Master coach com mais de 20 anos de experiência em gestão pública e liderança, Paulo Cezar Kohlrausch é prefeito de Santa Clara do Sul, cargo que ocupa pelo terceiro mandato. Ele lidera o processo de inovação voltado para a produção de alimentos orgânicos, que proporciona renda à agricultura familiar ao mesmo tempo em que incentiva a alimentação saudável. É a primeira vez que um programa com essas dimensões ocorre de forma planejada e com articulação público-privada na região.
Nomeado Santa Clara Mais Saudável, o programa completou dois anos com resultados expressivos, que serão apresentados ao público regional durante a Santa Flor 2019. Totalmente voltado para a sustentabilidade, o evento ocorre entre 19 a 22 de setembro e serve de fórum para debater os desafios e as oportunidades dessa tendência.
Para marcar a iniciativa, que alia empreendedorismo, inovação e sustentabilidade, a entrevista do caderno Negócios em Pauta desse mês desvenda os mecanismos do programa, seus desafios e potencialidades.
– Como surge o programa Santa Clara Mais Saudável?
Paulo Kohlrausch – O programa está alinhado com o propósito de permitir a evolução dos indivíduos. Por meio da produção agroecológica é possível trabalhar a saudabilidade, a sustentabilidade e o desenvolvimento. Seguimos uma metodologia já utilizada outras vezes no município, da mesma maneira como construímos a produção de flores. Fizemos um diagnóstico na região e fora dela para ter uma ideia do que era produção orgânica, se isso era uma tendência de fato ou só um modismo e se tinha viabilidade para se implementar. Quando começamos, em 2017, ainda não se falava tanto sobre orgânicos. Já existiam segmentos trabalhando com isso, mas sem tanta visibilidade. Mas se percebia a possibilidade de crescimento exponencial desse mercado.
– Como foi a implementação do programa?
Kohlrausch – Nos certificamos que era viável e conversamos com várias pessoas, de produtores a empresários. Todos foram simpáticos a ideia. Buscamos parceria com a Emater de Porto Alegre para trazer um técnico especializado na área da agroecologia. Fizemos algumas visitas na Embrapa Clima Temperado, em Pelotas e na secretaria de desenvolvimento rural de Porto Alegre para buscar apoio, entre outras parcerias externas. Contratamos uma bióloga com especialização em agropecuária para coordenar o programa por parte da prefeitura. O lançamento ocorreu no dia 29 de junho de 2017. Chamamos todo mundo e apresentamos o projeto e fizemos o cadastro dos produtores interessados. A segunda etapa foi a qualificação dos produtores.
– De que forma os agricultores foram preparados para a produção agroecológica?
Kohlrausch – Um projeto em uma área virgem demanda um ano para conseguir a certificação. Quando é preciso fazer a transição, porque tem uma produção convencional, vai a quase dois anos, porque requer um tempo de descontaminação. As instituições com as quais buscamos parcerias trouxeram conhecimento para essa qualificação específica de produção. Foi o primeiro passo. O segundo passo foi a gestão da propriedade, porque é preciso ter produção, logística e mercado. Nós garantimos mercado aprovando uma lei para consumo na rede municipal de ensino, de forma a assegurar alguma margem de segurança para o nosso produtor local. Tivemos apoio do Sebrae e da Emater na questão da gestão da propriedade. Hoje, já temos 17 produtores certificados para a feira e os demais estão em vias de certificação.
– Como a Santa Flor desse ano se insere nesse processo?
Kohlrausch – Será o ápice de visibilidade da nossa produção orgânica. Demos um sentido diferente para a Santa Flor, que era uma exposição comercial e da produção de flores. Ela será um ponto de comércio, mas também de discussão de ideias, sobre o tema. Servirá para apresentarmos Santa Clara do Sul como um local para receber investimentos na área do turismo, gastronomia e agroecologia. As pessoas que compram produtos agroecológicos são consumidores com propósito, que pensam no consumo consciente. Não compram apenas pelo gosto, mas por saber que o alimento faz bem à saúde e não agride o ambiente. Esse segmento estará presente na feira para discutir, participar e ajudar a fortalecer a ideia.
– Os orgânicos são uma opção rentável?
Kohlrausch – Sem dúvida. O consumo de orgânicos aumentou 85% em um ano, mas no Brasil, esse número ainda é reduzido. Tem um mercado muito grande para ser explorado. O que faz o nosso projeto dar certo é o fato de que não encaramos eles com romantismo. O idealismo é importante, mas não esquecemos que precisa ser um negócio, precisa de uma gestão profissionalizada. Tem que ser economicamente sustentável. Se o produtor que está envolvido no processo chegar ao longo de alguns meses sem uma rentabilidade que garanta uma vida confortável e tranquila, ele não vai permanecer. Precisamos que as pessoas tenham qualidade de vida que vem da lucratividade e do nível de profissionalismo.
– Algumas pessoas ainda pensam que produzir orgânicos é um retrocesso. Porque?
Kohlrausch – Pensar que a agroecologia é voltar ao tempo em que não existiam agroquímicos, que é usar enxada e arado de boi é um erro. Agroecologia é tecnologia. É usar o meio para proteger o meio. Por isso estamos buscando pessoas jovens. O programa trabalha com a perspectiva de sucessão rural, e esse é outro ganho fantástico: conseguimos despertar no jovem que tem relação com a área rural. A produção de alimento está no DNA do nosso povo. A ideia é oferecer um trabalho onde ele é dono do seu negócio e pode estar contribuindo com a evolução da humanidade, com a preservação do meio ambiente, com a sustentabilidade, produzindo alimento que vai fazer bem para a vida das pessoas.
-Como funciona a cadeia logística?
Kohlrausch – Nós temos uma vantagem muito grande. Estamos em um raio de 80km de qualquer município do Vale do Taquari. Estamos próximos de Santa Cruz do Sul à Garibaldi, Taquari à Arvorezinha. É um mercado consumidor enorme. Se conseguirmos abastecer nosso município e microregião, já vamos crescendo. Temos cerca de 7 mil habitantes que tomam café, almoço e janta. São 21 mil refeições dia. Esse é o mercado desse pequeno município. As pessoas conseguem enviar produto de São Paulo aos nossos mercados. Como nós não vamos conseguir abastecer aqui? Para o futuro pode se pensar no Vale dos Alimentos, de forma a acrescentar produtos nesse portfólio, não precisa ser uma região com exclusividade do leite, frango e suínos.
– A agricultura convencional deixará de ser opção?
Kohlrausch – Uma coisa não se sobrepõe a outra. Temos agricultores que produzem em nível convencional e respeitamos isso. Precisamos distensionar as relações. Trabalhar com a conscientização é diferente de impor uma nova cultura. As pessoas não são obrigadas. Nós apresentamos a ideia, a filosofia e a possibilidade de rentabilizar. Mas temos produção de suínos, leites, aves, soja e milho que também são respeitadas e recebem incentivo do governo. Temos que trabalhar com pontos de convergência, até para que no futuro eles possam perceber que a produção agroecológica é a melhor opção.