Deixar as diferenças de lado e encontrar soluções conjuntas. Funciona no discurso, mas difícil na prática. Em diversos setores, esse conceito começa a ganhar força. Foi assim com o termo entre as cooperativas Dália Alimentos e Languiru, durante a Expovale do ano passado. Em nível de políticas públicas, esses movimentos ainda são incipientes.
Como forma de tornar essa ideia mais perene, os Conselhos de Desenvolvimento dos Vales do Rio Pardo (Corede-VRP) e do Vale do Taquari (Codevat) buscam aproximar relações por meio do planejamento estratégico.
Isso é debatido desde 2008 e ganhou força a partir de 2015. “Instituímos no nosso documento dez prioridades que teriam alcance para as duas regiões”, conta a presidente do Codevat, Cíntia Agostini.
De mais recente, foi apresentação em abril para o governo do Estado das demandas centrais das regiões na construção do Plano Plurianual. Na ocasião, cinco propostas que trariam benefícios aos dois vales foram apresentadas (veja abaixo).
“Essa é uma forma de aumentar a visibilidade das regiões. Há diferenças sim, mas também semelhanças”, ressalta Cíntia. Esses pontos em comum, continua, estão no perfil de pequenas propriedades rurais, no dinamismo dos vales e na própria colonização. “Quando se trabalha de forma conjunta, há ganhos para ambas.”
O presidente do Corede-VRP, Heitor Petry, parte de uma visão similar. “Não sei se podemos chamar isso de movimento, mas sim, podemos intensificar essa relação”, acredita. Pelo Fórum dos Conselhos do RS, os vales representam uma região funcional.
“Somos vistos como uma região operativa. Dentro disso, trabalhamos de forma próxima.”
Juntas, as duas regiões equivalem a 7% da população gaúcha. No ramo industrial, correspondem a quase 10% da produção do RS.
Empecilhos
Por outro lado, barreiras culturais dificultam o fortalecimento dessa visão. Como os conselhos são organizações consultivas, não deliberam sobre uso de recursos ou pela implementação de políticas públicas.
Para reverberar nas comunidades, essa dinâmica tem de ter outras forças, sejam institucionais, universidades e setores produtivos, e até mesmo políticas. A representação dos municípios no Vale do Taquari cabe à Amvat, presidida pelo prefeito de Teutônia Jonatan Brönstrup. Já no Rio Pardo, há duas associações. Essa duplicidade de interesses dificulta o diálogo.
Bairrismo
Para o presidente da Câmara da Indústria, Comércio e Serviços (CIC) do Vale do Taquari, Pedro Barth, a tentativa de aproximação das duas regiões é uma novidade. Entretanto, ele é cauteloso ao avaliar um possível trabalho conjunto entre os dois vales e diz que a discussão precisa amadurecer mais.
“Vamos esbarrar em um grande problema que é o bairrismo. Não é algo fácil de discutir. Já começa pela questão da economia.
A nossa é muito diversificada e temos aqui grandes empreendimentos nos ramos do leite e de alimentos, enquanto o Vale do Rio Pardo se volta principalmente para o fumo”, comenta.
Pouca articulação
Nascido na cidade de Rio Pardo e morador de Encantado, o deputado estadual Edson Brum (MDB) ressalta a importância de haver mais diálogo de todos os setores. “Passa por vereadores, prefeitos, empresários, veículos de comunicação. Todos têm responsabilidade em defender os interesses das duas regiões.”
Para ele, um exemplo de como ainda há um distanciamento dos vales pode ser visto no resultado das eleições. “Quantos candidatos de fora fizeram voto na região? Quantos líderes locais se comprometeram com agentes políticos que representam outras localidades?”, questiona.
Um diálogo contínuo e transparente entre as organizações é o caminho, aponta Brum. O deputado realça a importância de estabelecer reivindicações conjuntas e buscar apoio dos representantes no parlamento. “Quando vemos reuniões com integrantes do governo sem a presença de algum deputado, já há um enfraquecimento.”
Matriz econômica
Ainda que a força principal da economia do Vale do Rio Pardo ainda seja a monocultura do fumo, o perfil das propriedades rurais tem peculiaridades em comparação com a região do Taquari.
A relação, diz Petry, se intensifica por meio dos investimentos nos setores de frango, leite e suínos. “Essa matriz econômica tradicional do Vale do Taquari tem se fortalecido. Sem dúvida isso trará benefícios, pois pode elevar o padrão de bem-estar social, renda e qualidade de vida.” Neste aspecto, diz, pode-se afirmar que há mais integração entre as regiões.
Para fortalecer esse potencial, acredita, é preciso trabalhar esse conceito em setores de representação social e política, com as forças locais trabalhando aspectos de convergência sem perder o caráter de desenvolvimento regional.
“Toda a região sairia ganhando”
Prefeito de Vale Verde e presidente da Associação dos Municípios do Vale do Rio Pardo (Amvarp), Carlos Gustavo Schuch defende uma maior união entre os vales. Ele destaca que a entidade, sob sua gestão, vem realizando um trabalho conjunto com o Corede/VRP e o Consórcio Intermunicipal de Saúde (Cisvale) para unificar ações.
“Estamos realizando um trabalho de integração. Nossa entidade é uma associação política. Portanto, vejo como positiva a possibilidade de trabalhar com o Vale do Taquari. Toda a nossa região sairia ganhando”, afirma.
O presidente da Amvat, Jonatan Brönstrup, reforça a análise de Schuch. Para ele, há vocações semelhantes e que podem resultar em melhorias nos resultados. “Unir esses potenciais mostra ao RS a organização e a importância das regiões.”
Telefonia e internet
O plano é aumentar a potência e abrangência do sinal às sedes das cidades e também às áreas rurais. Conforme levantamento dos conselhos, há faixas territoriais sem sinal e outras com baixa qualidade.
No Vale do Taquari, pesquisa do Codevat aponta que 90% das pessoas ouvidas relataram que o sinal de telefonia móvel é péssimo, ruim ou regular. No que se refere a internet, o resultado é similar. 80% dos entrevistados deram o mesmo relato.
Estima-se que, no Vale do Taquari, 15% da população urbana e 40% da rural não tenham acesso qualificado a essas tecnologias.
Essa inoperância dos sistemas de telecomunicações reduz a produtividade e dificulta a instalação de novas empresas nos municípios.
Arranjos produtivos locais
Os Vales têm em comum a presença de agroindústrias. Elas são resultado da articulação regional e da atuação de organizações que atuam no atendimento e acompanhamento das famílias campesinas. Devido à estrutura fundiária regional caracterizada pela presença de pequenas propriedades rurais.
Esse perfil de Agricultura Familiar e de produção de alimentos carece de políticas públicas para se fortalecer, buscando ampliar a renda das famílias de agricultores e a continuidade das famílias no meio rural.
Há uma necessidade de promover condições efetivas à diversificação, buscando ampliar a renda das famílias. Os arranjos locais são incipientes e precisam de auxílio para se consolidar.
Saneamento básico
Os indicadores de saneamento básico mostram carências nos Vales. Há grande despejo de esgoto in natura e falta de tratamento, somada a poluição do meio rural, com contaminação por agrotóxicos e a presença de resíduos orgânicos decorrentes das atividades de criação animal.
Pelo estudo Trata Brasil, de 2015, nos Vales existem 5% da população sem acesso à água, 90% sem acesso ao esgotamento, 100% sem acesso à drenagem urbana e 10% sem acesso à coleta de lixo.
Os conselhos defendem ações governamentais para um tratamento adequado dos resíduos. Melhorar os índices interfere nos índices de saúde da população.
Inovação em produtos e processos
Políticas para criar habilidades empreendedoras e que possibilitem avançar na diversificação da economia regional. Como resultado, é possível gerar empregos e renda, bem como possibilitar o conhecimento de novas tecnologias e troca de experiências.
Há a necessidade de difundir entre as empresas e os órgãos governamentais a importância da cultura da inovação tecnológica e da pesquisa, através de ações de cooperação e parceria entre o setor empresarial, o setor governamental e as universidades, de modo a superar a situação de baixa cooperação existente entre esses agentes e instituições.
Os vales têm duas universidades comunitárias (Unisc e Univates), além de organizações de pesquisa.
Energias sustentáveis
O papel regional, com o apoio do Estado, é de incrementar linhas de investimentos para negócios inovadores. Esse seria uma forma de estimular pesquisas junto com as universidades e as empresas que inovam na produção dessas tecnologias.
Os vales têm potencial à geração de energia eólica, solar, biogás e nas pequenas centrais hidrelétricas, além de outras fontes energéticas que devem ser pesquisadas e levadas adiante em projetos que estimulem o desenvolvimento, produção e distribuição de energias renováveis e alternativas.
FILIPE FALEIRO – filipe@jornalahora.inf.br