Muito além da expectativa

Arroio do Meio

Muito além da expectativa

Casal de Arroio do Meio celebra neste domingo Bodas de Vinho. Ao longo deste tempo, eles construíram uma relação de amor, companheirismo e uma família com cinco filhos. Em uma época em que os relacionamentos duram cada vez menos, a história de Urbano e Hilma contraria as tendências

Muito além da expectativa

Em uma manhã de sábado, no ano de 1949, Urbano Arno e Hilma Lohmann subiram ao altar da igreja da comunidade evangélica luterana São Paulo, em Arroio do Meio. Era o dia 20 de agosto. Urbano recorda com precisão de quando o primo José Bruno Klein chegou em frente à sua casa em Palmas para buscá-lo.
Klein, que era taxista em Porto Alegre, dirigia um Simca, automóvel sensação da época. Urbano havia sido padrinho no casamento do primo, que fez questão de retribuir o gesto.
No caminho, buscaram Hilma, que se arrumava na costureira. O registro civil foi feito no cartório do município, antes da cerimônia religiosa.
A festa foi no mesmo local onde os dois se conheceram: um salão de baile em São Caetano, do qual o pai de Hilma era sócio. E durou o dia inteiro. Para animar os convidados, foram chamados os irmãos Halmenschlager, com gaita e violão.
A noiva recorda que os preparos para as festas de casamento eram bem diferentes de hoje. “Quem trabalhou na festa foram os vizinhos, os conhecidos, os convidados. Tinha algumas mulheres que ajudavam dias antes, para arrumar tudo”, diz.
O público se dividiu em quatro grupos para revezar os lugares à mesa. O cardápio era simples, mas a comida era farta. Ao longo do evento, foram servidas três refeições: almoço, café e janta.

Ao lado da filha mais velha, Elaine, o casal Urbano e Hilma recorda momentos da história que construíram juntos ao longo de 70 anos. As imagens antigas mostram ambos na época de solteiros e no dia do casamento, em 1949.

Ao lado da filha mais velha, Elaine, o casal Urbano e Hilma recorda momentos da história que construíram juntos ao longo de 70 anos. As imagens antigas mostram ambos na época de solteiros e no dia do casamento, em 1949.


Hoje, o salão não existe mais. A velha igreja deu lugar a uma nova. Mas o relacionamento perdura ao longo de todo este tempo.
Essa semana, eles completaram 70 anos de casamento, tempo impensável para os padrões atuais. Suas idades também superam as estatísticas. Nascidos em uma época em que a expectativa de vida dos brasileiros era de menos de 40 anos, Urbano tem 99 e Hilma, 90.

Namoro só aos domingos

Já no primeiro encontro, se interessaram um pelo outro. Em seguida, iniciou-se o namoro, que durou cerca de três anos até o altar.
Urbano acabara de voltar do quartel. Ele aguardava em Santa Maria o chamado para integrar a Força Expedicionária Brasileira, que combatia na Segunda Guerra Mundial, o que acabou não ocorrendo. Hilma era moradora de São Caetano desde pequena.
Muito dedicado ao serviço na olaria da família, Urbano conta que trabalhava aos domingos pela manhã. “Quando chegava meio dia, eu almoçava e depois limpava as bicicletas, para não ir sujo na namorada”, recorda. Um irmão dele namorava uma prima dela, então eles iam juntos.
Naquele tempo, namorados só se viam uma vez por semana, aos domingos. O passeio era ir a bailes ou a festas da igreja.

A terra prometida

Após dois anos morando na casa da família de Urbano, o casal adquiriu o terreno onde vivem até hoje. Foi o pai de Hilma quem indicou a terra.
casal idoso fotos antigas (2)
O genro gostou da sugestão e contrariou a opinião dos familiares, que consideravam que a área de 14 hectares não valia o preço.
“Meu pai dizia: olha, você não vai conseguir pagar os juros do dinheiro que investiu. E eu pensei: você vai ver meu pulso”, conta. Com auxílio do sogro, um homem muito prestigiado, conseguiu empréstimos com conhecidos e comprou o terreno.
No local, a família produzia suínos e plantava produtos diversos. Tudo feito com ajuda de uma junta de bois. O primeiro trator foi adquirido somente em 1976.
“Em pouco tempo eu tinha pago tudo, porque a terra mostrou que era produtiva”, lembra orgulhoso o patriarca.

A construção  de uma família

06_AHORA
Hoje, o casal ainda mora no mesmo lugar. A casa é outra, construída na década de 1960. Até cerca de cinco anos atrás, Hilma trabalhava na terra. Hoje, a atividade produtiva da propriedade é a criação de gado de um dos filhos.
O casal conta com o acompanhamento de uma cuidadora em tempo integral e com as visitas frequentes dos filhos. O casal conta com orgulho que os cinco estudaram e conseguiram bons empregos.
A filha mais velha, Elaine, 69 anos, diz que o estímulo para o estudo veio principalmente da mãe. Após concluir o colégio, ela passou no vestibular para arquitetura na UFRGS e foi morar em Porto Alegre, onde vive até hoje.
As duas irmãs, Clari e Ivane moram em Lajeado, e os dois irmãos, Roni e Rudi, em Arroio do Meio.
No próximo domingo, Hilma e Urbano celebram as bodas de vinho, no salão da comunidade evangélica no bairro Aimoré.
Familiares, vizinhos e amigos se preparam para o evento, que simboliza a longevidade de um amor que é cada vez mais raro.

ENTREVISTA

“Há uma fragilidade das relações. Assim como as pessoas ficam juntas, elas se separam”

Pamela Machado é psicóloga especialista em terapia de família e casal e professora da Univates. Ela fala sobre as mudanças dos relacionamentos ao longo do tempo e a influência da tecnologia.

Os casais de hoje têm a perspectiva de relações longas?

A maioria pensa em ficar junto naquele momento, mas não vislumbra passar a vida juntos. Não são falas que a gente encontra dentro do consultório. É muito mais ficar juntos porque construíram um patrimônio ou porque tem filhos. É uma perspectiva bastante racional.
As festas de casamento aumentam muito, mas muito mais por uma questão de espetáculo da relação do que como um ritual da união. A festa do casamento virou um acontecimento social. Uma superfesta e quando vai conviver no dia a dia parece que são dois desconhecidos.
Virou um mercado, um espetáculo, apesar do ritual ser bastante importante, porque marca um novo período na vida das pessoas. Eu sempre trabalho a importância do ritual. Mas o ritual pode ser duas pessoas sentando à mesa para jantar, não precisa ser uma festa de R$ 100 mil.

Antigamente era mais comum os casamentos durarem muito tempo. O que mudou nas relações?

Antes, as pessoas casavam muito mais cedo. Por uma questão social e até religiosa não era permitido pensar na separação, principalmente para a mulher. No momento em que temos uma discussão sobre as questões de gênero e o papel da mulher e sobre a relação ser uma escolha de ambos, a separação passa a ser uma possibilidade.
Também com o advento da ideia de união estável, tem a possibilidade de as pessoas morarem juntas, se experimentarem, antes de formalizar um casamento.
Por outro lado, há uma fragilidade das relações. Assim como as pessoas ficam juntas, elas se separam. Uma das explicações é a ideia de uma geração social que tem uma intolerância à frustração.
Tem uma questão focada no indivíduo. O relacionamento tem que dar prazer. Ao mesmo tempo, este prazer é visto como não frustração. Então, você tem uma inflexibilidade com a diferença. E os relacionamentos são muito marcados pela diferença. Não existe uma ideia de que os opostos se atraem, os complementares se atraem.

Como o conceito de amor mudou ao longo do tempo?

O amor passa por uma ideia de admiração. Para tu gostar de alguém, investir em alguém, tem que admirar a pessoa. Mesmo que ao longo do tempo a admiração vai ser por coisas diferentes. Dentro da terapia de casal a gente trabalha muito a ideia da admiração, que sustenta o afeto.
Um tempo atrás, o amor era secundário. Importava que tivesse uma relação estável e questões sentimentais eram vistas com certo preconceito, como uma coisa meio fantasiosa. Hoje a gente vê que os sentimentos são fundamentais para uma relação saudável.

Como a tecnologia influencia nos relacionamentos?

As pessoas têm uma tendência de colocar relacionamentos nas redes sociais, fotos, viagens, declarações. Muitas vezes isso não corresponde à realidade. A tecnologia facilita uma fantasia de uma realidade, que volta a uma ideia de dificuldade de lidar com frustração, que toda relação vai ter. Isso afeta bastante os relacionamentos atuais.


 

MATHEUS CHAPARINI – matheus@jornalahora.inf.br

 

Acompanhe
nossas
redes sociais