Lindas, empoderadas e cacheadas. Cada vez mais mulheres têm aderido à transição capilar, um processo que vai muito além dos cabelos. Como o próprio nome diz, é um momento transitório, de grande mudança interior, de resgate da autoestima e de se reconectar com a sua beleza natural.
Para Loise Lanius, 21, a transição foi, além da aceitação das madeixas crespas, a aceitação da sua identidade. Os alisamentos iniciaram quando tinha apenas 14 anos. “Antes eu nunca soltava meu cabelo pois tinha vergonha do volume”. Porém, com os cabelos lisos, não se identificava com a mulher que via no espelho. Aos 16 anos, decidiu dar adeus aos lisos e se amar ao natural. “Agora posso me ver como mulher negra que sou”.
A transição capilar consiste no processo de mudança do fio, de um cabelo alisado que retorna para sua forma original, ondulada ou crespa, explica a cabeleireira Josiani Luz. A profissional trabalha com transição capilar há cerca de dois anos, mas antes já havia vivenciado o processo em seu próprio cabelo.
A primeira etapa é avaliar em qual grau de curvatura o cabelo está na área de crescimento, e quanto de alisamento ainda consiste nos fios. Conforme Josiani, um dos tratamentos mais utilizados é um processo que replica as pontes dissulfeto nos fios para retomar a sua forma natural. Pode ser um processo longo, que envolve um cronograma de nutrição, hidratação e reconstrução dos fios, que resulta não só na saúde das madeixas, mas em uma ressignificação da relação da mulher com o próprio cabelo.
Pode parecer simples, mas o processo exige autoaceitação e autoconhecimento. Há quem prefira manter os fios alisados e cortá-los aos poucos, conforme o crescimento da raiz natural. Mas algumas mulheres preferem partir por outro caminho da transição, o big chop, corte que retira toda a parte alisada do cabelo de uma só vez. Esta foi a escolha de Loise. “Não aguentava me olhar no espelho e ver a raiz cacheada e o restante liso, então cortei. De início foi algo diferente, postei uma foto em uma rede social com o cabelo curto e muitos me chamaram de corajosa, mas para mim foi tranquilo, cabelo cresce”, lembra.
Não há contra indicações, mas é necessário passar por uma avaliação capilar detalhada para analisar a estrutura dos fios, explica Josiane. O tempo mínimo de duração da procedimento é de seis meses, caso a mulher não queria optar pelo big chop. Durante a transição, é importante usar apenas produtos hidratantes e não utilizar nenhum tipo de defrizante, uma vez que o mesmo vai ir contra o tratamento, alisando os fios.
Para quem prefere respeitar os seus limites e reencontrar a sua beleza natural aos poucos, pode apostar em outras formas de lidar com os fios rebeldes durante a transformação, como coques, lenços e faixas.
A liberdade de ser quem se é
“Até hoje nunca conheci uma cacheada que em algum momento não tenha desejado ter nascido com o cabelo liso. Lembro que desde muito nova, com 10 ou 12 anos, sempre queria meu cabelo liso”, lembra a auxiliar de marketing Letícia Tiecher Toriani, 26.
Os alisamentos começaram aos 16 anos e o processo de libertação da química só veio com a aceitação dos cachos. “Fazia tempo que tentava passar pela transição, mas sempre acabava me rendendo. Chegava uma hora em que a parte lisa ia para as pontas e a raiz ficava cacheada. A autoestima, que já não era essas coisas, ia para o fundo do poço”.
Até que, em meio a um processo intenso, que envolvia um período de intercâmbio e grande mudança pessoal, Letícia decidiu aceitar a genética e abolir a química das madeixas. O big chop chegou a ser cogitado, mas de início Letícia preferiu passar pela transição aos poucos. Enquanto o cabelo crescia, os coques eram a alternativa. A raiz danificada, no entanto, incomodava a jovem, que decidiu então cortar toda a parte lisa. O processo todo durou cerca de dois anos. “Foi libertador e um dos momentos mais marcantes da minha vida no quesito autocuidado e autoaceitação”.
A decisão de Letícia em assumir sua identidade cacheada incentivou a mãe a também assumir os cachos. “A representatividade, nesse sentido, interfere muito para que a sensação de pertencimento faça parte da gente”.
Os cachos, que antes eram motivo de insatisfação, acabaram se transformando em inspiração e em um laço que a conecta com outras pessoas, destaca Letícia. “As pessoas elogiam, se identificam. Nunca vou esquecer de um dia em que estava na rua e passei por uma menina, de uns 5 ou 7 anos, de mãos dadas com a mãe. Ela olhou para mim, apontou e disse: Olha, mãe, que lindo o cabelo dela, todo cacheadinho que nem o meu”.
Eu sou meu próprio padrão de beleza
Para Loise, não devemos aceitar os padrões impostos e sim, sermos o nosso próprio padrão de beleza. “Cada mulher se sente bem de uma maneira, conheço meninas que não se veem mais com os cachos e está tudo bem também”. Para mulheres que estão pensando em passar pela transição, Loise aconselha: evite comparações dos seus cachos com de outras mulheres, tenha certeza que a aceitação não vem do dia pra noite e lembre-se que a beleza esta na tua definição e volume.
Para Letícia, o processo de aceitação iniciou ao perceber que na genética também estão suas raízes. “Tem alguma parte da minha árvore genealógica que explica meu cabelo cacheado. Por que vou anular isso, se é o que me torna eu mesma? É aí que nasceu o empoderamento, a ressignificação da autoestima e o cultivo do autoamor”.