A sala de cinema estava cheia. Entrei com receio, mas precisava assistir ao Coringa. Talvez por ser um clássico do cinema. Ou pela expectativa de como o diretor Todd Phillips construiria o personagem já tão conhecido no mundo das histórias em quadrinhos.
O filme se passa em uma Gotham em pedaços. Não só pelas ruas tristes ou pela fotografia escura. Mas pelas pessoas. A maldade, o desprezo e a violência são palavras que definem a sociedade e contribuem para a mudança de Arthur Fleck (o Coringa). Até certo ponto.
A narrativa dialoga com o histórico do personagem. O roubo dos direitos humanos e todo o sofrimento que passou torna suas atitudes quase perdoáveis. E, de certa forma, cria uma vontade coletiva por justiça. O fato é que o Coringa é doentio e acha graça na violência. Os fracassos da vida apenas despertaram isso.
Vivemos em divisões de classe social. Os mais ricos contra os mais pobres. E a vontade por justiça ali no meio. Essa vontade às vezes extrapola os limites da humanidade e um pedacinho dela vai morrendo aos poucos. O filme mostra isso. E critica isso, de uma forma não muito sutil.
O Coringa é construído com um pouquinho de cada coisa ruim do mundo para compor um dos piores vilões do cinema. Isso me faz pensar nas nossas próprias atitudes. O personagem é aquilo que por décadas as pessoas falaram sobre ele. Foi moldado pela vida. Como todos nós. Para o bem ou pelo mal, nossas atitudes afetam os outros.
O desprezo e a falta de empatia tiraram toda a inocência que talvez existia nos shows de comédia de Arthur Fleck. A negligência despertou o mal soberbo. A partir de sua transformação, perdeu o pouco de humanidade que ainda tinha. Para ele, suas atitudes se tornaram banais. A doença teve um empurrãozinho dos discursos sobre ele.
São os discursos que constituem as pessoas. Ao mesmo tempo em que provocamos tanta destruição nos outros, temos forças para incentivar o bem. A gentileza tem poder. Quem sabe com um pouco de carinho e atenção, o Coringa deixasse de ser a máxima de um vilão para se tornar um anti-herói ao menos. Também não sejamos tão otimistas. Mas sabe, o respeito e a dignidade humana nunca saíram de moda.