O desafio da prevenção nas áreas vulneráveis

CONDIÇÕES DESIGUAIS

O desafio da prevenção nas áreas vulneráveis

Nos bairros pobres, o isolamento é dificultado pela falta de estrutura e de recursos para aquisição de alimentos e produtos de higiene. Muitos moradores trabalham na em setores que não suspenderam atividades e não podem ficar em casa. Voluntários e parte dos municípios se mobilizam para fazer doações

O desafio da prevenção nas áreas vulneráveis
Bairros pobres e condomínios populares são os primeiros a sentirem a crise econômica e têm dificuldades para a prevenção. Fotos Gabriel Santos
Vale do Taquari

Vale do Taquari

Marta Lopes mora com os três filhos no bairro Santo Antônio. Ela trabalha como faxineira, por diária. Com o início da quarentena, viu sua fonte de renda desaparecer. Marta fazia entre 3 e 4 faxinas por semana, que lhe rendiam cerca de R$ 800 mensais. Nos últimos quinze dias, nenhuma faxina. Sua única renda no momento vem do programa Bolsa Família.

“Toda semana entrava um dinheirinho, comprava as coisas de casa conforme faltava. Agora começa a apertar”, diz.

Com o cancelamento das aulas na rede pública, os filhos estão em casa. A situação se agrava pois Marta está grávida e o pai da criança faleceu.

No bairro, a situação não favorece o cumprimento das medidas de prevenção à pandemia. Muitos moradores trabalham na indústria de alimentos, que não parou. A maioria é de autônomos. Sem as atividades, a renda das famílias cai rapidamente. “Ouvir as recomendações, todo mundo ouve. As pessoas até têm a consciência, mas não tem como”, avalia.

De acordo com Tânia, a situação se agrava em pontos mais pobres do bairro. “Tem pessoas que estão com falta até de alimento. Se falta dinheiro pro feijão e pro arroz, como vai comprar um álcool gel?”

Marta viu a renda da família cair rapidamente sem as faxinas que garantiam o sustento.

Quarentena no condomínio popular

Nos 288 apartamentos do condomínio Novo Tempo I, vivem quase mil pessoas. A implantação da quarentena enfrenta dificuldades. Além dos trabalhadores que atuam em atividades que não pararam, dois fatores principais dificultam o isolamento: grande presença de crianças e a dificuldade em convencer alguns moradores da gravidade do vírus.

“A maioria tem criança, então eles levam para brincar. Se segurar, os vizinhos não aguentam. Eles querem brincar, jogar bola, pular”, diz a síndica, Rosa Maria de Morais.

De acordo com Rosa, o movimento no condomínio reduziu significativamente. Ainda há quem desça para tomar um chimarrão na área comum, mas não se compartilha mais a bomba. Idosos e grupos de risco cumprem o isolamento e familiares auxiliam em tarefas como compras.

As caixas d’água estão sendo limpas, pois a água que sai das torneiras estava com cheiro e gosto ruins.
“A gente deu uma geral nas caixas d’água para ninguém ter problema de estômago, porque o posto de saúde do Cedro só está atendendo sintomas como gripe, febre, dor no corpo”.

A presença do poder público se dá por meio de uma agente de saúde, da UBS do Cedro, que visita o local semanalmente. A síndica solicitou à administradora do condomínio água sanitária, utilizada para higienizar os corrimãos, tarefa que fica a cargo de um morador.

O desafio maior, no Novo Tempo, é manter a quarentena durante um período mais longo. “Olha, vai ser meio difícil, mas acho que as pessoas vão entender. A gente está alertando e conseguindo conscientizar o pessoal”, diz Rosa.

Quarentena mudou o cenário de condomínio popular com mil moradores

Na rua, só de máscara

O morador Wanderlei Rockenbach tem 63 anos e é fumante. As orientações para pessoas com estas características é ficar em casa. Ele garante que, dentro do possível, tem seguido a quarentena. Ele mora com o filho, de 23 anos, que é cadeirante. Vai ao pátio duas vezes por dia para que o filho possa tomar sol.

Como não tem quem o substitua nas tarefas cotidianas, é ele mesmo quem faz as compras e vai ao banco. Quando sai de casa, usa máscara e cumpre um protocolo de higienização. “Tem álcool gel, tem tudo em casa. Vou chegar, tirar o material da sacola, inutilizá-la e me esterilizar, fazer a higiene das mãos”, diz.

 

Isolamento difícil na comunidade haitiana

Como a maioria dos novos imigrantes trabalha nas fábricas de alimentos, o isolamento fica inviabilizado. De acordo com o Simon Renel, funcionário do Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), um dos desafios é convencer os trabalhadores da gravidade do vírus e da importância da quarentena.

“Está um pouco difícil de convencer sobre o grau da pandemia. Alguns relatam que, se dentro das empresas não reduziu o quadro de funcionários, não adianta ficar em quarentena”

Simon afirma que há idosos e outros grupos de risco, mas são poucos. Outro fator complicador é a situação das moradias. Muitos vivem em residências compartilhadas com outras famílias, o que dificulta a quarentena e o isolamento social.

 

 

Projetos sociais arrecadam doações

Dois projetos sociais que atuam junto a famílias em vulnerabilidade social no Santo Antônio arrecadam doações para repassar às famílias cadastradas. Carine Bagestan é assistente social do Elas Social e do Move Mães. Juntas, as iniciativas reúnem cerca de 60 famílias.

“Tem casos de pessoas que me procuram e estão passando fome”, relata Carine. São arrecadados alimentos, produtos de higiene e utensílios voltados a bebês, como roupas e fraldas.

Quem quiser doar, pode procurar por Facebook ou Instagram com o Elas Social ou com o Move Mães. Mais informações pelo Whatsapp da Carine: 99171-8457.

 

“A pandemia escancara nossa desigualdade”

Fabiane Baumann – Mestre em sociologia e professora da Univates analisa o impacto da pandemia sobre as camadas mais pobres da população.

As periferias e bairros pobres são mais vulneráveis à pandemia?

Vivemos em um dos países mais desiguais do mundo e a pandemia escancara nossa vergonhosa desigualdade social. Se, por um lado vivemos uma pandemia globalizada, onde todos somos potenciais vítimas, por outro, sabemos que a vulnerabilidade não é a mesma para todos e as condições de enfrentamento são desiguais.

 

Como as condições habitacionais influenciam no isolamento domiciliar?

Parte significativa da população vive em comunidades pobres em péssimas condições de habitação, com famílias numerosas vivendo aglomeradas, sem água, coleta de lixo ou as mínimas condições sanitárias. A falta de políticas públicas que garantam direitos básicos agrava ainda mais a crise sanitária nesses locais, permitindo que o vírus possa se disseminar rapidamente.

 

De que maneira o poder público pode ajudar a proteger estas comunidades?

Temos assistido no Brasil ações de assistência social aos mais pobres partirem basicamente de organizações civis, lideranças comunitárias, ONGs. Por outro lado, o poder público, que tem o dever de promover essas ações, se mostra ineficaz e lento. Portanto, é fundamental que o aporte de recursos do governo federal seja imediato para a população que está completamente desassistida nesta grave crise e que não pode arcar com o sustento de suas famílias.

 

Que impacto econômico a pandemia pode ter sobre os mais pobres?

É fato que uma parcela significativa da população precisa ter garantida uma renda mínima para sobreviver. Isso não pode ser adiado: o Estado brasileiro precisa implementar o pagamento da Renda Mínima de Urgência, já aprovado no Legislativo. No Brasil, temos aproximadamente 12 milhões de desempregados e cerca de 40 milhões no mercado informal. Sem isso, não há como garantir o isolamento social nas comunidades mais pobres.

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