Odilo José Koch, de Lajeado, começou a trabalhar na lavoura ao lado dos pais quando ainda tinha 7 anos. Ao completar 18, confeccionou o primeiro Talão de Produtor. Desde então, toda produção de milho, melado, aipim, leite, criação de gado e suínos para abate, sempre foi registrada mensalmente.
Ao atingir os 60 anos e mais de 40 de contribuição, encaminhou o pedido de aposentadoria, garantido por lei, dois dias após o aniversário. Mas, o tão sonhado benefício para auxiliar no sustento da família virou um pesadelo.
Após quase um ano de espera, teve o pedido negado. O motivo alegado é um auxílio doença concedido entre março de 2015 e julho de 2016. “Como tinha anos de atividade sobrando, nem foi anexado ao processo este período. Contribui sempre e agora me excluem. É muito triste”, emociona-se.
Para tentar reverter a situação, contratou um advogado e entrou com uma ação judicial. De saída teve que pagar R$ 1 mil. E ainda, caso consiga o benefício, até 30% do valor do atrasado, também terá que repassar ao jurídico. “Isso é humilhante. As pessoas que analisam os pedidos nem sabem onde fica ou quantas tetas tem uma vaca. Acham que tudo brota das prateleiras do mercado”, desabafa.
Faxina para pagar as contas
A mulher de Odilo, dona Sirlei, 54, encaminhou o pedido faz 4 anos e meio. Na época juntou os anos de contribuição rural com mais de 15 anos de trabalho como faxineira. “Paguei autônomo e quando estava na roça sempre tive talão. Agora não aceitam”, explica.
A situação também foi parar na justiça. Enquanto não conseguem a aprovação, ambos seguem o trabalho. Ele na lavoura por mais de 14 horas diárias e ela como faxineira, com jornada superior a 12 horas. “Se a gente parar, passamos fome. Por azar ainda quebrei o pé, mas nem encaminhei o auxílio doença com medo de que isso também possa influenciar na análise do novo pedido”, finaliza Odilo.
“Vou manter a produção”
Ecio da Costa, 60, de Travesseiro ainda espera pela aprovação do benefício encaminhado em novembro. Trabalha na roça desde os 10 anos de idade. As primeiras notas foram registradas em 1979 com a venda de soja, milho e aipim.
Três anos depois, começou a se dedicar à produção de leite, a principal fonte de renda até hoje. Com seis vacas em lactação vende em média 70 litros por dia. “Um salário ajuda muito, mas não conseguimos nos sustentar só com isso. Pretendo continuar o trabalho enquanto conseguir”, observa.
Critica a demora e burocracia exigida pelo INSS para encaminhar o pedido. “Sem ajuda do sindicato, talvez nunca conseguiria reunir todos os documentos”, observa.
“Estou a beira da loucura”
Liane Wunder, 56 anos, de Canudos do Vale está em tratamento contra a depressão e tem problemas cardíacos. Gasta mais de R$ 150 em um tipo de remédio, não fornecido pelo Posto de Saúde. Além disso, mensalmente precisa fazer consultas com especialistas.
O pedido foi encaminhado no dia 9 de janeiro de 2018. “Estava tudo certo e era só esperar pela aprovação. Como demorou, em setembro fomos até o INSS em Lajeado e eles disseram que foi negado. Alegam falta de notas, mas sempre registramos tudo. Sobram provas de que trabalhei na área. São mais de 38 anos de contribuição”, argumenta.
A aposentadoria foi analisada no Piauí. Um advogado foi contratado para conseguir reverter a decisão. Enquanto nada é definido, ela e o marido Gilmar, 62, seguem com a produção de leite. São 30 vacas e uma oferta diária de 200 litros. Ainda auxiliam os filhos na lavoura de fumo com 60 mil pés plantados.
Insegurança no campo
Conforme a secretária Geral da Fetag, Elisete Kronbauer Hintz, os pedidos agora são encaminhados por meio digital e faz com que os processos sejam avaliados por técnicos previdenciários de outros Estados, que muitas vezes desconhecem as realidades locais e acabam por indeferir os pedidos. “A maioria são casos de erro de análise. Cada indeferimento injusto leva uma incerteza e insegurança ao trabalhador rural”.
A falta de servidores implica no aumento de tempo para examinar cada caso. “Por lei deveria ser dado um parecer em 45 dias. Hoje, em alguns casos, passa de 12 meses”, constata.
Outra crítica é quanto ao desconto do Imposto de Renda, mesmo que o benefício mensal seja de um salário mínimo. “Esse procedimento é contrário à lei, ao entendimento da Receita Federal e à posição do Judiciário”, diz.
Burocracia atrapalha
O presidente da Fetag, Carlos Joel da Silva, critica a exigência de muitas informações que não são relevantes e nem previstas em lei, tais como o título de eleitor, a carteira de habilitação de todos os filhos e valor anual da produção. “Como exigir que agricultores, muitos deles analfabetos, preencham essa declaração? ”, critica.
Conforme a diretora do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), advogada Jane Berwanger, a idade para aposentadoria continua sendo de 55 anos para as mulheres e 60 anos para os homens.
A forma de contribuição se mantém sobre a produção comercializada, sem a exigência de um valor mínimo de contribuição anual, como queria o governo. “Ainda é possível juntar os anos de trabalho na roça com os anos de contribuição com carteira assinada, mas, em alguns casos o benefício é restrito a um salário mínimo”.
Recomenda aos produtores buscar auxílio em sindicatos e advogados especialistas. Em caso de indeferimento, orienta encaminhar um recurso administrativo. Caso a situação persista, pode-se entrar com ação judicial.
“Não negamos a quem tem direito”
Em 2019, o número de pedidos indeferidos aumentou em 60%. A diretora de Benefícios do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), Maria Eliza de Souza reconhece que há represamento de solicitações. “Capacitamos servidores e não serão negados benefícios a quem tem direito”, assegura.
Sobre o desconto do IR, explica ser uma exigência legal e atinge todos que recebem com atraso. “A Procuradoria do INSS vai verificar se existe alguma interpretação que possa ser dada para evitar a dedução pela soma de todas as competências. Se entender que não existe, vamos encaminhar uma consulta à Receita Federal.”