A principal figura da Operação Lava-Jato e símbolo do combate à corrupção no país não faz mais parte do governo de Jair Bolsonaro. O agora ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, anunciou o desligamento na manhã dessa sexta-feira, após a exoneração do chefe da Polícia Civil, Maurício Valeixo.
O pronunciamento do ex-juiz foi carregado de acusações. “O presidente tinha preocupação com inquéritos na PF. É algo que gera grande preocupação”, disse Moro. Em outro momento, afirmou que a mudança na polícia pode prejudicar a autonomia da corporação.
“Tenho o dever de proteger a Polícia Federal e preservar o compromisso que assumi com o próprio presidente, entre eles, o combate a corrupção, crime organizado. Um pressuposto para isso é garantir a lei e a própria autonomia da Polícia Federal contra interferências políticas”, argumentou o ex-ministro.
Moro também afirmou que não houve um pedido formal de exoneração do delegado Valeixo. No entanto, no Diário Oficial dessa sexta-feira, a saída foi documentada como “a pedido”. “Eu, sinceramente, fui surpreendido e achei ofensivo. Isso não é verdadeiro. Para mim, esse último ato foi uma sinalização de que o presidente não me quer no cargo”, explicou Moro.
Diante das acusações de tentativa de interferência do presidente Bolsonaro, A promotoria-geral da República solicita abertura de inquérito ao Supremo Tribunal Federal para investigar a conduta do presidente.
O pedido aponta suspeita de crimes como falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, entre outros.
Ex-ministro queria vaga no STF, diz Bolsonaro
Em 45 minutos de pronunciamento, o presidente Jair Bolsonaro tentou rebater as acusações do ex-ministro. “Estou decepcionado. Não são verdadeiras as insinuações. Nos quase 16 meses, o senhor Sergio Moro sabe que jamais o procurei para saber das investigações que estavam sendo realizadas.”
Por outro lado, também afirmou que fez uma súplica, para que a Polícia Federal e o Ministério da Justiça se empenhasse em descobrir o que levou o porteiro do condomínio onde mora na Barra da Tijuca a dizer que dois militares suspeitos de participar do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco estariam procurando por ele e também a descobrir quem seriam os mandantes da tentativa de assassinato que sofreu durante a campanha de 2018.
Sobre o Diário Oficial ter divulgado que a exoneração de Valeixo foi “a pedido”, o presidente declarou que o servidor já havia se manifestado pela saída do cargo. Que estaria cansado.
O presidente afirmou que ligou para o policial na noite dessa quinta-feira, onde o agente confirmou o desejo de sair do comando da PF.
No discurso, Bolsonaro também relatou que em uma conversa privada com o ex-ministro Moro, o antigo aliado havia pedido para manter Valeixo na PF até novembro, quando seria indicado para ocupar uma vaga na suprema corte brasileira.
“Há crises mais importantes no momento”
Em meio ao embate político criado pela rusga entre ex-ministro e presidente, crescem movimentos que querem o impeachment de Bolsonaro. Para o deputado federal Alceu Moreira (MDB), o confronto entre dois antigos aliados “era tudo o que não se queria neste momento”.
Para ele, tanto a saída do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, quanto de Sergio Moro eram indesejadas pois impactam negativamente no ambiente político. “Queríamos que o país voltasse todas suas energias para o combate ao coronavírus e para o desenvolvimento econômico.”
Na avaliação do parlamentar, antes de se iniciar um processo de impeachment, ou mesmo de movimentos parlamentares de investigação quanto à conduta do presidente, é preciso encontrar pontos de convergência frente a pandemia. “Há crises mais importantes no momento. Todos os dias estamos vendo brasileiros morrerem e pessoas perderem o emprego. É nisso que temos de nos concentrar agora.”
“Bolsonaro demonstra todo seu despreparo”
Opositor de Bolsonaro, o deputado estadual Henrique Fontana (PT) acredita que a saída de Sergio Moro é mais um capítulo da “corrosão” do bolsonarismo. Na avaliação dele, a interferência de Bolsonaro nas investigações não é uma novidade. “Faz isso desde o início. Nestes 16 meses de governo, temos diversas perguntas no ar. Onde está Queiroz? Quem mandou matar Marielle? Como era a ‘rachadinha’?”
Neste contexto, o deputado acusa o presidente de proteger milícias e também procurar atrapalhar investigações contra os filhos. “Bolsonaro demonstra todo seu despreparo”. Para ele, é preciso acelerar o fim desse governo.
“Não será fácil, mas há duas alternativas. Uma é o impeachment, ou o julgamento, finalmente, por parte da Justiça Eleitora com base nos crimes cometidos pelo então candidato quando financiou com dinheiro de caixa 2 a fábrica de fake news.”
Aliado enaltece avanços
O senador gaúcho Luís Carlos Heinze (PP) se manifestou após o pronunciamento do presidente. Aliado de Bolsonaro, reconhece que o dia foi conturbado devido ao conflito com o ministro mais popular do governo.
“Em primeiro lugar, gostaria de agradecer pelo trabalho do ex-ministro Sergio Moro, desde o comando da operação Lava-jato. Já fiz essa declaração diversas vezes e agora reitero com seu pedido de demissão. Lamento que tenha se encaminhado dessa forma. Tivemos muitos avanços no Ministério da Justiça, conquistas que fazem parte do governo Bolsonaro, nossa aposta em um novo Brasil, mais ético e transparente.”
Por fim, o senador afirma que mudar nomes no Executivo nacional faz parte da política. “Nosso projeto está aí e nada como o tempo para cicatrizar feridas e trazer luz aos fatos. Vamos em frente pelo bem dos brasileiros. Nosso trabalho não pode parar.”