O barulho ensurdece. A audição (ou a falta dela) interfere na nossa capacidade de concentração, de pensamento, de reflexão. Daí em diante interfere também nas nossas ações e reações. Um ambiente barulhento pode dificultar que pensemos com clareza e, muitas vezes, é determinante nas nossas escolhas.
Os tempos atuais são de barulho. A profusão de máquinas e de dispositivos eletrônicos nos distrai. Falta atenção em quantidade para todos os sons que nos cercam. Até a música, que por tempos foi sinônimo de palavra cantada, sucumbiu à fusão de sons e aos fonemas incompreensíveis. Algumas atuais, nem com legenda eu consigo decifrar. É impossível acompanhar todas as mídias sem que se perca um pouco da vida, dos nossos vínculos, dos que nos cercam. Aí que entra o ensurdecimento. Muito barulho por nada, já dizia Shakespeare. A gente até se olha, mas não se vê, nem se houve. A personagem Amélie Poulain, no filme homônimo, responde a pergunta do seu pai: como vão as coisas? Tudo bem, diz ela, tive um ataque cardíaco, mas isso foi depois dos dois abortos que fiz, pois naquela época estava viciada em crack, mas agora está tudo bem. Com a resposta, a surdez se revela na expressão e no comentário do pai: que bom. E a vida segue, com ambos sorvendo o jantar da surdez afetiva.
O silêncio ensurdece. A ausência de sons pode remeter a uma sensação de abandono, de solidão e de paz. Nenhuma perturbação e todo o vazio, nada que prejudique o pensar com clareza e a tomada da melhor decisão.
Os tempos atuais são da palavra que emudece. Nada pode ser mais ensurdecedor do que o silêncio, quando se está à espera de uma só palavra. Resposta. Como disse Débora Carvalho, nada pode ser mais silencioso do que uma porção de palavras ditas na hora errada. Somos pródigos em falar, falar, e econômicos no ouvir. Mas os tempos atuais também são da palavra emudecida. Aquela palavra que não alguém não quer ouvir, que é calada pela censura, pela exclusão, pela falta de espaço. Quando se tem o poder de fazer calar, todo cuidado é pouco. Cortar o microfone, encerrar a coluna, porque a tua palavra não me agrada. Na intimidade, posso tudo, até calar ou fazer calar. Tenho direito ao silêncio. No espaço público, o silêncio não me pertence. Tenho que falar e deixar falar. Senão, o silêncio se torna ensurdecedor.
Opinião
Ney Arruda Filho
Advogado
Coluna com foco na essência humana, tratando de temas desafiadores, aliada à visão jurídica