessoas realça a necessidade dos gestores terem uma conduta de transparência e honestidade com a equipe.

A Hora – Nesta crise, quais medidas as empresas devem adotar na relação com a equipe?

Evania Schneider – Transparência e honestidade sempre foram e sempre serão a forma de construir relações de confiança, isso vale tanto às relações pessoais como para as profissionais, infelizmente estes não são atributos presentes na nossa cultura. Se analisarmos as situações que geram conflito, veremos que provavelmente uma das partes está insatisfeita porque faltou um destes atributos.

Como tornar o diálogo mais transparente e evitar brigas judiciais?

Evania – Nas relações de trabalho, o papel dos gestores é fundamental, pois eles terão que tomar decisões, por vezes muito difíceis. Mas se forem transparentes, mostrando a real situação, se eles assumirem um compromisso verdadeiro com as pessoas, acredito que podem utilizar as medidas que o governo tem disponibilizado para auxiliar e flexibilizar os contratos.

Como podemos projetar o novo trabalho?

Evania – Espero de fato que as pessoas e as organizações possam refletir, analisar e avaliar com muito cuidado tudo isso que estamos vivendo. Estamos diante de um grande desafio, mas ao mesmo tempo de uma grande oportunidade.
Infelizmente as marcas serão profundas, mas se ao passar o pior, voltarmos a viver a nossa vida do jeito que fazíamos antes, perdemos a oportunidade de mudar de fato.
Mudamos nossa rotina de um dia para o outro. Isso nos mostra que somos capazes. Podemos repensar hábitos, como o contato físico, que é tão importante para nossa cultura, mas ao mesmo tempo um grande transmissor, não apenas de Covid-19, mas de tantos outros vírus.

Antes da pandemia se falava muito das transformações da Indústria 4.0. Esse é um processo que agora se acelera?

Evania – Acredito que sim. Em se tratando do trabalho, a tecnologia se mostrou uma aliada muito importante neste momento, e também está servindo para quebrar alguns tabus, como o trabalho remoto. Estamos percebendo que podemos sim trabalhar de forma produtiva e segura, cada um na sua casa e isso só está sendo possível graças à tecnologia.

Aqui gostaria de fazer outra reflexão: será que precisamos continuar dando tanta importância para estruturas físicas ou o que mais importa são as pessoas? Enfim, acredito que a humanidade tem uma grande oportunidade de repensar seus valores.

 

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