Investigação aperta o cerco sobre empresas

Criptomoedas ou pirâmide financeira?

Investigação aperta o cerco sobre empresas

Receita e Polícia Federal fecham Unick e prendem diretores. Suspeita é que organização liderava esquema de pirâmide financeira. Em março, operação similar encerrou as atividades da Indeal

Investigação aperta o cerco sobre empresas

Uma movimentação financeira que chegava a R$ 40 milhões por dia despertou o sinal de alerta na Receita, na Polícia Federal e no Ministério Público sobre a atuação da Unick, com sede em São Leopoldo. Como resultado, após cerca de dez meses de investigação, a PF desencadeou a Operação Lamanai. operação de ontem resultou na prisão de dez integrantes da empresa. Os nomes não foram divulgados.
Os agentes cumpriram na manhã de ontem os mandados de prisão e 65 ordens de busca e apreensão. A ação ocorreu em Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo, Caxias do Sul, Curitiba, Brasília, Palmas e Bragança Paulista.
Junto com a operação, também estão sendo cumpridas medidas cautelares de sequestro de bens, bloqueio de dinheiro em contas bancárias e apreensão de veículos. De acordo com a PF, a Unick movimentou R$ 9 bilhões neste ano.
A investigação ainda não apresentou de onde eram os investidores/clientes da empresa, mas a lista tem pessoas de diversos estados brasileiros, dos Estados Unidos e também da Europa. Segundo a PF, a captação de verbas estava estruturada em formato conhecido como pirâmide financeira. A forma, apontada como crime desde a década de 50, estipula que os novos investidores subsidiam pagamentos de remuneração daqueles que aplicaram dinheiro há mais tempo.
Em nota, a empresa afirmou: “Unick reafirma seu compromisso de colaborar com as autoridades competentes, prestando as informações necessárias para apuração de quaisquer eventuais fatos que tenham ocorrido em relação a suas operações.
A empresa reafirma seu compromisso com seus clientes e acredita na Justiça e nos esclarecimentos dos fatos.”
A Unick prometia dobrar o capital investido em seis meses e também pagava comissões quando os clientes indicavam outras pessoas. A empresa atua em 14 países. A PF apura lavagem de dinheiro, evasão de divisas, organização criminosa, crime contra o sistema financeiro e contra a economia popular.

08_AHORA“Ganhei mais do que perdi”

Cliente da Unick, que prefere não se identificar, conta que começou a investir com pouco mais de R$ 1 mil. Em quatro meses, ganhou quase o dobro. Diante do sucesso da operação, começou a depositar mais dinheiro.
Faz quatro meses, pediu para encerrar o contrato. “Eu já conhecia os riscos. Desde quando entrei. Sabia que poderia perder. No fim, ganhei mais do que perdi.” Ele aconselha: “Para entrar em um negócios desses, é preciso analisar bem. Eu coloquei um dinheiro para movimentar, que eu não precisava.”
Por outro lado, sabe de muitos participantes que perderam quantias expressivas e agora esperam o desencadear das ações judiciais para reaver o dinheiro. “É algo que vai demorar. Muitos sabem. Eu estou tranquilo, pois sabia dos riscos.”
Incapaz de honrar os pagamentos de saques, em agosto, a empresa passou a anunciar seguidos processos de reestruturação do sistema. Alegava que os problemas se davam devido ao crescimento no número de clientes. Depois afirmou ter sido lesada por um golpe que teria desviado R$ 1 bilhão.

Alerta do mercado

A Unick Forex dizia operar no mercado Forex e de Criptomoedas. Em março de 2018, a empresa sofreu a primeira retaliação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A notificação era para que interrompesse a captação de clientes. Foi expedida uma ordem de parada de operações. Mesmo assim, a empresa seguiu.
Foram três alertas ao mercado. No último, a comissão destacou que haviam indícios de pirâmide financeira nas ofertas da Unick. A comissão abriu um processo administrativo, prevendo punições aos responsáveis.
Já a empresa gaucha alega que não oferece investimentos, e por isso, não estaria sujeita à fiscalização da CVM.

Ação contra a Indeal

Esta é a segunda ofensiva contra empresas que atuam no mercado de criptomoedas no RS. Em maio, a Operação Egypto resultou na prisão dos sócios da Indeal — que já foram soltos — e no bloqueio de bens da empresa, investigada por fraude financeira.
Em julho, a Justiça aceitou denúncia do Ministério Público Federal (MPF) e 15 pessoas acusadas de envolvimento no esquema viraram réus. O tamanho do prejuízo às vítimas ainda é calculado — relatório da Receita Federal anexado ao inquérito da PF aponta dívida de R$ 1,1 bilhão a 23,2 mil clientes da Indeal.
Os investidores e o setor jurídico da empresa criaram uma associação como forma de defender o interesse dos clientes.

Entrevista

“O objeto dessas pirâmides é se aproveitar do desconhecimento das pessoas”

Especialista em gestão estratégica, finanças corporativas, transformação digital e tecnologias disruptivas, Fábio Junges é certificado como profissional de Bitcoin. Na avaliação dele, o mercado das criptomoedas está sendo usado por golpistas devido ao pouco conhecimento das pessoas sobre a compra de ativos digitais.
A Hora – Como a operação de hoje impacta sobre os negócios de criptomoedas?
Fábio Junges – Esse mercado é muito novo e tem aspectos positivos e negativos. Há pessoas fazendo um trabalho sério e muitos que agem de má-fe, usurpando do interesse dos investidores. Então surgem oportunistas que usam esse conceito de pirâmide financeira. Isso não nasceu com as criptomoedas. Na verdade, as moedas digitais são vítimas desses golpistas.
Por óbvio, afeta a credibilidade do negócio. Mas ao mesmo tempo é positivo, pois aumenta o interesse das pessoas em saber como é o funcionamento dos ativos digitais. Então, muitas vezes, aquele que perdeu dinheiro, que foi vítima, vai buscar conhecimento e informações de como funciona esse mercado.
– Como as investigações interferem no interesse das pessoas sobre o assunto?
Junges – Nenhum modelo de negócios baseado na entrega de dinheiro na mão de uma empresa, com promessa de rentabilidade fácil e rápida é garantido. Na maioria, são empresas que nem investem em criptomoedas.
O objeto dessas pirâmides é se aproveitar do desconhecimento das pessoas. O mercado das moedas digitais é novo, complexo e pode ser uma oportunidade. No entanto, quando alguém promete grande rentabilidade, desconfie, pois há uma grande chance de ser uma pirâmide financeira. Pois pelo que essas empresas falam, de 15% ao dia, ou duplicar o investimento em poucos meses é garantido, isso não é verdade.
– De que forma se pode dar mais garantia ao investidor?
Junges – A única forma é o conhecimento. É preciso entender o que é a moeda digital, como funciona esse ecossistema e como é possível operar com mais segurança. Reforço, toda vez que alguém coloca dinheiro na mão de uma empresa, que doa seus bens e não sabe o que estão fazendo com os valores, é provável que seja vítima de um golpe. Nos últimos meses, vimos diversas empresas desaparecer com o dinheiro dos clientes. Então, a primeira necessidade é conhecer. Fazer um curso sobre o funcionamento desse mercado.

FILIPE FALEIRO – filipe@jornalahora.inf.br

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