Comunidade se une para reconstruir  fábrica de velas

um novo sopro

Comunidade se une para reconstruir fábrica de velas

Um incêndio destruiu a “Velas Imigrante” e provocou prejuízo de R$ 800 mil. Queimou patrimônio construído em 13 anos. O que representou o fim da empresa, despertou uma comovente mobilização comunitária que luta pela reconstrução da única fábrica do ramo no Vale

Comunidade se une para reconstruir  fábrica de velas

Bizo fez do empacotamento de velas um passatempo e um auxílio na recuperação de um câncer de intestino. Todas as manhãs, Werno Werkhausen, de 89 anos, ia até a fábrica de velas repetir a atividade que iniciara em 2013, quando o negócio familiar dobrou de tamanho. No local onde trabalhava, havia um estoque de 10 toneladas de velas, pronto para ser entregue até o feriado de Finados, com uma expectativa de faturamento de R$ 120 mil.
De fato, a empresa vivia o seu melhor momento em 2019 e outubro se encaminhava para ser um dos melhores meses do ano. Tudo mudou no dia 10. Um curto circuito no roteador da internet transformou em cinzas aquilo que fora construído em 13 anos. Não sobrou nada. Além do estoque de velas, a família perdeu o pavilhão de 120 metros quadrados, erguido ao lado da casa onde moram.
Administrada por Cleibler Mattuella, a empresa contava com mão de obra de quatro integrantes da família e duas funcionárias. Os cerca de 600 produtos eram comercializados por 12 representantes comerciais em praticamente todas regiões do Rio Grande do Sul.
A trajetória da empresa remonta a história da maioria dos negócios familiares da região. Nasce do espírito empreendedor e da inquietude de Cleibler Mattuella. Ao perder o emprego de representante comercial, em 2006, Mattuella pesquisou mercados com potencial de expansão, quando descobriu a inexistência de fabricantes de velas no Vale do Taquari. Era a oportunidade que procurava.
Com R$ 20 mil emprestados do sogro Ênio Scheer, o empreendedor improvisou a fábrica no porão de 25 metros quadrados. A linha de produção se resumia a duas máquinas e um derretedor de parafina tocados pelo sogro e a esposa Andrea, neta do Bizo.
Como a renda ainda era baixa, Mattuella complementava a receita mensal vendendo peixe para uma distribuidora. “Vendia o peixe e levava as velas. Assim fui abrindo mercado”, relembra.
Passar a noite e os fins de semana trabalhando começou a fazer parte da rotina da família. Tudo piorava em dias de chuva. Um poço vertia água e alagava o porão. Por várias vezes a família teve de produzir velas com galocha e pisando em 30 centímetros de água.
“A gente acordava nas madrugadas chuvosas para erguer as máquinas. Íamos de pijama mesmo”, recorda Andrea. Mesmo com os percalços, a empresa conquistava mercados e crescia. Em 2009, foi necessário ampliá-la para um novo espaço.
Ao lado da residência, um antigo paiol foi destruído para construção do pavilhão de alvenaria com 60 metros quadrados. Quatro anos depois, em 2013, o espaço foi duplicado.
Foi nesta época que Bizo, o avô de Andrea, começou a auxiliar na empresa empacotando as velas. “Aqui, todo mundo pega junto”, resume.

“A empresa vai queimar, mas estamos vivos”

As lembranças do dia 10 de outubro ainda assombram a família. Scheer foi o primeiro a constatar que havia fumaça no escritório por volta das 5h30min. Suspeita é que as chamas iniciaram devido a um curto-circuito causado pelo superaquecimento do roteador de internet.
Quando ele e Mattuella chegaram com a mangueira e o extintor, o fogo já consumia o escritório. “Tentamos apagar, mas era impossível. Então percebi que era melhor desistir. A empresa vai queimar, mas estamos vivos”, conta Mattuella.
Neste momento, a prioridade era evitar que o fogo destruísse a casa, distante menos de 20 metros do pavilhão em chamas. As filhas Yasmin, Alice e Isabeli foram levadas por Andrea para a casa de um vizinho. “Estávamos de pijama e chinelo de pano. No caminho, elas pediram pelas bicicletas que queimaram junto com o pavilhão”, recorda Andrea.
As chamas foram apagadas pelos Bombeiros Voluntários de Imigrante e Colinas (Imicol), Bombeiros de Estrela e Brigada de Incêndios da Metalúrgica Hassmann, após mais de cinco horas. Foram usados sete mil litros de água e 40 litros de espuma. “Se não fossem os bombeiros, a nossa casa e a casa do vizinho queimariam também”, acredita Mattuella.

Sem títuloO recomeço

No dia após o incêndio, o sentimento na família era de desilusão. “A nossa ideia era dizer chega e nunca mais ter empresa”, confessa Andrea.
Passados mais de 20 dias do sinistro, a família encontrou forças na comunidade de Imigrante para recomeçar. Campanhas se multiplicaram para arrecadar recursos, materiais e mão-de-obra voluntária.
“São pessoas que sempre participaram da vida comunitária e muito queridas no município. Imigrante também é uma cidade solidária e sabe que é melhor ajudar do que pedir ajuda”, entende uma das voluntárias nas campanhas, Cláudia Hassmann.
A família já possui projeto do novo pavilhão que deverá ser construído sob as cinzas da antiga fábrica. Expectativa é ampliar mercados e fazer com que a empresa reabra ainda mais forte que no passado, projeta Mattuella.
Conforme ele, há pessoas que já ofereceram mão-de-obra voluntária e materiais para a reconstrução da empresa. Caixas foram espalhadas por estabelecimentos comerciais de Imigrante para doações. Também há uma Vakinha Online onde é possível fazer contribuições voluntárias. Até o momento, quase R$ 3 mil já foram arrecadados.
“A gente não esperava tanta solidariedade. Muitos clientes disseram que aguardam nosso retorno ao mercado. Também recebemos mensagens de pessoas que a gente nem conhecia. 80% da empresa será reerguida com o apoio da comunidade”, afirma Mattuella.
O novo pavilhão será maior que o antigo. Terá 170 metros quadrados e deve contemplar até uma loja para os visitantes do roteiro turístico Caminhos de Imigrante.
O incêndio gerou visibilidade à empresa e atraiu até a atenção de uma distribuidora que deverá levar as velas para Santa Catarina e Paraná. “Somos resilientes e vamos usar esse fator negativo a nosso favor. A empresa que viram queimar será reerguida. Vamos voltar maiores que antes”, garante Mattuella.
Expectativa é que as obras iniciem ainda neste ano e sejam finalizadas em janeiro de 2020. Nas previsões da família, a fábrica deverá voltar a produzir velas em fevereiro.

FÁBIO KUHN – fabiokuhn@jornalahora.inf.br

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