Dois olhos bem arregalados me seguiam debaixo do sofá enquanto eu me mudava para Frederico Westphalen, com o propósito de estudar jornalismo no campus local da UFSM. Entrando em um apartamento para dividir a vida com quatro pessoas que eu nem sequer conhecia, logo fui recepcionada com abraços e euforia.
Subia uma caixa, duas, três. A cama, televisão, impressora. E aqueles olhos enormes rastreando cada movimento e possível ameaça. Olhei para o sofá todo destruído na sala e perguntei: “tem gato aqui?”. O Leonardo, que se tornaria um dos melhores amigos que eu já fiz na vida, respondeu que sim. “Nem gasta energia porque ela não gosta muito de gente”.
Mesmo amando gatos, dei de ombros e continuei a mudança. O movimento acalmou e os meus pais foram embora. E aqueles olhos enormes continuavam a verificar tudo o que eu fazia. Eu seguia o conselho do Leo, sem forçar a barra com a coitada da gata. Passo após passo ela se aproximou. Não dei bola. Ela fez um um barulho parecido com o dos pombos como se quisesse mostrar indignação. Se roçou nas minhas pernas, subiu na cadeira e sentou no espacinho que restava entre o encosto e as minhas costas. Ali começou a minha amizade com a Valeska.
Não demorou dois dias e a gata havia se mudado por conta própria para o meu quarto. Meu edredom rosa virou cama, a pantufa, sacos de pancada e o meu coração a sua maior morada. Agitada e inquieta, eu tirava todos os dias para gastar a energia dela. Brincava de esconde-esconde no apartamento, corria inventando um pega-pega e a nossa amizade se solidificou.
E o zelo da Valeska aparentemente era só comigo. Quando chegava o Vicente, outro grande amigo, a gata virava um tigre em uma piscina de gelo. Chegava a ser engraçado.
Aí chegou outra etapa da minha vida, hora de morar sozinha. A casa era um gelo sem ela. E ninguém se adaptou a esse distanciamento. A gata, em protesto, fazia cocô todos os dias na porta principal. Quem entrava sempre pisava acidentalmente.
O Leo, bom, ele tinha que limpar. Não me dei ao direto de levá-la comigo porque simplesmente não era minha.
Aí um dia no trabalho ele reclamou dos protestos da felina. Saí decidida: passei lá, potes, ração e apetrechos na mochila, gata com coleira na mão e estava feito, levei ela para o meu apartamento. Ela precisou de zero segundos para se sentir em casa. Até hoje não sei se eu roubei ela do Leonardo ou se livrei ele de um problema. Ele aceitou super tranquilo (até onde eu sei).
Continuamos super amigos.
A presença de bichos na minha vida sempre foi constante. Quando ela foi raptada pela vizinha, chorei por mais de um mês. Abdiquei do lazer universitário para procurá-la. Toda a minha turma ajudou! Com ela passei por tudo, alegria, festa, drama, trauma, depressão. E tenho certeza que tudo foi mais leve porque sempre tive na retaguarda a lambidinha mais amorosa, da alma mais pura desse mundo, que é a alma de um bichinho de estimação.
Opinião