De sentença de morte a doença crônica

Dia Mundial de Combate à AIDS

De sentença de morte a doença crônica

Nas décadas de 80 e 90, receber o diagnóstico positivo para HIV significava uma condenação. Hoje, a maior dificuldade vivenciada pelos soropositivos ainda é o preconceito

De sentença de morte a doença crônica
Vale do Taquari

“Meu chão se abriu. Meu mundo se acabou. Não vou ver meus filhos crescerem.” Essa foi a primeira reação quando Larissa* (nome fictício), 39, descobriu que estava com o vírus HIV. Faz 13 anos que ela descobriu a condição.
Lembra daquele dia como se fosse hoje. Estava em casa, fazendo uma faxina e recebeu uma ligação do Serviço de Atendimento Especializado (SAE) de Lajeado. Pegou o filho com quase dois anos no colo e foi até o local.
Quando recebeu a notícia, foi um turbilhão de sentimentos. O medo da morte, do desconhecido, misturado com a angústia de olhar para a criança e temer pela vida dela também. “Até então, tudo o que se relacionava a doença era uma sentença de morte. Como vou viver? Como vou caminhar na sociedade? O preconceito dos outros e o nosso também dificultam a aceitação.”
Natural de Porto Alegre e moradora de Lajeado, hoje ela tem uma vida quase normal. “Me sinto mais forte e saudável. Aceitar ainda não aceitei. Mas convivo com a doença.” Ela contraiu o vírus do segundo marido.
Havia se casado fazia pouco mais de um ano. Mantinha uma programação de exames periódicos. Quando precisou fazer uma cirurgia, o resultado deu inconclusivo. “Fiquei com uma pulga atrás da orelha. Fiz o procedimento e retornei para fazer um novo teste.”
O mais difícil, relembra, foi conversar com o marido e convencê-lo a ir ao SAE. “Ele estava com problemas de saúde. Eu tinha de falar com cuidado para ele não desmoronar.” O homem fez os exames e foi diagnosticado como tardio. A aids já estava se manifestando no organismo dele. Então, começou o tratamento com os coquetéis em seguida.

estatísticas aidsAlívio. Filhos livres

Em seguida, era preciso contar para os filhos e levá-los para fazerem os testes. O mais velho tinha 9 anos. Como todos eram do primeiro casamento, nenhum se infectou. A condição de saúde do casal é mantida em sigilo. Os pais não sabem, os irmãos e amigos. “Resolvemos nos preservar”, resume.
A industriária realça: “o preconceito mata. Na família do meu marido, eles não entendem. O assunto é um tabu. Em muitos outros lares é assim também. Se fala para o menino perder a virgindade, mas não se orienta sobre a importância de se cuidar.”
Com o avanço no tratamento, mesmo na gestação, a criança nasce sem o vírus. As provas científicas começaram a surgir faz mais de uma década, com o uso de coquetéis, é possível deixar o HIV indetectável.
tabela aids em lajeadoA meta da Organização Mundial da Saúde é garantir que até 2020, o número de pessoas contaminadas e com o vírus indetectável alcance 90% (estado em que a pessoa não transmite o vírus e consegue manter qualidade de vida sem manifestar os sintomas da aids.)
No Brasil, conforme o Ministério da Saúde, 92% das pessoas em tratamento já atingiram esse estado. Todo o tratamento é gratuito na rede pública. Inclusive também está disponível em Lajeado uma das tecnologias mais avançadas na prevenção combinada ao HIV, é a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), destinada para um público mais exposto às Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), como pessoas trans, gays, trabalhadores do sexo, população privada de liberdade e dependentes químicos. Em Lajeado, dos 940 cadastros do SAE, 88% dos pacientes estão com o HIV indetectável.
Neste domingo, 1º de dezembro, o Dia Mundial de Combate à Aids completa 31 anos. A data foi instituída em 27 de outubro de 1988, cinco anos após a descoberta do vírus causador da AIDS. Naquele período, 65,7 mil pessoas tinham sido diagnosticadas e mais de 38 mil já tinham morrido.
grafico casos aids vale

Contágio maior dos 20 aos 39 anos

O alerta deixado por ela é reforçado pela assistente social, coordenadora do SAE Lajeado, Waldirene Bedinotto. “A AIDS não tem preconceito. Atinge qualquer um que fizer sexo sem proteção. Seja pobre, rico, com ou sem estudo.”
Hoje, diz, não há mais grupos de risco, como era nas décadas anteriores. “É preciso desmistificar a doença. Hoje não morrem tantas pessoas como era no passado. Talvez isso tenha feito com que os maios jovens baixarem a guarda.”
Essa afirmação diz respeito aos índices de diagnóstico em Lajeado. Dos 57 até outubro deste ano, 30 foram de pessoas dos 20 aos 39 anos. A grande maioria por fazer sexo sem preservativo, afirma Waldirene.

Risco do sexo ocasional sem proteção

Apesar de se tratar de uma faixa etária com mais acesso a informação e conhecimento sobre a doença, a enfermeira responsável pelo SAE Estrela, Maria de Lourdes Oliveira Wermann, acredita que são diversos os motivos para esse contágio.
Passa por acreditar que nunca acontecerá com eles e também pelo avanço no tratamento. “A exposição sexual ocasional está vinculada ao uso abusivo do álcool e também na crença de que, por se tratar de uma exposição com alguém de mesmo nível social está tudo bem.”
Como a tendência é que o número de infectado seja maior do que os diagnósticos, a enfermeira acredita que muitas pessoas têm vergonha em procurar os serviços de saúde. A aceitação do diagnóstico de HIV reagente, diz a enfermeira, também passa pelo empecilho da “falsa” ideia de não fazer parte de um “grupo de risco”.
Para a profissional, a aceitação social no convívio de alguém com o vírus demonstra os valores da sociedade. “Isso torna difícil a aceitação e a discussão aberta, fora dos grupos de pessoas que vivem com a doença. Seria interessante se os valores sociais evoluíssem na mesma velocidade das tecnologias de cuidado e farmacológicas.”
O Vale do Taquari tem dois Serviços de Atendimento Especializados (SAEs). Além de Lajeado, a outra unidade fica em Estrela. No cadastro de ambos, há 1.968 pacientes. Esse número é diferente do total de diagnósticos da região, pois há pacientes cadastrados de outras localidades gaúchas.
Pela estimativa do Ministério da Saúde, a cada diagnóstico de HIV confirmado há, em média, outras três pessoas contaminadas sem saber.
mapa soropositivos vale
 

FILIPE FALEIRO – filipe@jornalahora.inf.br

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