Agricultores e motoristas em versões renovadas

Cotidiano de transformações

Agricultores e motoristas em versões renovadas

No campo, do trabalho braçal ao controle da produção pelo celular. Nas estradas, a necessidade de um motorista atualizado frente às necessidades logísticas e às inovações tecnológicas. Nesta era digital, a palavra-chave é adaptação

Agricultores e motoristas em versões renovadas

O cenário na propriedade de Alexandre da Silveira, 40, em Novo Paraíso, interior de Estrela, é diferente do que era há pouco mais de 15 anos. No passado, se produzia de tudo. Tinham-se animais, o gado leiteiro, lavoura de milho, de soja, criação para abate doméstico e frangos de corte vendidos à indústria.
Os pais dele já estavam no trabalho antes do sol nascer. A rotina diária, por vezes, superava 12 horas. Precisavam tratar os animais, tirar o leite, deixar na frente da casa para o leiteiro coletar e sair para vender. Hoje, o sustento da família depende de uma única atividade, a produção de frango. Com menos mão de obra, mas com a necessidade de conhecimentos ligados à gestão, planejamento e informática.
Algo semelhante ocorre nas estradas, dentro da boleia dos caminhões. Quando Jair Inácio Kempfer, 55, começou, a missão era chegar ao ponto de coleta e levar a carga até o local de entrega. Agora precisa usar a tecnologia para cumprir com as necessidades do trabalho.
Neste dia de São Cristóvão, padroeiro dos colonos e dos motoristas, esses trabalhadores contam como a transformação digital trouxe novas exigências e oportunidades. As mutações vão além do impacto tecnológico, interfere sobre as pessoas, como elas enxergam, planejam e interagem. Essa digitalização exige mão de obra qualificada. Ao mesmo tempo, a otimização dos processos reduz o consumo e o desperdício de recursos.

Um novo horizonte

O dia a dia na propriedade e o pouco retorno fizeram Alexandre Luis da Silveira desistir do trabalho no campo. “Ajudava meus pais desde cedo. Nasci e me criei no meio rural.” Com pouca perspectiva, fez como muitos da sua geração. Foi para a cidade. Trabalhou no comércio e em outras funções.
Quando percebeu as novidades que se apresentavam para a produção de frangos, resolveu voltar. A realidade de carregar a ração dos animais, limpar o equipamento de água e controlar a temperatura das granjas, todo os dias, ficaram para trás. “A tecnologia veio para facilitar e deixar o cotidiano mais prático”, realça.
História semelhante de Diego Müller, 33. Trabalhou com construção civil na cidade e voltou ao campo. “O trabalho mudou muito. Ainda há um pouco de necessidade manual. Pouco em comparação com o que era antes”, diz.

Agricultor de hoje é gestor

A necessidade de mais conhecimento na produção exige uma ruptura de paradigma. O produtor rural hoje deve saber de administração. Precisa aprender conceitos de planejamento estratégico e ter a tecnologia como uma aliada.
Essa modernização no campo também impactou sobre a produtividade. Com os sistemas automatizados, onde se criava 60 mil aves, agora são 160 mil. “Isso ainda é muito recente. Vem de uns oito a dez anos para cá”, estima Silveira.
Com vistas nessa nova realidade, tanto ele quanto Diego Müller fizeram um grande investimento. Instalaram granjas chamadas de “Dark house”. O modelo dispensa a presença do homem em meio aos animais.
Os sistemas são automáticos. A ração é depositada por meio da inteligência artificial. O mesmo com a água e com o controle da temperatura. Todas as informações sobre a criação das aves estão na palma da mão. Pelo celular, eles monitoram a produção. “Temos um pouco mais de tranquilidade no trabalho. Por outro lado, temos de estar sempre atentos, sempre ligados”, frisa Müller.

Entre o volantee o tablet

Caminhoneiro faz quase 20 anos, Jair Inácio Kempfer, atua na transportadora Tomasi, de Estrela. “Era mais fácil. Não se tinha tantas obrigações. Antes era só dirigir.” Hoje, em meio à imersão tecnológica, é preciso se atualizar, buscar conhecimento.
“Agora sou um profissional mais completo”, afirma.
Gerente de transporte da empresa, Adriano Jovino da Silva, atesta o quadro de ruptura da profissão de caminhoneiro. “Para se manter no trabalho, o motorista tem que se aprimorar. O mercado é dinâmico.”
Carregar o caminhão no ponto A e levar até o B não é suficiente. O veículo hoje é eletrônico, tem sistema de rastreamento e exige mais conhecimento do condutor. Essa demanda parte dos clientes e das seguradoras, afirma. “Os caminhões têm tecnologia embarcada. Se o motorista não consegue atender, está se excluindo da profissão.”
Com o computador de bordo, cada movimento deve ser avisado. Uma parada fora do plano tem de ser avisada antes. O almoço, abastecimento e o pernoite. Tudo monitorado por meio dos computadores. “Isso possibilita um cálculo preciso dos custos do frete e do preço que será cobrado do cliente”, diz Silva.

“Habilidade de direção não basta”

Por mês, nos cursos de qualificação para condutores da unidade do Sest Senat de Lajeado passam de 200 a 250 motoristas profissionais. Alguns para ingressar no ofício, outros para se manterem, afirma a técnica de formação profissional Fernanda Pinheiro Queiroz.
Aprendem conceitos sobre logística, gestão, inovação e tecnologia. Também reforçam conhecimentos sobre trânsito, com ênfase na direção preventiva. “Habilidade de direção não basta. Precisa conhecer um pouco desse ramo estratégico e também ter noções de manutenção. Aliado a isso, valorizar a qualidade de vida e a saúde.”

Entrevista

“A mão de obra ainda é deficitária às empresas de transporte”

Professora dos cursos de Administração, Logística e Comércio Exterior da Univates, com experiência profissional como coordenadora de vendas do mercado interno e externo, também em gestão mercadológica, orientação e consultoria empresarial, Daiana Gonçalves de Carvalho avalia os impactos da tecnologia na logística do país.
A Hora – Como eram as operações logísticas nas décadas passadas e quais as principais mudanças trazidas pelo avanço tecnológico?
Daiana Gonçalves de Carvalho – A partir de 1960 houve um avanço nos investimentos por parte do setor público, destinados a expansão das rodovias. Até então, o modal ferroviário era bastante usado. Nas décadas passadas, as atividades logísticas não tinham a agilidade do fluxo de informações e automatização dos processos como hoje.
A tecnologia trouxe ferramentas que proporcionam a integração de dados. Há mais precisão e controle das informações, agilidade no processamento de pedidos aos clientes, redução de custos, monitoramento de cargas e veículos por meio de sistemas de rastreamento via satélite. Também se pode estabelecer roteiros que identificam melhores trajetos tanto em relação à distância, tempo e condições de tráfego.
 Dentro disso, o que ainda está por vir?
Daiana – Já temos drones sendo usados para entregas de pequenos volumes. Também a telemetria em caminhões com dispositivos que permitem desde o controle do desempenho do veículo até o bloqueio do veículo em situações de emergência.
Todas essas inovações estão levando o segmento para o que está sendo chamado de logística 4.0. Isso proporciona mais competitividade às empresas. Outra tecnologia que está começando a ser introduzida é a do blockchain com uma proposta de gerar mais agilidade nos processos de rastreamento, compartilhamento de informações e confiabilidade.
O Brasil tem uma grande dependência do setor rodoviário. A partir disso, quais estratégias devem ser adotadas para otimizar e racionalizar o transporte de cargas?
Daiana – A matriz de transportes no país é dividida em 65% do transporte rodoviário, 15% transporte ferroviário, 11% cabotagem (transporte entre portos no mesmo país), 5% hidroviário, 4% dividido entre dutoviário e aéreo. Com isso, a estratégia da integração de transportes pode gerar economia. Integrar o modal rodoviário ao ferroviário ou o rodoviário e o transporte hidroviário, por exemplo, podem permitir o escoamento de produção com uma redução de custos. O uso de centros de distribuição também pode ser uma forma de centralizar mercadorias para depois serem distribuídas de maneira fracionada e manter a disponibilidade dos produtos aos clientes com mais agilidade.
 Qual a realidade das empresas de transporte hoje? Falta mão de obra qualificada? Em quais segmentos?
Daiana – Apesar de o país vivenciar uma situação de grande desemprego, a mão de obra qualificada é ainda deficitária às empresas de transporte. Muitos segmentos são afetados, desde a condução dos veículos até os setores de planejamento e controle. Um dos grandes déficits é, exatamente, os conhecimentos e habilidades para interagir com a tecnologia, uma vez que a logística tem se tornado uma área cada vez mais tecnológica.
 


 

FILIPE FALEIRO – filipe@jornalahora.inf.br

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