A polarização coloca pessoas vistas como iguais pela Constituição em extremos opostos no debate público. O fenômeno é ainda mais latente nas redes sociais. Na tentativa de desacreditar quem pensa de maneira contrária, se cria um campo de discórdia e desequilíbrio nos espaços de fala.
O feminismo é um dos conceitos que mais sofre com ataques para deslegitimá-lo. Uma tentativa de vender uma ideia de que homens e mulheres têm as mesmas condições no espectro social. Na prática, indicadores mostram outra realidade. Estudo do Departamento de Economia e Estatística ajuda a dar uma base concreta ao cenário no RS.
Em resumo, os dados alertam para uma desigualdade crescente. De mais grave, a taxa de homicídios contra mulheres no Estado é superior à média brasileira. O panorama compreende o período de 2015 a 2019 e consta no estudo “Igualdade de gênero e empoderamento das mulheres e meninas no Rio Grande do Sul”.
Pela avaliação da secretária estadual de Planejamento e Gestão, Leany Lemos, a desigualdade de gênero é um dos assuntos que precisa ser colocado como prioridade nas políticas públicas. “Um bom diagnóstico da situação é sempre o ponto de partida adequado para o desenvolvimentos das iniciativas”, disse durante apresentação da pesquisa nesta semana.
O diagnóstico mostra os indicadores gaúchos e do país. Aborda desde informações sobre violência de gênero, inserção feminina no mercado de trabalho, diferenças salariais, acesso a políticas públicas, participação em cargos de chefia no setor privado e público, além de questões de saúde.
Ao passo em que alguns itens demonstraram avanços, em especial no acesso a atendimentos em saúde e educação, houve piora no quesito violência em virtude do gênero e a diferença salarial em comparação com os homens.
Violência cotidiana
A delegada Márcia Bernini Colembergue responde pela delegacia da Mulher no Vale do Taquari. São em média mil ocorrências por ano de violência de gênero. Os casos mais comuns são de ameaça, agressão, vias de fato e perturbação. Depois entram assédios, abusos e estupros.
Para ela, há uma questão cultural envolvida na relação homem e mulher. “A sociedade patriarcal reproduz a ideia de que o homem tem a posse da mulher. Ele decide. Isso cria uma conduta nociva”, realça.
Para a policial, as agressões estão na base, inclusive devem ser maior, pois muitas vítimas não registram. Por vezes na esperança de isso terminar ou mesmo por dependência financeiraou emocional.
Os números nacionais mostram que no ano passado, de cada dez mulheres, três sofreram algum tipo de violência. Nesse universo, quatro foram assediadas.
Com relação a homicídios contra elas, o RS tem um índice maior do que o brasileiro. A cada 100 mil pessoas, foram 5,1 mortes de mulheres. No país, esse número é de 4,6. Dos 300 casos de homicídios de mulheres no Estado, 83 foram classificados como feminicídio (quando o assassinato é cometido em função do gênero).
“Se o RS tem um elevado índice de feminicídios, fica evidente que os autores praticam tal violência ligada ao machismo estrutural que coisifica a mulher e estabelece relações de hierarquia e submissão”, afirma a delegada aposentada e professora da Univates, Elisabete Barreto Müller.
Maioria na sociedade e no desemprego
A população gaúcha é composta por 51,3% de mulheres. Com relação a força de trabalho, corresponde a 46,2% das vagas preenchidas. O contingente feminino é o maior em relação aos desempregados, com 56,5%. Índice mais elevado do que a nacional, que fechou 2019 com 53,1%.
Quando se analisa os rendimentos, mais desigualdade. Para as mesmas funções, as mulheres gaúchas recebem 26% menos do que os homens. “Tal índice representa uma enorme injustiça e uma notória discriminação. A igualdade prevista pelo artigo 5° da Constituição não está sendo cumprida na prática”, afirma a professora.
Para Elisabete, é preciso desenvolver ações afirmativas para equilibrar as competências e méritos individuais. O primeiro passo, diz, seria criar incentivos para que elas tenham as mesmas condições de trabalho do que os homens. “Penso que também poderiam haver projetos para levar mais transparência na divulgação de salários no setor privado e prever benefícios para empresas que se destacam.”
Em relação aos cargos de chefia, houve mais redução da participação das mulheres entre 2015 e 2018. No primeiro ano da análise era de 34,8%. No número mais atual, o percentual está em 33,8%.
Na história
Desde o fim do século 19, organizações de mulheres operárias protestavam por melhores condições de trabalho na Europa e nos Estados Unidos. O primeiro Dia da Mulher foi celebrado em maio de 1908 nos EUA. Cerca de 1,5 mil mulheres aderiram a uma manifestação por igualdade econômica e política no país.
A data foi instituída em 1910, na 2ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas quando mais de cem representantes de 17 países aprovaram a criação do dia. O objetivo era honrar as lutas femininas e buscar suporte mundial em defesa da igualdade de condições entre homens e mulheres.
Em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU) assinou o primeiro acordo internacional com os princípios de igualdade entre homens e mulheres. Nos anos 60, o feminismo cresceu junto com os movimentos de contracultura.
O 8 de março foi reconhecido pelas Nações Unidas em 1977. No Brasil, a mobilização das mulheres começou no início do século 20. Os grupos buscavam melhores condições de trabalho e qualidade de vida. A luta se fortaleceu com o movimento das sufragistas, entre 1920 e 1930.
Por meio desse movimento, as mulheres ganharam o direito ao voto, em 1932.