Previsão de La Niña eleva apreensão no campo

Estiagem no RS

Previsão de La Niña eleva apreensão no campo

Rios, arroios e açudes secam e comunidades enfrentam racionamento de água e criações de animais para indústrias são suspensas. Estimativa é que segundo semestre seja de chuvas abaixo da média devido ao esfriamento das águas do Pacífico. Relatório da Emater\Ascar-RS mostra que das 36 cidades do Vale, pelo menos 29 decretaram emergência

Previsão de La Niña eleva apreensão no campo
Os quatro açudes usados para garantir água aos animais na propriedade de Carlito Fuchs secaram
Vale do Taquari

Em mais de cinco meses com chuvas muito abaixo da média, o leito dos arroios Nova Santa Cruz e das Antas secou. Em 84 anos de vida, Lothar Beuren nunca havia presenciado uma situação dessas.

O aposentado mora em Alto Conventos, a última área rural de lajeado, com as irmãs Darcila, 80, e Hilária, 86. “A água está sumindo. Estes arroios nunca secaram, nem nas piores estiagens. Sempre tinha água para saciar a sede dos animais”, relembra.

A impressão de Beuren se confirma ao analisar os índices pluviométricos. Conforme o Núcleo de Informações Hidrometeorológicas da Univates (NIH), apenas janeiro teve chuva considerável na região. Foram mais de 210 milímetros.

Em fevereiro e março ficou abaixo dos 100 mm. Já neste mês, até agora, foram pouco mais de 28 mm de chuva. Como as precipitações são esparsas, a seca na região não é uniforme. Como explica o gerente adjunto da Emater, Carlos Lagemann.

Nessa sexta-feira, a entidade finalizou o diagnóstico sobre os prejuízos no campo. Trata-se da situação mais séria enfrentada pelo agronegócio desde a safra 2011\12. Os setores mais prejudicados são a soja, o milho e as pastagens.

Em termos econômicos, pela estimativa da Emater Regional de Lajeado, também responsável por municípios do Vale do Caí, as perdas ultrapassam R$ 256 milhões.

Para chegar neste valor, explica Lagemann, foram considerados indicadores sobre as áreas cultivadas e nas que deixaram de ser plantadas em função da estiagem, tendo como base a cotação dos grãos no mercado. O cultivo da soja, por exemplo, teve uma quebra de 47%. Já no milho, 41% de toda a lavoura foi perdida devido a falta de chuva.

“Poucos sabem o valor da água”

Ver o arroio seco é motivo de tristeza para Beuren. “Muita coisa mudou de quando eu era jovem para hoje”, compara. Mudanças no clima e o desperdício são os motivos principais para o drama da falta de água no interior, avalia o aposentado.

“No passado, os moradores do interior eram obrigados a preservar nascentes e ter cisternas para armazenar água. Naqueles anos não havia essas redes comunitárias.” Na opinião dele, essa seca evidencia ainda mais o valor da água. “Se não mudarmos os hábitos e cuidar melhor, vai terminar. As estiagens perduram cada vez mais tempo. Frustram safras, abalam a economia e poucos estão preparados para enfrentar períodos como vivemos agora. Além da sede, aumenta a miséria”, resume.

Na propriedade de Lisandro Spieckert, 42, em Travesseiro, as fontes, os açudes e um córrego secaram. O morador de Linha São João também observa mudanças na vegetação e a redução no nível do Rio Forqueta. “Está irreconhecível. É a pior seca desde 1984, quando faltou alimento e água para os animais”.

O reflexo se confirma na produção. Das 30 vacas que antes produziam 4,4 mil litros de leite ao mês, hoje está abaixo de 3,1 mil. Dos cinco hectares de milho, a queda na produção alcança 70%.

Também de Travesseiro, Edson Felipe Essig, 54, sempre morou nas margens do rio Forqueta e percebe que o nível é o mais baixo da história. “Pedras começaram a aparecer no meio do leito. Até a fundação da ponte conseguimos enxergar”.

Segundo ele, a última grande seca ocorreu em 1979 e 1984, e surpreendeu os agricultores. Para atenuar a crise hídrica da época, a então administração de Arroio do Meio a fazer a perfuração de um poço artesiano para abastecer em torno de 30 famílias.

Sem água para os animais

O produtor Claudio Vettorazzi, 54, está sem alojar aves faz duas semanas. Um lote com 20 mil aves consome cerca de 150 mil litros de água num período de 45 dias. No caso de Vettorazzi, o poço da propriedade secou e não há outra fonte para garantir o trato dos frangos.

Claudio não é o único morador da comunidade de Tiririca, interior de Progresso, que teve de suspender a produção. São ao menos outras cinco famílias que aguardam uma solução para amenizar os impactos financeiros causados pela estiagem. “Não tenho ideia do tamanho do prejuízo, pois não sei quanto tempo isso ainda vai durar”, desabafa.

Vettorazzi está na atividade faz mais de 30 anos. A renda familiar é composta também pelo cultivo de tabaco, safra que apresenta quebra de 50%. “O rendimento do fumo caiu pela metade. Das 200 arrobas previstas, colhi apenas 100”, relata.

Todos os dias o governo municipal leva 50 mil litros de água para moradores do interior. Deste total, 45 mil litros são destinado para as criações e 5 mil litros de água potável para consumo humano.

Em São João Alto no interior de Travesseiro a cisterna com capacidade para 240 mil litros de Miguel Schneider, 36, secou e comprometeu o abastecimento de água dos 2 mil suínos alojados na creche.

A solução encontrada foi pedir ajuda aos vizinhos e para a secretaria de Agricultura que fornece um caminhão pipa aos produtores.

Na avaliação de Schneider, este é o pior cenário dos últimos anos, com a queda também na produção de leite. “Perdemos um terço da produção, a pastagem secou e o milho não se desenvolveu.

O vizinho Carlito Fuchs, 57, vive o mesmo drama. Os quatro açudes da propriedade estão secando e os animais começam a ficar sem água. “É a primeira vez que isso acontece aqui”, relata. 

Duas safras de prejuízo

De Forquetinha, Pedro Hepp, amarga prejuízos nunca contabilizados nos mais de 50 anos de trabalho na lavoura. “Já tivemos estiagens, mas nunca perdemos as duas safras. O pouco que colhi para silagem é de baixa qualidade e será consumida toda até agosto quando ficaremos sem alimento para as vacas”, antecipa.

A produção de leite registra queda de 50%. De 200 litros caiu para apenas 100 por dia. Sem oferta de pasto verde e pastagem, a dieta é complementada com ração. Outra preocupação é com a falta de água, pois a vertente que garante o abastecimento dos animais está secando.

Previsão de pouca chuva

Rio Forqueta, na divisa de Travesseiro e Marques de Souza, está em um dos níveis mais baixos dos últimos anos

O fim de semana será de tempo seco. Chance de alguma chuva só entre terça e quinta-feira, adverte o NIH. O volume esperado também é baixo. Conforme boletim da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (NOAA), para o trimestre abril-maio-junho (outono), as condições pouco mudam.

No segundo semestre, há previsão do esfriamento das águas do Oceano Pacífico, o que garante condições para a formação do fenômeno La Niña. Eventos climáticos como este indicam redução no nível de chuva, como ocorreu nos anos de 2004/2005 e 2011/2012, onde o RS registrou períodos de estiagem.

 

 

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